Recentemente, num post no Facebook, José Manuel Pureza falou do acesso à eutanásia como um “direito fundamental”. Também no manifesto em que se pede a legalização da eutanásia diz-se que a sua criminalização “fere os direitos fundamentais relativos às liberdades”.
Não parece haver dúvida, portanto, que os seus defensores consideram mesmo que a eutanásia é um direito fundamental.
Em Portugal os direitos fundamentais estão enumerados na Constituição. Naturalmente, o direito à eutanásia ou mesmo o direito a pôr fim à própria vida não constam. Ao nível do direito internacional o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem sido claro ao dizer que não existe qualquer direito à eutanásia nas convenções que regem estes assuntos.
Isto é só para clarificar. O que os subscritores deste manifesto querem certamente dizer é que querem que este direito seja reconhecido. Mas o termo não deixa de ser curioso. É que não pedem apenas o direito à eutanásia, falam mesmo de um direito fundamental. Não fica claro se pensam que deve existir um direito fundamental à eutanásia em si, ou se esta deve ser incluída de forma mais geral no direito fundamental à liberdade.
Mas o problema com esta argumentação é que os direitos fundamentais não são apenas para alguns. Não há direitos fundamentais para homens ricos que não se aplicam a pobres; não há direitos fundamentais para jogadores de futebol que não se aplicam a coleccionadores de selos; certamente não existem direitos fundamentais dos quais estão excluídos os doentes e de igual forma não pode haver direitos fundamentais que são só para doentes.
Mas essa é precisamente a proposta dos defensores da eutanásia. Legislar um “direito fundamental” que apenas se aplica aos doentes, uma vez que o manifesto é claro ao dizer que a eutanásia só se aplicaria a “doentes em grande sofrimento e sem esperança de cura”.
Sejamos claros, se existe um direito fundamental a pôr fim à própria vida, ou se a eutanásia deve estar incluída no mais geral direito à liberdade, então tem de ser para todos. Não faz sentido ser só para alguns.
À luz do manifesto, a questão torna-se ainda mais grave, pois fala do: “Direito a morrer em paz e de acordo com os critérios de dignidade que cada um construiu ao longo da sua vida”.
Se a bitola são os “critérios de dignidade que cada um construiu ao longo da sua vida”, então porque é que querem limitar a eutanásia aos moribundos em sofrimento? E se segundo o meu critério a minha dignidade está irremediavelmente posto em causa pelo facto de eu estar a ficar cego? E se eu tiver sido sujeito a uma operação que correu mal e que me deixou desfigurado, porque não hei-de poder pôr fim à minha vida? E se simplesmente estiver farto de estar vivo? Podem parecer casos parvos, e talvez fossem, não fosse o detalhe de serem reais.
Claro que os defensores da eutanásia não querem que nós pensemos que isto seja possível algum dia em Portugal. Mas se a eutanásia vier a ser aprovada então é precisamente isso que vai acontecer, porque é o único caminho que respeita a lógica da própria argumentação. É o problema de abrir a caixa de pandora de “direitos” que não têm qualquer base na realidade.
Tudo isto parece-me uma coisa bastante evidente, e eu não sou de Direito. Mas então porque é que os promotores deste manifesto, que são pessoas inteligentes, não o percebem? Imagino que seja uma questão de estratégia. Eles sabem que se definirem a eutanásia como aquilo que é, a morte de um ser humano provocada por outro ser humano, as pessoas perceberiam rapidamente precisamente aquilo de que estamos a falar: Homicídio.
Não, a eutanásia não é um direito fundamental, não é sequer um direito. Pelo contrário, é um crime intolerável que leva inevitavelmente a abusos e a situações vergonhosas, e que fere a dignidade não só do doente como de todos os que vivem nos países em que esta monstruosidade é tolerada.
(Artigo publicado originalmente no dia 8 de Fevereiro de 2017, no blog)
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