
Actualização: Desde que escrevi este texto consegui apurar que o alegado delito pelo qual D. Carlos Azevedo está a ser investigado não tem directamente a ver com as alegações de assédio de 2010.
Há muito que ainda não se sabe sobre o processo no Vaticano que envolve o bispo português D. Carlos Azevedo, mas algumas coisas sabem-se e sobre outras é possível especular com alguma propriedade.
Em primeiro lugar sabemos que existe um processo. Este é para já o único facto concreto de que podemos ter a certeza absoluta, uma vez que foi confirmado pela Conferência Episcopal Portuguesa. No entanto, a CEP fez questão de dizer que o processo nada tem a ver com ela, uma vez que D. Carlos Azevedo é funcionário da Cúria Romana, e por isso a investigação é da exclusiva jurisdição da Santa Sé.
Onde decorre o processo?
Segundo a Renascença, que cita uma fonte aparentemente bem informada sobre o assunto, o processo decorre num dos três tribunais de última instância do Vaticano. O artigo da Renascença refere o “Supremo Tribunal dependente da Santa Sé”. Ora, não existe nenhum organismo com o nome “supremo tribunal”, pelo que se depreende que as maiúsculas estão mal colocadas e a referência é a um dos três supremos tribunais da Santa Sé: a Rota Romana, a Assinatura Apostólica e a Penitenciária Apostólica.
O problema é que estes são normalmente tribunais de recurso, o que levaria a crer que o processo do bispo português já decorreu em primeira instância e está agora em fase de recurso. Contudo, uma fonte com quem falei, que está por dentro do assunto, mas estava muito limitado no que me podia contar, deu a entender que em certos casos, quando se trata de pessoas com funções na Cúria Romana, o Papa pode pedir que o caso seja julgado num destes tribunais como primeira instância, e que teria sido isso a acontecer agora. Isto aplica-se, segundo a minha fonte, ainda que a acusação envolva delitos de natureza sexual, que normalmente seriam investigados pelo Dicastério para a Doutrina da Fé.
O artigo da Renascença refere a dada altura que se pode “concluir que o eventual ilícito tenha caráter penal, tendo em conta o tribunal que avalia o processo”. Ora, isto permite calcular que se trata então da Assinatura Apostólica, que normalmente trata de casos penais. A Rota Romana tende a tratar mais casos de processos de nulidade de sacramentos e a Penitenciária lida sobretudo com casos envolvendo abusos dos sacramentos.
Segundo a RTP, que foi a primeira a dar a informação, e segundo eu pude confirmar também, o processo teve início ainda durante o pontificado do Papa Francisco, mas possivelmente muito pouco tempo antes da sua morte.
Existem medidas cautelares?
Segundo a Renascença, D. Carlos Azevedo está impedido de participar em, ou presidir a, celebrações religiosas públicas. Esta medida explica porque é que não foi visto em qualquer das celebrações fúnebres do Papa Francisco ou da inauguração do pontificado de Leão XIV.
Contudo, a existência de medidas cautelares é normal em certos processos e não pode ser lido como indício de culpa.
Qual é a acusação?
Neste momento não se sabe nada de certeza. Estes processos decorrem sob segredo de justiça que no Vaticano, ao contrário de Portugal, costuma ser respeitado. Quando a notícia saiu muitos, incluindo eu, partiram do princípio que este processo seria um revisitar das acusações de assédio que surgiram em 2010. Contudo, desde então consegui apurar que não é assim, e que o alegado delito pelo qual D. Carlos está a ser investigado é mais recente. Ao mesmo tempo também apurei que em tempos recentes a Santa Sé falou com pessoas envolvidas nas denúncias de assédio de 2010, pelo que sendo um caso diferente, é natural que também essas denúncias estejam a ser averiguadas de novo.
Sobre a acusação em si não existe confirmação oficial, mas pode-se partir do princípio de que a alegação será grave, tendo em conta a forma como está a decorrer o processo e as medidas cautelares em vigor.
De que caso de assédio estamos a falar?
Em 2010 um padre da Diocese do Porto enviou para a Nunciatura Apostólica uma denúncia, dizendo que tinha sido vítima de assédio sexual por parte de D. Carlos Azevedo nos anos 80. Na altura o padre queixoso, José Nuno Ferreira, era seminarista no Seminário Maior do Porto, e D. Carlos Azevedo era o director espiritual do mesmo seminário. A queixa dizia que outros seminaristas tinham sofrido de assédio também, e que no caso do Padre José Nuno Ferreira a situação se tinha repetido nos anos 90 e depois em 2009. Importa ressalvar que em 2009 D. Carlos Azevedo já era bispo há quatro anos.
Em 2011, ainda antes de esta denúncia ter sido tornada pública, começaram a circular boatos em Lisboa de que D. Carlos Azevedo levava uma vida que colidia com os seus votos de celibato, nomeadamente com outros homens. Nesta altura D. Carlos Azevedo era já bispo auxiliar em Lisboa e os rumores tornaram a sua relação com o Patriarca D. José Policarpo muito tensas, ao ponto de ter sido procurada uma solução para o problema, que passou por transferir o bispo para Roma, para um cargo na Congregação Pontifícia da Cultura, criado especificamente para ele, sob a alçada do Cardeal Gianfranco Ravasi.
