
“Drenem o pântano!” é hoje uma das frases que mais se ouve no discurso político americano. O pântano, evidentemente, é Washington D.C., que está cheio de todo o género de contaminações: políticos esquivos, negócios podres, leis obscuras, buracos financeiros e procedimentos opacos. As pessoas pedem um campeão, um DOGE, para limpar tudo, drenar os pecados políticos e sociais para que o governo possa funcionar bem e a América possa voltar a ser grande.
A “teoria do pântano” parte do princípio que o sistema está partido e que uma reforma correcta corresponde a uma espécie de salvação política. Existe alguma verdade nesta ideia, mas os católicos devem evitar olhar para “o sistema” como o verdadeiro problema, focando antes os indivíduos e os seus pecados. Como o Papa São João Paulo II ensinou em Reconciliatio et paenitentia “tais casos de pecado social resultam da acumulação e concentração de muitos pecados individuais”.
Quando os media falam insistentemente em corrigir “o sistema”, este pode facilmente tonar-se a farpa no olho do vizinho que desvia a atenção da trave que temos no nosso. Porque, como diz ainda São João Paulo, se ocorrerem algumas reformas estruturais e institucionais, estas serão sempre de “curta duração, e no final de contas vãs e inefectivas, para não dizer contraproducentes, se as pessoas directa ou indirectamente responsáveis por essa situação não se converterem”.
A Quaresma obriga-nos a retirar-nos desse entusiasmo, das estruturas, para nos focarmos novamente em Deus, para podermos por fim retirar a tal trave que cada um de nós tem no olho. A Quaresma desafia-nos a drenar o pântano que a concupiscência gera dentro de nós, para que as nossas vidas não fiquem submersas em pecado, egoísmo e ego.
Esse pântano interior condicionado pela concupiscência – esse desejo desordenado pelo pecado que pesa sobre todos os filhos de Adão – é verdadeiro, e é a fonte de muito do mal que existe em nós, em Washington e mais além. Descontrolado, o avanço lento e por vezes imperceptível do pântano pode ultrapassar-nos e enfraquecer a nossa vontade de resistir a pecados ainda maiores. Foi o que aconteceu ao Rei David, que ignorou o dever de liderar o seu exército para a batalha para poder ficar em casa, no sofá (2 Sam 11,1-2). A sua preguiça tornou-se ocasião de luxúria, que depois conduziu ao adultério e por fim a uma conspiração homicida.
A Quaresma fornece três ferramentas – jejum, oração e esmola – que nos ajudam a drenar o pântano da concupiscência que temos dentro de nós. Cada uma contraria uma das três principais manifestações da concupiscência: sensualidade, orgulho e vaidade. O arrependimento, isto é a tristeza pelos pecados, é a ordem executiva emitida ao nível federal (a Igreja) e ao nível local (o indivíduo) que põe tudo isso em marcha.
“A disciplina do jejum”, escreve Adalbert de Vogüé, O.S.B,. no seu acutilante livro To Love Fasting, “é o primeiro passo do homem na busca pela perfeição”. O jejum tem um “aspecto aflitivo” que serve de “castigo pelos pecados”. E é também uma “prática libertadora” que “deve ser encarada como a supressão de excessos inúteis e pesarosos”.

A abstinência da comida e de outros tipos de excessos, liberta-nos destas preocupações mundanas. Cada dor de fome ou instinto para com os bens de que abdicámos deve ser redireccionado para Deus com uma oração consciente: “Senhor, estou arrependido dos meus pecados, pelos quais mereço estas dores. Dá-me a graça de desejar-te mais do que a estas coisas perecíveis”.
Adalbert de Vogüé acrescenta que o domínio dos nossos apetites através do jejum “permite um domínio maior de outras manifestações da libido e de agressividade. É como se o homem que jejua fosse mais ele mesmo, na posse da sua verdadeira identidade, e menos dependente de objectos exteriores e dos impulsos que nele geram”. A libido e a agressividade descontroladas criaram condições pantanosas em muitas almas – e muito frequentemente também em Washington.
O jejum também contribui para a segunda ferramenta da Quaresma, a oração. Na Bíblia “são os jejuns que obtêm a maior intensidade e eficácia na oração”, ensina Vogüé. A oração autêntica trava o orgulha, na medida em que nós, criaturas, nos submetemos ao nosso Criador, suplicamos o seu perdão e pedimos que Ele aumente em nós e diminua os nossos egos. A intensificação das devoções quaresmais – missa diária, vias sacras, misericórdia divina, terço, confissão – ajudam a drenar algum do orgulho dos nossos pântanos.
A terceira ferramenta da Quaresma, a esmola, combate a nossa vaidade – outro vício que sobra tanto em nós como em Washington – direcionando o nosso amor para longe de nós e para os outros. O autor de To Love Fasting liga a intensidade da esmola ao jejum: as duas “estão unidas por uma verdadeira relação de causa e efeito: o jejum exige e torna possível a generosidade para com o outro”. Cada acto generoso, por mais pequeno que seja, eleva-nos do pântano e coloca-nos no monte do Senhor.
“No coração de cada situação de pecado”, continua São João Paulo II, “estão sempre pessoas pecaminosas”. Em pleno tempo quaresmal, apelos a “Drenar o pântano!” não devem levar-nos a olhar para o exterior, para um programa político que, se formos honestos, em nada impacta a nossa vida.
Se estamos mesmo à procura de uma reforma política, então primeiro é necessário que não só cada católico, mas cada cidadão, se reforme de acordo com o programa da Igreja para a Qauresma. Podemos até substituir o slogan de “Drenar o pântano!” com o apelo do profeta Joel: “Tocai a trombeta em Sião: publicai o jejum, convocai a assembleia, reuni o povo; santificai a assembleia” (Joel 2, 15-16).
Joel vem trazer a mensagem do Senhor: “voltai a mim de todo o vosso coração, com jejuns, lágrimas e gemidos de luto. Rasgai vossos corações e não as vossas vestes.” (2,12-13)
O acolhimento – e a vivência – desta mensagem é que nos tornarão verdadeiramente grandes de novo.
David G. Bonagura, Jr. leciona no Seminário de São José, em Nova Iorque. É autor de Steadfast in Faith: Catholicism and the Challenges of Secularism, que será lançado no próximo inverno pela Cluny Media.
(Publicado pela primeira vez no sábado, 15 de Março de 2025 no The Catholic Thing)
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