
Há uma música pop encantadora dos anos 90 chamada “One of us?”. O refrão diz:
What if God was one of us [E se Deus fosse um de nós]
Just a slob like one of us [Apenas um labrego, como um de nós]
Just a stranger on the bus [Apenas um estranho no autocarro]
Tryin’ to make His way home? [A tentar chegar a casa]
Back up to Heaven all alone [De volta para o Céu, sozinho]
Nobody callin’ on the phone [Sem ninguém que lhe telefonasse]
‘Cept for the Pope, maybe in Rome. [Excepto talvez o Papa, em Roma]
Claro que nos próximos dias teremos de abandonar essa última linha, porque o Papa não está a ligar pelo telefone, mas sim a bater à porta.
Seja como for, e independentemente de se gostar da música, ou mesmo lembrar-se dela, a questão que coloca vale a pena ser considerada. Como esperaríamos que fosse um Deus encarnado? O que esperaríamos que Ele fizesse?
O sentimento expresso na música parece ser partilhado por muitos. “Porque é que Deus é sempre tão silencioso? Tão distante? Porque é que Deus não vem simplesmente ter connosco, para falar comigo? Como uma pessoa normal?” É um pensamento bonito, até. Talvez um pouco idealista, ou até mesmo ingénuo, mas não deixa de ser bonito.
Mas eis o problema. Se Deus aparecesse como “um tipo normal” e dissesse: “Olá, estou aqui, disseste que querias conversar”, como é que reagiria? A sua primeira reacção não seria algo como: “Tu não és Deus. Não podes ser Deus. És apenas um tipo normal! Estás a andar no chão, suas ao sol, não és de uma brancura deslumbrante, até estás com um ar bastante maltrapilho”.
“Bom, disseste que querias falar comigo como se fosse um tipo normal, por isso aqui estou, como um tipo normal.”
“Mas como é que posso ter a certeza que és Deus?”, perguntaria, “e não um tipo qualquer a fingir que é Deus? Porque eu quero falar como Deus verdadeiro, e não com um maluco qualquer que pensa que é Deus.”
“Tudo bem”, responderia Deus. “O que é que preciso de fazer então?”
“Que tal uns milagres?”
“Que tipo de milagre seria convincente para ti?”, pergunta Deus.
“Podias fulminar umas pessoas com um raio”, dizia.
“Mas isso não mostraria que sou o Deus justo, de amor, do Antigo e Novo Testamento. Apenas mostraria que sou como uma divindade subordinada, como Zeus ou Apolo.”
“Certo, tens razão”, responderia você. “Então que tal fazer um grande vulcão ou um terramoto aqui mesmo?”
“Então queres que eu mate ainda mais pessoas?”, diz Deus. “Que destrua incontáveis casas? Que perturbe o delicado equilíbrio da natureza? Isso mostraria que sou ‘Deus’ ou apenas uma divindade muito poderosa, mas cruel?”
“E se levitasses?”, pergunta.
“Não viste ilusionistas a fazer o mesmo?”, pergunta Deus. “Afinal queres saber se eu sou Deus, o Criador de Todas as Coisas, ou se sou um super-herói da Marvel?”
Está a ver o problema? O que é que um Deus encarnado poderia fazer ou dizer para provar que é, de facto, Deus, e não apenas uma pessoa qualquer a fingir ser Deus? Por mais que diga que quer que Ele seja “um tipo normal”, o facto de ser um “tipo normal” torna difícil, se não mesmo impossível, acreditar que Ele é Deus. E se ele fizer certas coisas “divinas” como fulminar pessoas ou exibir os seus poderes, isso apenas provaria que não é o Deus de amor do Cristianismo, mas sim um demónio. Portanto não há aqui grande saída.
“Já sei”, diz você. “E se conquistasses a morte?”
“Só para ti, ou para toda a gente?”, pergunta Deus.
Por esta altura você já percebeu que se disser “só para mim” e Ele alinhar, isto mostraria que é uma divindade cruel, que está a tentá-lo, e não o Deus de toda a Bondade, e que se for o Deus de toda a Bondade, talvez não fique muito contente com a sua preferência, responde antes: “Para toda a gente”.
“Queres que eu mantenha toda a gente viva, para toda a eternidade, a envelhecer eternamente, sem mais crianças, para que o mundo não fique cheio?”
De repente, a ideia da imortalidade não soa tão bem como pensava, por isso pergunta: “Não existe outra forma?”
“Sim”, diz Deus, “mas é preciso ir para além da morte, para uma vida nova.”
“Isso parece-me bem”, diz você. “Como seria esta vida nova e diferente? Continuaria a haver pastéis de Belém, caipirinhas e cachorrinhos?”
“Nada do que é bom neste mundo poderia faltar ao próximo, uma vez que estarias unido à fonte da Bondade e de tudo o que é bom.”
“Ah, isso é bom de facto. Literalmente”, responde. “Então como é que nos podes mostrar que conquistastes a morte por nós?”
“Bom”, diz Deus. “Para o mostrar teria de morrer e depois ressuscitar dos mortos, para tornar possível a vossa entrada nesta vida nova.”
“Calma aí!”, interpõe. “Se tu morreres voltamos ao problema original. As pessoas não saberiam que és Deus. Os deuses não morrem. Ias parecer apenas um tipo qualquer que morreu.”
“Tens alguma ideia melhor sobre como eu poderia mostrar às pessoas que as amo de tal forma que estou disposto a morrer por elas, e que posso ajudá-las a ultrapassar o pecado e a morte, mas que terão de ‘morrer para si mesmas’ e para o egoísmo, e dar-se altruisticamente aos outros, mesmo quando confrontados com a ameaça do sofrimento e da morte? Porque fulminar pessoas, ou causar terramotos, ou voar por aí com lasers a sair dos olhos não vai mostrar aquilo que eu quero mostrar-vos.”
“Bom, sim, não tenho resposta para isso”, diz. “O que é bastante frustrante, porque eu pensava que sabia o que queria, mas agora estou só confuso. Por isso olha, já que és Deus, e sabes tudo, e tal, talvez mais valha então avançar com a ideia de morrer e ressuscitar dos mortos.”
Eu não sou propriamente a última Coca-Cola do deserto, mas imagino que seja essa a conclusão a que eu teria de chegar se Deus me perguntasse a mim.
Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na quarta-feira, 30 de Abril de 2025)
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