
Saiu hoje a notícia chocante de que o professor Fernando Silvestre, que deu aulas de EMRC na região de Famalicão, e foi condenado em primeira instância pelo crime de abuso sexual de menores, no contexto do seu trabalho docente, foi colocado novamente pelo Ministério da Educação. Neste caso o professor está de baixa, pelo que tudo indica que não vai comparecer na escola, mas se nalguma altura deixar de estar de baixa está livre para dar aulas.
Segundo o Ministério, o professor em causa recorreu da sua sentença e por isso, uma vez que a condenação ainda não transitou em julgado, nada obsta à sua colocação.
Claro que isto merece vários comentários, mas quero começar por esclarecer alguns factos e dados que já consegui apurar.
Nem toda a gente pode ser docente de Educação Moral e Religiosa Católica. Para o efeito é necessária uma declaração de concordância dada pela diocese. Ora, eu apurei que a Arquidiocese de Braga não passou essa declaração a Fernando Silvestre para este ano lectivo e mais, essa declaração não foi solicitada, sequer.
Ou seja, se Fernando Silvestre foi colocado pelo Ministério da Educação, não pode ter sido na qualidade de professor de EMRC. Se foi, então essa colocação é ilegal. Contudo, sabemos que Fernando Silvestre era também professor de teatro, e certamente poderá ter qualificações académicas para dar outras cadeiras, pelo que pode ter sido colocado noutra função qualquer.
Esclarecido este ponto, um comentário que faço da minha perspectiva de jornalista que acompanha há muitos anos a questão dos abusos na Igreja. Como é que é possível que um docente sobre quem recaem suspeitas fundamentadas de abuso sexual de menores seja colocado numa escola enquanto decorre o seu processo?
Não é a primeira vez que levanto esta questão.
Julgo ser insuspeito neste assunto, porque nunca deixei de ser crítico da Igreja quando me pareceu que estava a agir com falta de transparência ou quando me pareceu estar a haver encobrimento ou risco de encobrimento. E por isso acho legítimo que neste caso se aponte para a prática na Igreja para mostrar que em termos de regulamento interno e modus operandi ela está anos-luz â frente de outras instituições em Portugal, já que na Igreja sempre que existe uma acusação credível de abusos o padre ou outro agente pastoral é imediatamente suspenso de toda a actividade, ou pelo menos da actividade pastoral de contacto com menores de idade e pessoas vulneráveis. Quando isso não acontece, falamos de encobrimento, e é escândalo.
Ou seja, aquilo que na Igreja é considerado encobrimento e escândalo é, para o Ministério da Educação, prática comum.
Não estamos a falar de um ginásio, ou de um clube desportivo da província. Estamos a falar da entidade que controla e regula todas as escolas públicas do país. Esta é, sem dúvida, a instituição que lida com mais menores de idade em Portugal inteiro. Como é que é possível que não exista um mecanismo que permita remover imediatamente qualquer pessoa sobre quem exista uma suspeita credível de cometer crimes contra crianças? Eu compreendo a importância do direito à presunção de inocência; compreendo que seja preciso mais do que apenas uma denúncia isolada, que poderia ser feita por vingança, por isso é que falo de suspeitas credíveis, e não de qualquer boato malicioso, mas como é que é possível que alguém ache normal sujeitar as nossas crianças a este risco?
O caso do professor Fernando Silvestre não é único. Eu conheço pessoalmente outro caso no qual me envolvi enquanto denunciante. O que é que aconteceu à pessoa em causa? Foi suspensa, depois quando passou o período da suspensão voltou, e eventualmente saiu da escola não porque foi removida ou suspensa novamente, mas porque pediu transferência, e foi-lhe dada! Ou seja, passou-se o problema para outra freguesia. Soa familiar? Pois soa. Mas não foi a Igreja, foi o Ministério da Educação.
Os abusos sexuais sobre crianças são um escândalo e uma vergonha em qualquer parte do mundo, seja quem for que os pratica, ou em que instituição decorrem. A diferença é que enquanto algumas instituições parecem apostadas em limpar a casa, outras nem por isso…
Esta segunda-feira perguntei ao Ministério Público se exista a obrigação interna de comunicar casos ou suspeitas de abuso sexual às autoridades, tal como acontece actualmente na Igreja. Responderam ao final do dia o seguinte: “Nos termos do n.º 1 do Artigo 38.º do Regulamento n.º 189/2013, que aprovou o Regulamento do Procedimento de Inspeção da Inspeção-Geral da Educação e Ciência: ‘São participados às entidades competentes para instaurar os correspondentes procedimentos, nomeadamente ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas, os factos geradores de eventual responsabilidade penal, contraordenacional, disciplinar, financeira e fiscal, apurados no decurso de qualquer ação inspetiva.’”
[Notícia actualizada às 23h com a resposta do Ministério da Educação]