Nos últimos tempos tem-se falado muito de eutanásia e muito mais se irá falar ainda.
Há uma série de coisas que ouvimos dizer repetidamente e que merecem reflexão e comentários.
“Precisamos de um debate sereno e profundo”
Toda a gente gosta de dizer isto, de um lado ou de outro da barricada. Mas permitam-me discordar… Havendo um debate, que seja sereno e profundo. Mas o ideal seria não haver debate nenhum. Esta questão não é sequer “debatível!”
Já escrevi aqui que a Eutanásia baseia-se em premissas absolutamente destrutivas. Nomeadamente na ideia de que a dignidade humana depende da nossa capacidade física e ou mental. Ou sequer que a dignidade depende da nossa vontade! A partir do momento em que aceitamos que a dignidade é algo volátil, algo que vai e vem, ou que pode ser diminuída por factores terceiros ou pela nossa vontade, estamos a dividir a humanidade em pessoas que têm dignidade e outras que não têm. O que se segue nunca é bom.
Por isso não. Precisamos tanto de um debate sereno e profundo sobre isto como eu preciso que alguém discuta profunda e serenamente o gaseamento de ciganos ou o afundamento de barcos cheios de refugiados no Mediterrâneo.
Agora, vai haver debate? Parece que sim, infelizmente. Então que seja sereno? Tudo bem. Mas precisamos disso? Mais rapidamente precisamos de memória histórica e uma chapada na cara para ver se ganhamos juízo…
“Agora não é a altura para discutir a eutanásia”
Esta também se ouve, normalmente dita por pessoas que são contra a eutanásia ou por pessoas que sendo favoráveis, não querem que o debate seja feito agora, talvez, sabe-se lá, porque o Papa visita o país em Maio e não é conveniente recebê-lo com estes projectos em cima da mesa…
Mas o problema desta frase é que dá a entender que existe uma altura em que, aí sim, será perfeitamente adequado discutir a matança de pessoas com a colaboração de pessoal de saúde.
Imaginam alguém na Alemanha nos anos 30 a dizer “Sim, temos de ter um debate sereno sobre o problema judaico, mas a economia está nas lonas e até resolvermos isso não é a altura certa para discutir a solução final.”?
Não. Não é altura para discutir a eutanásia porque nunca é altura para discutir a eutanásia. Tão simples como isso.
O referendo
Deve haver um referendo sobre a eutanásia? Muito bem, eis a minha opinião:
Se o referendo for a única forma de travar a eutanásia, deve haver referendo.
Se o referendo for a única forma de legalizar a eutanásia, não deve haver referendo.
Não é lá muito democrático? Temos pena.
A sacralidade da vida e a dignidade humana não estão ao serviço de instrumentos democráticos, sejam eles quais forem. Lamento, mas não estão.
É perfeitamente evidente que a vida não é referendável. Logo, a ideia de decidir em referendo se a eutanásia deve ser legal é horrenda. Só é aceitável se for como forma de a travar. Não porque a democracia tudo legitima, mas precisamente porque a vida e a dignidade da vida estão na raiz da legitimidade democrática. Mais nada.
E esta regra aplica-se tanto à eutanásia como a outras aberrações como a escravatura e o aborto. Referendos? Façam-nos à vontade! Servem unicamente na medida em que legitimam aquilo que está conforme o direito natural e uma visão digna da humanidade.
(Artigo publicado originalmente no dia 4 de Abril de 2017, no blog)
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