
Não é novidade nenhuma que a prática cristã e o estudo das humanidades estão em declínio há décadas. Raramente, porém, pensamos que esses declínios se encontram ligados. Não é que um tenha causado o colapso do outro, antes, ambos estão a sofrer porque o espírito do tempo em que vivemos despreza o objectivo que ambos partilham, isto é, a formação da mente humana e da alma para os bens transcendentes. A observação do seu colapso ilumina as suas virtudes e a mundanidade paralisante que os ofusca enquanto luzeiros no nosso caminho para Deus.
Normalmente culpamos a tecnologia por manter as pessoas em casa coladas a ecrãs em vez de irem à missa ou lerem livros. E é verdade que o imediatismo do entretenimento dos smartphones suga a alma da sua vontade de ir em busca do Deus invisível e de ler, pensar e imaginar. Mas a verdade é que as igrejas já estavam a ficar vazias, e os alunos das artes liberais a desaparecer, antes da aurora da internet. A tecnologia ilimitada apenas tem aprofundado e acelerado a tendência que já existia.
E essa tendência é o utilitarismo, isto é, a crença de que apenas as coisas e ideias com aplicações práticas no “mundo real” têm valor. O Cristianismo, com a sua orientação sobrenatural, não tem qualquer sentido nesta perspectiva. Nem as humanidades, com o seu enfoque na poesia, história e literatura, que distraem do dinheiro, conforto e prestígio. O utilitarismo apresenta uma visão truncada da humanidade, medindo o valor apenas com base no que se produz materialmente. Logo, não compreende a religião e as humanidades, como fica patente pela pergunta que todos os alunos de artes liberais precisam de enfrentar a dada altura: “Mas o que é que vais fazer com esse curso?”
O utilitarismo e a sua antropologia materialista têm ainda uma raiz mais profunda: seres humanos que vivem sem fé num mundo transcendente e sobrenatural que valha mais do que o mundo natural. Para Platão, era no mundo transcendente que se encontrava a verdade. Para os cristãos, o mundo transcendente é a morada de Deus, para a qual devemos orientar tudo quanto fazemos. Ao longo da sua existência, a Igreja tem defendido as humanidades porque, nas suas diversas formas, elas buscam a verdade e Deus é verdade.
A perda da fé corrompe, naturalmente, a nossa compreensão dos seres humanos e do nosso propósito. Se somos apenas acidentes da evolução e não criação especial de Deus, não é qualquer mistério que as artes liberais estejam em apuros. Como podemos ter as humanidades quando perdemos de vista o propósito da humanidade? Os juízes do Supremo Tribunal dos Estados Unidos, seja quando manifestam a opinião de que cada pessoa pode declarar o sentido da sua própria existência, ou quando se mostram incapazes de definir o que é uma mulher, são arautos de uma cultura que adoeceu por se ter separado da sua fundação divina.
O utilitarismo torna-se assim um refúgio fácil. Se estivermos suficientemente ocupados e formos suficientemente produtivos, podemos escudar-nos do peso daquelas questões eternas sobre o sentido e o propósito, sobre o que acontece depois da morte. A sempre-presente tecnologia preenche qualquer potencial vazio com algo “útil”: ver as notícias, ver vídeos, fazer “likes” nas redes sociais.

Em vez de nos oferecer um caminho para o transcendente, os líderes religiosos e das humanidades procuraram demasiadas vezes transformar esses mesmos dons em ferramentas utilitaristas. As liturgias que vão buscar truques e esquemas para tornar o culto mais “relevante”, e os cursos académicos que transformam as artes liberais em planos de acção política estão a colocar a ordem natural acima do sobrenatural. Só o que tem importância contemporânea e prática é que é verdade, o resto é inútil.
A prática religiosa cristã e o estudo das artes liberais continuarão a colapsar enquanto esta ética utilitária e sem fé moldar o nosso mundo. A Igreja e a liturgia de hoje não têm qualquer sentido para muitas pessoas, sobretudo para pais da geração “millenial” e “Z” que, semana após semana, mostram que acreditam que os desportos dos seus filhos e as festas de anos são mais importantes do que prestar culto a Deus ou ler um livro.
O inverso não é muito surpreendente. Muitos que dão total prioridade a Deus sob as questões mundanas também abraçaram as humanidades como caminhos para o divino e para a compreensão da sua criação. “A glória de Deus é o homem vivo”, escreveu Santo Irineu. Em todo o mundo ocidental os programas das humanidades raramente têm sucesso nas universidades ou nas escolas estatais, mas apenas em instituições com uma fé robusta em Deus ou um compromisso com a moral cristã. Estas instituições estão a formar alunos para quem a fé molda cada faceta das suas vidas. Se a religião e as humanidades estão juntas no colapso, podem também estar juntas na ascensão.
A história do Ocidente tem lições para os crentes que tendem para o desespero nesta era sem fé. Os períodos de renascimento espiritual e cultural ocorreram sempre em locais onde a fé e as humanidades ascenderam em conjunto – na Igreja do Século IV, no Renascimento Carolíngio, na Alta Idade Média, na Contrarreforma Católica, na construção do Catolicismo americano – ultrapassando assim uma era de trevas, fechada à fé e à aprendizagem.
Estamos agora a viver uma dessas eras de trevas, cujos bárbaros estão munidos não de paus e escudos, mas de computadores e folhas de cálculo. A nossa era utilitária acabará por sucumbir, porque nem só de pão vive o homem. Não sabemos prever quando isso será, ou o que o substituirá. Mas com a história para nos guiar, é uma aposta segura que quando a fé voltar no Ocidente, virá acompanhada das humanidades.
“A fé e a razão são como duas asas pelas quais o espírito humano ascende à contemplação da verdade”, escreveu o Papa São João Paulo II no início da sua encíclica Fides et Ratio. O tesouro das humanidades está num campo, à espera de ser redescoberto. Não é grande coincidência que este tesouro se encontre enterrado no mesmo campo que a pérola de grande valor.
David G. Bonagura, Jr. leciona no Seminário de São José, em Nova Iorque. É autor de Steadfast in Faith: Catholicism and the Challenges of Secularism, que será lançado no próximo inverno pela Cluny Media.
(Publicado pela primeira vez no sábado, 21 de Junho de 2025 no The Catholic Thing)
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