
No dia 20 de Novembro cumpriram-se oitenta anos do início do julgamento de vinte e quatro líderes nazis. Trata-se de um procedimento legal que continua a ser relevante para nós hoje. O grande incentivador da criação do tribunal foi o presidente americano Franklin D. Roosevelt. Pouco depois de os EUA entrarem na guerra ele disse que “é nossa intenção que seja aplicada uma punição justa e segura aos líderes responsáveis pelos assassinatos organizados de milhares de pessoas inocentes, na prática de atrocidades que violaram todos os princípios da fé cristã.”
A acusação contra os 24 líderes nazis consistia de três partes. A primeira acusava os réus de conspiração para conduzir uma guerra de agressão e de violar tratados internacionais – crimes contra a paz. A segunda parte acusava os réus de violarem leis e costumes consagrados nos tratados de Haia e de Genebra e reconhecidos pelas forças militares de todas as nações civilizadas – crimes de guerra contra a paz. E, finalmente, a terceira parte acusava os nazis do extermínio de grupos raciais, étnicos e religiosos, bem como de outras atrocidades contra civis – crimes contra a humanidade.
A defesa apoiou-se sobretudo em dois argumentos. Primeiro, afirmou-se que na altura em que os vários actos tinham alegadamente sido cometidos, os “crimes” de que os réus estavam agora acusados, não tinham qualquer base estatutária, nem no direito alemão, nem no direito internacional; a base legal das acusações tinha sido criada depois dos factos. Uma vez que as leis “ex posto facto” são constitucionalmente proibidas em cada uma das potências aliadas, não poderiam ter qualquer validade num tribunal convocado por essas mesmas nações.
O segundo argumento era de que os réus não deviam ser acusados pelas consequências de seguir as ordens dos líderes legítimos da Alemanha. A suprema autoridade de Hitler tinha sido confirmada tanto por juízes como por deputados eleitos e ele tinha podido afirmar do partido Nazi que: “Estamos absolutamente firmes como granito no terreno da legalidade.”
Mas esta era, porém, uma legalidade perversa. Os nazis promulgaram uma série de enormidades legais, a começar pelo decreto para a Proteção do Povo do Estado (1933), que obliterou as liberdades individuais formalmente protegidas pela Constituição de Weimar. Havia leis de “Pureza Racial” que proibiam o casamento entre judeus e não judeus; leis que obrigavam ao registo de “raças estrangeiras” e indivíduos geneticamente “menos valiosos”; e leis que expulsavam judeus de cargos de governo, permitindo a “arianização” de activos judeus. Foi com base nestas leis “firmes como granito” que Hitler e os líderes alemães formaram a Solução Final.

Porém, apesar da enormidade das atrocidades nazis, o dilema jurídico em Nuremberga era bem real. A acusação não tinha de facto estatutos preexistentes para formular um caso contra os réus, sobretudo as acusações de “crimes contra a humanidade”. Mas os procuradores não hesitaram em invocar o direito – o Direito Natural – que se sobrepõe a todas as leis civis e revoga o tipo de ordem legal perversa que existia na Alemanha nazi. O filósofo Peter Kreeft escreveu que “o julgamento de Nuremberga assumiu que existia mesmo tal lei moral universal”.
Os réus de Nuremberga, e os seus advogados, argumentaram que “não eram culpados diante de um tribunal humano, mas sim diante de Deus”. Partiam do princípio que embora pudessem ter alguma culpa moral, do ponto de vista jurídico eram inocentes. A culpa assentava toda sobre o Estado alemão derrotado, e não sobre o seu povo ou os seus líderes.
A isto, o procurador principal dos Estados Unidos em Nuremberga, Robert H. Jackson, que era juiz do Supremo Tribunal, respondeu simplesmente: “Não aceitamos o paradoxo de que a responsabilidade legal deve ser menor onde o poder é maior”. Jackson recordou o jurista inglês Edward Coke, na sua crítica à assunção de autoridade real de James I: “Um Rei não deixa de estar sob Deus e sob a lei” e acrescentou: “Dizer que estes homens não são culpados tem tanto de verdade como dizer que não existiu guerra, não existiram mortos, não houve crime”.
A lógica de Jackson assente no Direito Internacional foi resumida por Ann e John Tusa, autores de The Nuremburg Trial:
A própria ideia de que os estados cometem crimes, disse ele, “é uma ficção. Os crimes só podem ser cometidos por pessoas. Homens que exerciam grande poder não podem passar a sua responsabilidade para a entidade fictícia do Estado “que não pode comparecer diante do tribunal, não pode testemunhar, não pode cumprir sentença”. Ele criticou aqueles que tinham feito juramento de fidelidade inviolável e obediência total a Hitler, chamando-o “uma abdicação da inteligência e da responsabilidade moral pessoais”. (…) Então veio um grito do coração de Jackson, tão caracteristicamente honesto como apaixonado: “Não posso subscrever a lógica perversa de que uma sociedade pode avançar e fortalecer o Estado de Direito à custa de vidas moralmente inocentes, mas que o progresso e o direito nunca se possam fazer à custa de vidas moralmente culpadas”.
Sem poder recorrer a leis civis, isto é, feitos pelo homem, para condenar os nazis, estes foram condenados com base numa lei superior – a lei divina.
O veredicto final dos Julgamentos de Nuremberga prova que sem o Direito Natural não existe defesa contra a consolidação do mal. A tradição do Direito Natural não só assume como assegura a dignidade da pessoa humana, como ainda é frequentemente a única forma de contrariar a injustiça e a iniquidade. Essa é uma lição que precisamos muito de reaprender hoje em todas as nações historicamente cristãs.
George J. Marlin é presidente da fundação Ajuda à Igreja que Sofre nos EUA e autor de The American Catholic Voter e Sons of St. Patrick, escrito em parceria com Brad Miner. O seu mais recente livro é Mario Cuomo: The Myth and the Man.
Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na Sexta-feira, 21 de Novembro de 2025)
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