
Recentemente vimos o líder do Chega, André Ventura, reagir de forma veemente à polémica sobre a eventual construção de uma mesquita em Lisboa. Diz André Ventura que a posição do Chega é: “Nem mais uma mesquita em Portugal”.
Esta posição revela que o Chega tem uma relação problemática com o conceito de liberdade religiosa, que por outro lado insiste que defende.
A liberdade religiosa não é algo que o Estado, seja qual for, concede aos seus cidadãos ou às pessoas que lá vivem, uma espécie de privilégio ou benesse. A liberdade religiosa é um direito humano fundamental, consagrado na Carta dos Direitos Humanos, cujo valor o Chega reconhece, uma vez que a cita nos seus projectos-lei.
E a liberdade religiosa implica, entre outros aspectos, o direito ao culto. Ora, se para os cristãos o direito ao culto implica a existência de igrejas, para os muçulmanos, implica a existência de mesquitas.
Portanto, uma pessoa, ou um partido, não pode dizer na mesma frase que respeita a liberdade religiosa, mas que ao mesmo tempo querer que os membros de uma determinada religião sejam privados de espaço para exercer um dos princípios fundamentais dessa liberdade, que é o direito ao culto.
Mas o Estado tem obrigação de financiar a construção de mesquitas? Não necessariamente. Da mesma forma que não tem obrigação de financiar a construção de igrejas. Contudo, frequentemente o Estado financia, ou ajuda a financiar, de diferentes formas, a construção de igrejas e fá-lo precisamente porque reconhece que assim está a contribuir para que os cidadãos cristãos possam exercer de forma mais livre o seu direito à liberdade religiosa. É, por isso, inteiramente compreensível que o Estado contribua para a construção de uma mesquita num local onde existe uma significativa população muçulmana que, sem ela, ficaria privada da oportunidade de exercer plenamente a sua liberdade de culto em comunidade.
Realce-se que André Ventura e o Chega não se opõem apenas ao uso de dinheiro público para a construção de mesquitas, a posição deles, repetida, é: “Nem mais uma mesquita em Portugal”, ao que Ventura acrescenta, para que fique claro, “muito menos com dinheiro público”.
O Chega está muito preocupado com o fundamentalismo islâmico. Cito do seu programa eleitoral: “Impedir o avanço do fundamentalismo islâmico e garantir que as novas comunidades respeitam a lei da liberdade religiosa, os direitos humanos, nomeadamente os direitos das mulheres e crianças.” Aliás, esta preocupação é tão grande, que aparece duas vezes no mesmo programa, nos pontos 137 e 198.
Mas a melhor maneira de prevenir o avanço do fundamentalismo islâmico é permitir aos muçulmanos congregar e rezar em espaços onde todos, incluindo as autoridades que acompanham estes assuntos, conseguem saber o que se diz e o que se ensina. A vontade de proibir a construção de mesquitas em Portugal choca, por isso, com a vontade de prevenir o “avanço do fundamentalismo islâmico em Portugal” e esta é mais uma razão para o Estado ter interesse em participar na construção de mesquitas, onde elas forem necessárias.

Muitas vezes ouvimos dizer que “os árabes também não deixam construir igrejas nos países deles”, mas isso simplesmente não é verdade. A esmagadora maioria dos países muçulmanos permite a construção de igrejas, com maiores ou menores limitações. Alguns países da Península Arábica têm mesmo oferecido terreno para que as comunidades cristãs – na maioria imigrantes – possam construir lá igrejas. As excepções são a Arábia Saudita, as Maldivas, a Somália e o Afeganistão.
Ou seja, e que isto fique claro, a visão que André Ventura e o Chega têm sobre a liberdade religiosa é, neste ponto, igual à da Arábia Saudita e do Afeganistão, países fundamentalistas islâmicos. Isto parece-me preocupante.
Mas há mais. Já em duas ocasiões – pelo menos – o Chega apresentou propostas de lei que teriam o efeito prático de impedir o abate de animais segundo as regras halal, dos muçulmanos, ou casher/kosher, dos judeus. A última versão desta proposta, que não chegou a ser votada, pode ser lida aqui.
