Há uma coisa que irrita profundamente os defensores da eutanásia e que é muito usada pelos seus opositores. Trata-se da evocação do facto de que na história moderna o primeiro Estado a atrever-se a legalizar e codificar a eutanásia foi o III Reich de Adolf Hitler.
Mas este argumento, por si só, é perigoso. As coisas não são más só porque os nazis as defenderam e fizeram. Não é o facto de os nazis terem usados comboios para transportar judeus para os campos de concentração que torna o transporte ferroviário imoral para toda a eternidade. Haverá um sem número de coisas perfeitamente normais e banais que os nazis fizeram e fizeram bem, algumas das quais são boas, a maioria perfeitamente amorais. Obviamente, e bem, nós lembramo-nos dos nazis pelo imenso e incomensurável mal que fizeram à Europa e ao mundo, e não pelo facto de terem aumentado os níveis de literacia infantil, ou qualquer coisa do género.
Os defensores da Eutanásia que têm dado a cara nestes debates públicos não são, manifestamente, nazis. Nunca disse que eram nem o direi. O problema é que a esmagadora maioria dos alemães também não eram nazis. O grande drama da Europa foi o facto de que incontáveis alemães aparentemente bem-educados, bem-intencionados e talvez até afáveis, se deixaram enrolar e alinharam nas terríveis ideias de Hitler e dos seus capatazes.
O recurso ao exemplo histórico dos nazis neste debate sobre a eutanásia não é um mero recurso manhoso dos defensores da vida. Vem totalmente a propósito porque os argumentos usados então e hoje para defender a legalização desta prática, parecendo muito diferentes, têm a mesma, perigosa e terrível raiz.
Os nazis inventaram um termo: “Lebensunwertes Leben”, que significa “Vida indigna de ser vivida”. Aplicaram-na aos deficientes, aos “impuros”, aos doentes. Hoje os defensores da eutanásia diferem apenas (e por enquanto) nos alvos da lei que propõem. O facto de insistirem (por enquanto) que a lei que defendem apenas permitirá a eutanásia por livre vontade do doente é um detalhe. O grande problema da lei nazi não era a falta de consentimento dos eutanasiados, era precisamente o pressuposto de que eles não eram dignos de viver. E isso – que há vidas que não são dignas de serem vividas – é o centro do argumento moderno pela eutanásia. Não é uma coisa escondida, um detalhe, é mesmo a pedra angular.
Porque a não ser que estejamos a dizer que a dignidade não é uma coisa inerente à condição humana, mas que depende das nossas vontades e da nossa autonomia – do estilo, hoje tenho dignidade, mas amanhã já não me apetece, quinta-feira logo se verá –, então estamos a dizer que há homens e mulheres que são mais dignos que outros, em função das suas capacidades físicas ou mentais. Se esse é o caso, então o que nos impede de concluir que a vida do deficiente mental, ou do tetraplégico, é “Lebensunwertes Leben”? Afinal de contas o que estavam a fazer os nazis se não levar um passo mais longe a mesma lógica que hoje os bem-pensantes do progressismo social apregoam?
A despenalização da eutanásia não é apenas nazi, está intimamente associada ao núcleo intelectual e racional do nazismo: A ideia de que uns têm uma vida digna de ser vivida, mas outros não.
Eu não direi que os defensores da eutanásia são nazis porque para ser nazi é preciso mais do que apenas isso. Mas que a ideia que defendem tresanda a nazismo digo sem medo de me acusarem de demagogia, porque a raiz é a mesma e é por isso que o fruto também é o mesmo: A morte.
(Artigo publicado originalmente a 29 de Fevereiro de 2016, no blog)
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