Só dois dos 14 padres que foram provisoriamente afastados do ministério por constarem da lista da Comissão Independente que foi entregue aos bispos é que podem vir a ser condenados, quer canónica quer civilmente, pela prática de abusos sexuais.
Durante o verão consegui apurar que mais dois dos padres que estiveram afastados do ministério por essa razão viram os seus casos arquivados pelo Dicastério para a Doutrina da Fé, e regressaram ao activo. Em ambos os casos essa reintegração veio acompanhada de uma recomendação para não serem nomeados para cargos que envolvam contacto com menores de idade, uma medida de cautela que é bastante habitual neste tipo de situações.
Dos dois padres em questão, um é da Arquidiocese de Évora, e era o único que se encontrava afastado provisoriamente dessa diocese. O outro é do Patriarcado de Lisboa e foi o último de quatro padres que foram provisoriamente afastados a ser reintegrado.
Neste momento, há apenas mais dois padres ainda afastados provisoriamente do ministério enquanto decorrem os seus processos. Um é o padre Albino Meireles, da Arquidiocese de Braga, que aguarda julgamento depois de a polícia ter encontrado uma arma ligeira proibida e munições em sua casa. Segundo a imprensa, terão sido encontrados também indícios de acesso a sites de pornografia infantil no seu computador. O outro é o padre Luís Miguel Costa, de Viseu, que foi condenado em primeira instância no tribunal civil pelo envio de mensagens a um menor, a solicitar actos sexuais, e cujo processo está actualmente em Roma, aguardando-se a decisão do Dicastério para a Doutrina da Fé.
A conclusão que se pode tirar neste momento é de que dos 14 padres que constavam da lista da Comissão Independente e que foram suspensos – sendo que o padre Luís Miguel Costa já se encontrava suspenso à data da entrega das listas aos bispos e ordens religiosas – 12 viram os seus processos arquivados e só resta saber o resultado de dois processos. É verdade que estes dois que faltam são aqueles em que é mais provável, diria mesmo quase certo, que haja uma condenação, mas enquanto isso não for confirmado temos de aguardar a decisão de Roma.
Transparência, outra vez
Não é a primeira, nem a segunda, mas infelizmente também não deverá ser a última vez que me vêem apelar aos bispos para que insistam numa cultura de transparência na forma de lidar com estes casos.
Logo a seguir à publicação do relatório da Comissão Independente, e da entrega das listas aos bispos e responsáveis de ordens religiosas, vimos uma onda de transparência impressionante, com quase todas as dioceses a fazer comunicados com os dados relativos à sua situação, nomeadamente quantos nomes constavam da lista e a situação particular de cada um. Foi-nos dito quantos seriam provisoriamente afastados, quantos já tinham visto o seu caso tratado anteriormente. Tudo espetacular!
O problema começou a surgir, ou a ressurgir, na mesma medida em que a atenção mediática diminuiu e o resultado pode ser visto com esta notícia que vos estou a dar hoje dos dois padres que viram os seus casos arquivados e foram reintegrados. Em nenhum dos casos as dioceses se deram ao trabalho de fazer um comunicado a informar que os processos tinham sido concluídos. Porquê?
Mais, quando eu soube do caso de Lisboa, por exemplo, tive o cuidado de tentar fazer as coisas como mandam as regras e liguei para o gabinete de comunicação do Patriarcado a perguntar se confirmavam que o processo estava concluído, e qual o resultado. Pediram para ligar de volta e quando o fizeram, algumas horas mais tarde, foi para dizer que a decisão oficial era de não fazer nenhuma declaração sobre o assunto “por enquanto”. Bastou-me mais um telefonema para obter a informação que eu queria. Ainda esperei mais de um mês (a conversa foi na primeira quinzena de Agosto), para ver se o “por enquanto” se esgotava, mas agora só posso concluir que o Patriarcado continua a preferir uma política de silêncio no tratamento destas situações.
De facto, dos quatro padres que foram provisoriamente afastados, só um é que teve direito à publicação de um comunicado pelo Patriarcado, presume-se que por exigência sua. O arquivamento do processo relativo aos outros dois foi indicado pelo então Patriarca D. Manuel Clemente, em resposta a jornalistas, mas nunca foi feito nenhum comunicado e agora, neste caso, nem quando se perguntou pela via correcta foi dada confirmação oficial, tendo sido necessário obtê-la por outra via.
Mas porque é que a transparência é importante? Afinal de contas, para além dos envolvidos e eventualmente dos queixosos, o que é que a sociedade tem a ver com isto? Porque é que os bispos hão de prestar contas aos jornalistas? Às vezes parece-me que são estas as dúvidas que passam pela cabeça de quem toma estas decisões.
Mas isso é ver a questão pelo ângulo errado. A transparência não tem por função alimentar curiosidades, nem é um prestar de contas a ninguém. Uma boa cultura de transparência é uma defesa contra o encobrimento. É tão simples quanto isso. Quando uma diocese tem uma cultura de transparência instituída, torna-se muito mais difícil ceder à tentação natural de esconder esta ou aquela informação, para não tramar uma pessoa de quem tanto gostamos, ou de quem temos pena.
Eu não estou a insinuar, de todo, que estes dois casos em particular foram abafados ou encobertos. No caso de Lisboa, sobre o qual me estou a debruçar mais, tenho aliás a maior confiança de que a investigação prévia terá sido levada a cabo com rigor. A questão não é essa. A questão é que com uma cultura de transparência essa confiança é desnecessária, porque os factos vão-nos sendo apresentados e podem ser verificados e questionados em caso de dúvida.
O que é que se pede então? Uma boa cultura de transparência obrigaria, no mínimo, à publicação de um comunicado a fornecer a informação do resultado de cada caso, mas, na melhor das hipóteses, podia-se criar de uma página com informações actualizadas sobre o número de casos existentes e os respectivos resultados dos processos. Tudo isto é possível fazer-se sem identificar os envolvidos, quer os alegados abusadores, quer as vítimas.
A sugestão fica aqui feita publicamente, até ao dia em que a tiver de fazer outra vez.
Entretanto, o Actualidade Religiosa continua a ser o local de referência para dados rigorosos sobre este tema em Portugal:
Cronologia de casos de abuso em Portugal
Casos de abusos em Portugal – o que sabemos e o que falta saber
O que sabemos das listas dos abusadores compostas pela Comissão Independente