
A RTP emitiu uma reportagem há dias sobre o Pe José Cruz, do Patriarcado de Lisboa, que foi em tempos acusado de abusar sexualmente de um menor.
Há várias coisas surpreendentes sobre o caso do Pe José Cruz.
Em primeiro lugar, sempre me surpreendeu o facto de o seu nome não ter vindo a público em 2022, quando foi publicado o relatório da Comissão Independente. Toda a gente que estava minimamente por dentro deste assunto sabia quem ele era e do que era acusado e o seu nome constava da lista de padres entregue ao Patriarcado pela Comissão, mas curiosamente nenhum órgão de comunicação o referiu. Eu apenas posso presumir que se optou por respeitar o facto de, na altura, segundo se dizia, ele estar internado com uma doença terminal.
Aproveito esta deixa para referir que da minha parte tenho uma política de nunca referir nomes de acusados a não ser que já tenham sido tornados públicos, mas já tinha este caso referido no meu site há vários anos.
A segunda surpresa é o facto de as notícias da morte iminente do Pe José Cruz terem sido manifestamente precoces. Não estou a par de detalhes, mas evidentemente ele recuperou o suficiente para ter recebido alta e para continuar algum tipo de ministério, conforme se vê na reportagem da RTP, embora esta não pareça ser uma nomeação oficial do Patriarcado.
Mas admito que a maior surpresa para mim foi a reacção do Patriarcado às perguntas da RTP, que passo a citar: “Com a sua pergunta, deu-se conta de que na altura não se procedeu à abertura da investigação prévia. O que foi hoje mesmo avançado”.
Uma das regras de ouro da comunicação de crises é controlar a narrativa. É precisamente nesse aspecto que a Igreja tem falhado insistentemente – salvo algumas honrosas excepções – desde o início desta polémica sobre os abusos. Controlar a narrativa passa por tomar a dianteira, ser proactivo e agir ANTES de lhe virem bater à porta e fazer perguntas incómodas, precisamente porque quando só se age depois, parece que se está a agir por obrigação e não por vontade de transparência.
O caso do Pe José Cruz foi denunciado pela alegada vítima há anos. Há anos que o Patriarcado tem na sua posse toda a informação possível para poder tomar uma decisão. Decidiram, até agora, não abrir um processo, primeiro porque a alegada vítima assim pediu, e mais tarde porque o senhor estava hospitalizado.
Este texto não serve para dizer o que o Patriarcado devia ou não devia ter feito, porque eu não tenho a informação que o Patriarcado tem. Este texto serve para dizer que a pior coisa que o Patriarcado podia fazer era reagir às perguntas de um canal de televisão com o equivalente a um “Oops! Distraímo-nos e esquecemo-nos de abrir um processo quando achávamos que ninguém daria por isso. Mas está tudo bem, vamos fazê-lo agora porque vocês perguntaram”.
Se há uma coisa em que tenho insistido desde o início desta crise, é na transparência. Mas se há duas é na transparência e a na urgente necessidade de aprender com os erros dos outros. Por isso custa ver quando nem uma coisa nem outra se fazem.
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