
Quando era novo, G. K. Chesterton escreveu uma quadra que captura o seu amor pelo menino Jesus, e pela infância em geral, pedindo a “todos os pais” que contemplassem o facto de poderem estar “no lugar de José e de Maria”.
A infância não era valorizada antes de Deus se tornar criança. O mundo antigo não tinha a mesma afeição ou sentimentalismo pelas crianças que temos hoje. Tanto em aramaico como em grego, a palavra para criança é a mesma que para criado. Deus não se tornou criança porque o mundo achava que as crianças eram um amor, pelo contrário, foi ao tornar-se criança que Deus santificou a infância e as crianças.
Isto permite-nos abordar e compreender melhor as palavras suaves, mas assombrosas, do Evangelho do passado domingo: “Quem recebe uma criança como estas em meu nome, é a mim que recebe, e quem me recebe não me recebe a mim, mas àquele que me enviou” (Marcos 9, 30-37). A nossa sociedade, quando escuta estas palavras, interpreta-as de um modo sentimental. As crianças são tão queridas, e dizem as coisas mais engraçadas. Que giro que Jesus toma o seu partido, etc.
Mas há muito mais a acontecer aqui. Em primeiro lugar porque Nosso Senhor se identifica com um grupo de pessoas em particular. Este verso é uma variação daquilo que escutamos no Evangelho de Mateus: “Verdadeiramente vos digo, assim como fizeste ao mais pequeno dos meus irmãos, fizeste-me a mim” (Mateus 25, 40). Só que desta vez ele identifica-se não como os pobres, mas com uma criança indefesa e independente.
E podemos ir mais fundo ainda, porque está em jogo uma verdade teológica também. Uma criança capta a realidade de Cristo mais do que a maioria das outras imagens. Enquanto filho eterno do Pai, Jesus é a criança definitiva e perfeita. Ele é inteiramente dependente, porque recebe constantemente tudo do seu Pai. Tudo o que Ele tem vem do Pai, e por isso é que recebê-lo é receber aquele que O enviou.
Aquilo que torna uma criança difícil – a sua dependência – é aquilo que faz dela uma imagem de Cristo. Esta pode ser a razão pela qual o sacrifício infantil era tão praticado no mundo antigo, era um assalto demoníaco à imagem do Filho eterno.
Mais, tal como na exortação em Mateus 25, este versículo tem implicações sérias para a nossa resposta. A forma como respondemos àquele que tem necessidades – neste caso uma criança – é como respondemos a Jesus. A criança é um emissário, um embaixador, que anuncia o Pai. De facto, “Tal como recebeste uma destas crianças, recebeste-me a mim”.
Isto deve ser um grande consolo e inspiração para pais (tal como Chesterton indica). Jesus fez com que seja tão fácil servi-lo. Quem receber uma criança como esta em meu nome, é a mim que recebe. Quando os pais acolhem uma criança, acolhem Cristo, tal como fizeram José e Maria.
Ainda que não seja propriamente “conveniente”, uma criança é sempre uma bênção. Mas uma bênção é também uma tarefa. Por isso torna-se a responsabilidade dos pais ver que Cristo seja formado no seu filho. Dessa forma, acolher uma criança é acolher Cristo.
Embora seja gentil e bonito para os pais, este versículo é também desafiante e assombroso para a nossa cultura. Mais uma vez, aplica-se o versículo paralelo de Mateus 25. Como seremos julgados pela forma como ajudámos os pobres, também seremos pela forma como acolhemos as crianças. Sempre que não acolheste uma destas crianças, foi a mim que não acolheste.

Se acolher uma criança significa acolher Cristo, o que significará a rejeição de uma criança? Esta é uma pergunta importante para nós que vivemos numa cultura anti-natalista, que procura prevenir as crianças pela contracepção e, quando isso não funciona, as elimina por outros meios. O que significa essa hostilidade para com uma criança, se não hostilidade a Cristo?
Era claramente isso que estava na mente do Papa Francisco há uns anos quando ele disse: “Cada criança não nascida, mas condenada injustamente a ser abortada, tem o rosto de Jesus Cristo, tem a face do Senhor, que ainda antes de nascer e depois, recém-nascido, experimentou a rejeição do mundo.” São palavras fortes, firmemente ancoradas no Evangelho.
Nosso Senhor fala de acolher uma criança. Mas a mentalidade contraceptiva que governa o nosso mundo vê as crianças como algo a ter segundo as nossas prioridades, como um dever e até em termos de posse. Em vez de acolher filhos, nós negamo-los ou exigimo-los. Esta é má ideia, tanto sociologicamente, como económica e politicamente. E, tal como as palavras de Jesus indicam, é espiritualmente letal, porque se trata de um assalto à imagem do Filho eterno do Pai.
A ironia é que na medida em que rejeitamos as crianças e a infância, tornamo-nos cada vez mais infantis. A ausência de crianças na vida das pessoas dá-lhes poucas razões para amadurecerem. A rejeição das crianças é tanto um sintoma como uma causa da adolescência eterna da nossa cultura.
Quem recebe uma criança como esta em meu nome, é a mim que recebe. Talvez possamos ouvir nestas palavras um convite aos casais para terem mais filhos. A abertura à vida pode ser uma realidade assustadora, e por isso chama por maior confiança em Deus. Essa maior abertura e essa confiança já são, por si, uma bênção. O acolhimento de uma criança que anuncia o Filho eterno abençoa-nos ainda mais.
O Pe. Paul Scalia é sacerdote na diocese de Arlington, pároco da Igreja de Saint James em Falls Church e delegado do bispo para o clero.
(Publicado pela primeira vez no domingo, 22 de Setembro de 2024 em The Catholic Thing)
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