D. Carlos Azevedo já se encontrava em Roma a desempenhar essas funções quando, em 2013, pouco depois de Bento XVI ter anunciado a sua resignação, a revista Visão ter publicado um artigo em que referia a queixa feita à nunciatura em 2010. Nesta altura o Núncio, Rino Passigato, admitiu que tinha de facto recebido esta denúncia e que tinha aberto uma investigação. Porém, o porta-voz do Vaticano disse desconhecer qualquer investigação e a verdade é que até hoje nunca se soube de qualquer desfecho, pelo que se presumiu que tinha sido arquivado.
Chegou-se a dizer que a notícia da Visão tinha sido publicada naquele momento para prejudicar as possibilidades de Gianfranco Ravasi ser eleito no conclave de Março que levou à eleição do Papa Francisco.
O crime de assédio enquadra-se no de abuso sexual?
Ora, esta é uma pergunta muito importante e cuja resposta não é evidente, tendo evoluído ao longo dos anos.
Eu lembro-me bem de quando surgiram as primeiras alegações acerca de D. Carlos Azevedo, e a sensação que reinava na altura era de que tudo o que possivelmente se tinha passado era entre homens maiores de idade e que por isso era uma coisa a resolver entre eles, ainda que fosse tudo censurável por envolver um clérigo, não se podia comparar ao terrível crime de abuso de crianças.
Com o passar dos anos, porém, fomos sendo expostos a casos como o de Theodore McCarrick, que cultivava relações com seminaristas, e do padre Rupnik, que é acusado de abusar gravemente de religiosas de quem era director espiritual, e isso levou-nos a todos a compreender que existe nestas situações uma disparidade de autoridade e de poder que deixa a vítima numa situação de especial vulnerabilidade, podendo enquadrar-se por isso no mesmo campo dos abusos de menores ou de pessoas com deficiência.
A confirmarem-se as alegações do padre José Nuno Ferreira, teríamos o caso de um padre a procurar ter contactos de natureza sexual com um seminarista – discrepância de autoridade – com o agravante do padre ter um cargo de director espiritual, o que poderia implicar um abuso desse cargo também, que é um cargo de particular proximidade e intimidade com a pessoa que é dirigida espiritualmente.
Por isso sim, é possível que o crime de assédio – dadas as circunstâncias certas – seja enquadrado no de abuso sexual de menores e pessoas vulneráveis. Por isso, este caso será incluído na cronologia de casos de abusos na Igreja portuguesa que mantenho neste site.
Contudo, e é preciso que isto fique bem claro, não temos a certeza se é disso que está a ser acusado D. Carlos Azevedo neste processo em particular.
Alguma vez vamos saber?
Agora que o caso se tornou público, o mais natural é que sim, que seja conhecido o resultado do processo. Mas no passado o Vaticano tem sido particularmente relutante em divulgar resultados de investigações e processos envolvendo bispos, pelo que só o tempo dirá.
Texto publicado inicialmente no dia 5 de junho, actualizado no dia 12 com novas informações
Apreciei o seu cuidadoso texto.
Lamento se for verdade.Ouvi duas conferências deste Sr.Bispo e gostei bastante. Rezo.
Algumas Reflexões
1 –se se trata do tal caso ocorrido- ?–No Seminário do Porto há mais de 32 anos,claro que teria a ver com a Comissão Episcopal Portuguesa..Há que esclarecer em termos de Direito canonico–o que se entende por ASSÈDIO Sexual…do latim ASSIDERE-S.M.-sítio,,cerco prolongado..Dic Moraes–8ª edição –1890…Na altura o Bispo Torgal e Monsenhor Carreira da Neves ,a SORRIR,,referiram que tinham ouvido falar..Pessoas entenderam que a Diocese do Porto de onde era originario,queriam “queimar” a sua eventual Promoçao a Bispo de Lisboa e daí a Cardeal em vez de D. Manuel Clemente…São insondaveis os DEsignios clericais…
2–Pela sua acção na organização da Visita a Portugal do Papa Bento XVI,é nomeado Bispo auxiliar de Lisboa e pela sua Cultura como Historiador vai para o Vaticano para a área da Cultura e História sob a chefia do Cardeal Ravasi
3–Foi citado que foi ele que falou ao Papa Francisco que tinhamos em Portugal um Padre–Poeta e Escritor em geral..Tolentino de Mendonça que é entao convidado para Prelector dum Retiro de Cardeais no Vaticano a que assistiu o Papa. Passado pouco tempo é nomeado Bispo e logo a Cardeal.. Ravasi aposentou-se e é substituido pelo Cardeal Tolentino e passa a chefiar a Cultura e o Bispo D.Carlos que passa para as Ciencias…
5— a 20 de Abril é lhe instaurado um Processo Disciplinar..Ainda Papa Francisco vivo…Pelo Papa ? Pelo seu Superior Hierarqico –Discastério ?
6–Durante e após a Eleição do Papa Leão XIV–desapareceu de cena o Cardeal Tolentino e apareciam Américo Aguiar-este Bispo de Setubal e chefia da Radio Renascença os Eméritos.António Marto e Manuel Clemente…
7-Para Bem de toda a Igreja e dos Envolvidos, seria òptimo que Rapidamente,se Averiguasse A VERDADE e terminassem as suspeições..