De forma muito resumida, as regras alimentares dos judeus e dos muçulmanos obrigam a que os animais estejam conscientes no momento em que são mortos. Isto entra em contradição com as regras da União Europeia, que obrigam a que os animais estejam inconscientes, por atordoamento, antes de serem abatidos. Mas as regras da União Europeia prevêem a possibilidade de excepções para cumprimento de rituais religiosos. Contudo, essa excepção não é obrigatória e alguns estados europeus já proibiram a prática. Por regra, essas proibições partem ou de partidos ecológicos, ao estilo do PAN em Portugal, ou então de partidos de extrema-direita com tradição anti-islâmica ou antissemita.
O Chega afirma, no seu projecto, que pretende conciliar o bem-estar dos animais com o abate religioso, obrigando ao atordoamento. Mas ou o faz por ingenuidade ou cinismo, uma vez que as duas práticas não são compatíveis. O resultado imediato da aprovação da lei do Chega – que eu duvido que seja constitucional, mas esse não é o meu campo – seria, na prática, o fim do abate halal e casher em Portugal, obrigando muçulmanos e judeus cumpridores a ter de comprar carne importada, e por isso muito mais cara.
Mas o resultado a médio e longo prazo é a mensagem de que essas comunidades não são bem-vindas em Portugal. Uma vez que o Chega se mostra muito preocupado com os animais que são abatidos conscientes para consumo, mas ao mesmo tempo defende as touradas, leva-me a crer que a preocupação de fundo não é o bem-estar dos animais, mas sim passar essa mesma mensagem aos muçulmanos.
Porque é que eu me preocupo com isto? Porque a liberdade religiosa que protege o muçulmano e o judeu é a mesma que me protege a mim. A partir do momento em que um partido, que neste momento é mesmo a segunda maior força política em Portugal, se julga no direito de limitar esse direito para uns, está a assumir que, caso queira, o pode limitar para mim também. Aí ninguém está seguro.
A quantidade de alarvidades aqui expressadas deixa-me preocupado com o ser humano e a sua soberba
Não, não tem não.
O que ele tem é juízo e bom senso ao contrário de muitos de vós que não tem noção nenhuma da convivência em sociedade, valores, direitos, deveres e defesa identidade, culturalidade.
Exatamente porque nos países de onde vem essa gente não há liberdade é que não podemos nunca permitir que esses mesmos venham para cá a curto e médio prazo impor o mesmo. Se querem liberdade exerçam-na lá onde os nossos cristãos não têm liberdade e são perseguidos.
Já agora saía da sua bolha mediática e egoísta e vá viver para um desses países ou até mais perto, para um dos seus bairros favoritos em França ou Alemanha ou UK.
São cabecinhas como a sua que nos levaram para o estado da Europa e de Portugal no que toca a imigração, islamização. Não precisamos desta gente que só sabe mentir.
Caro Filipe
Completamente de acordo!
A atenuação dos radicalismos faz-se pelo estabelecimento de pontes, de relacionamentos pessoais, da promoção de uma cultura de integração onde a fiscalização da radicalização só é prejudicada pela existência de ‘ bolhas’ onde o acesso é restrito!
Ab amigo lpm
É surpreendente, de facto, o que se vai lendo nestes comentários, e o tipo de vingança infantil que se expressa nestas atitudes que o Filipe denuncia e bem: “Se por lá não deixam construir igrejas, nós também não deixamos construir mesquitas.” Interessante, mas tão oposto à magnanimidade do Evangelho, que manda dar a outra face e percorrer a outra milha. Enfim. Triste.
Quanto ao último parágrafo, Filipe: não, não me preocupo apenas porque me pode vir a afetar a mim diretamente. Preocupo-me mesmo e apenas porque afeta os outros. É assim que o Cristianismo me ajuda a pensar. Primeiro, nos outros, depois, em mim.
Se há a necessidade de construir mesquitas em Portugal, é porque há um aumento do número de fieis muçulmanos. Vamos combatê-los com armas e expulsá-los à força? Ainda estamos na Idade Média??? Não, vamos trabalhar por uma sociedade verdadeiramente cristã, fermento na massa, sal na terra, luz no mundo. A necessidade de mesquitas contrasta vergonhosamente com o esvaziamento e a venda de igrejas e capelas. Vergonhosamente para o nosso lado, claro. De novo, o pensamento ridiculamente infantil: “Se nós não conseguimos crescer, eles também não podem crescer, que eu não deixo.” Ah…
Muito bem, Filipe! É mesmo assim e foi isto que eu sempre ouvi e aprendi com quem sabia muito mais do que eu e a quem tanto devo. Nossa Senhora do Bom senso: rogai por nós!
Assim é