
Quando soube que o Presidente Trump tinha proibido os emails do Governo de incluir a lista de pronomes escolhidos pelo remetente, pensei imediatamente em… Descartes.
Não temos bem a noção do quanto René Descartes deformou o pensamento moderno no Ocidente.
Este ano marca o oitavo centenário do nascimento de São Tomás de Aquino. Há cinquenta anos o teólogo americano Germain Grisez deu uma palestra marcante numa conferência tomista em que argumentou que grande parte do dualismo por detrás da ética sexual que na altura predominava (promovida por nomes como Charles Curran, Richard McCormick, Anthony Kosnik e Phil Keane) radicava no dualismo cartesiano.
Vai tudo dar ao mesmo: a “pessoa” é reduzida à consciência, com o corpo a tornar-se uma mera ferramenta, ou apêndice sub-pessoal ligada à “pessoa” (mente) para ser usado como entender. Partindo deste dualismo, os revisionistas acusam a ética sexual católica de ser “fisicalista” quando na verdade foram os revisionistas que despersonalizaram o significado do pessoal, o corpo humano, deixando apenas o físico.
Se a “pessoa” é essencialmente mente, então os corpos podem ser “errados”. São apenas ferramentas, e se por vezes precisamos de uma chave de parafusos normal, outras precisamos de uma Phillips. Basta ajustar às “necessidades”.
Descartes acabou assim por se tornar a fundação dualista das normas e da bioética da sexualidade moderna. Graças à sua depreciação do corpo e dos sentidos, a fertilidade deixou de ser um bem humano a amar, e tornou-se apenas um fenómeno: bom, mau, ou neutro, dependendo da utilidade no momento.
E quando por alguma razão a consciência é prejudicada, deixa de haver qualquer sentido moral em manter vivo o corpo sub-pessoal. O doente em coma, ou profundamente deficiente, mas que não está a morrer, torna-se, através de uma perversa alquimia, um “vegetal”.
E os vegetais que se estragam são deitados fora.
Mas olhando para o recente decreto do Presidente Trump sobre os pronomes, concluí que as ideias de Descartes tinham tido uma segunda volta.
Como assim?
Dar mão livre às fantasias da “transsexualidade” sempre requereu um certo grau de descrença, sobretudo daquilo que nos dizem os sentidos. Olhando para o professor com peito tamanho 38EEE, voz de barítono e penugem na cara era-nos dito – sob pena de ostracismo social, uma investigação por “discriminação” no local de trabalho e/ou violência – que o devíamos tratá-lo por “ela”.
Num sentido muito verdadeiro, as raízes dessa suspensão da descrença encontram-se na dúvida sistemática cartesiana. No final de contas, Descartes não nos dá um mundo objectivo lá fora que depois percepcionamos, mas sim um mundo subjectivo, construído nas nossas mentes, e projectado sobre o mundo “lá fora”. O que surge primeiro, o mundo ou a mente? Para Descartes é a mente.
Os críticos de Descartes perguntam, obviamente, porque é que, então, quase todas as pessoas acabavam por ter a mesma percepção do mundo “lá fora”, se ele é construído dentro de mentes individuais? Em resposta, Descartes criou a ideia de um “enganador” que coordena a vasta maioria das percepções.

Józef Tischner observa que Descartes é muito fraco no que toca à ética, e que a questão do “enganador” cartesiano é fundamentalmente uma questão ética. Porque razão é que o “enganador” se daria a todo esse trabalho para construir em tantas pessoas, ao longo de tanto tempo, uma percepção comum do mundo?
Se é de facto um engano, porquê? Cui bono? Qual seria a motivação para um estratagema global assim? Descartes nunca fornece uma resposta satisfatória, e não existem razões de fé para alinhar na sua filosofia do “conhecimento”.
Se a abordagem básica de uma pessoa àquilo que os seus sentidos lhe dizem é de os considerar falsos e merecedores de dúvida, então a realidade – edificada na mente – requer essa mesma mente para lhe dizer o que é verdade. Se isso é verdade, então temos
a fundação perfeita para a ideologia do género. Não acredites no que vês, eu sou uma mulher porque cogito ergo sum.
Na mesma semana em que J.D. Vance introduziu o conceito de ordo amoris no debate político, Donald Trump puxou de um trunfo a favor do realismo tomístico. Não, não vamos mais fingir. Sim, vamos reagir ao que nos dizem os sentidos, a biologia e os
nossos cromossomas.
Vamos seguir essa ciência. Logo, existem homens e existem mulheres, nada mais, e os homens não podem tornar-se mulheres, nem as mulheres se podem tornar homens.
A maioria dos americanos não olharia para a filosofia para explicar aquilo a que chamariam “senso comum” – só que a filosofia é inescapável e o “senso comum” é quase sempre realismo tomístico. Nesse sentido, a grande componente católica desta
administração vai contribuir em certa medida para a reconstrução da cultura americana.
Uma última ideia. No “Conto de Natal” de Dickens, o fantasma de Jacob Marley confronta Ebeneezer Scrooge, perguntando: “não acreditas em mim, pois não?” Scrooge diz que não. Quando lhe pergunta porque duvida dos sentidos, Scrooge responde que
esses o podem enganar, ao que recebe nova pergunta: “que provas poderias querer de mim que não as dos sentidos?”
Scrooge fica então sem resposta, por isso reverte para frases feitas, chamando a Marley “uma nódoa de mostarda” (o que sempre é melhor do que um “aglomerado de células”).
Vendo que a razão não os está a levar a lado nenhum, Marley captura a sua atenção de forma bem fantasmagórica, pregando-lhe um susto dos diabos, ao abanar as correntes.
Agora a atenção do seu interlocutor está devidamente focada no objecto da sua percepção sensorial, e Marley pode então passar à questão ética: a reclamação de Scrooge.
O nosso mundo é anti-Marley porque é pró-Descartes. Nega o que vê diante dos olhos em nome de uma realidade construída na mente. Enquanto existir alguma coerência entre as duas, a coisa aguenta. Mas se as separarmos o suficiente, o centro cede.
Na arena da sexualidade, isso leva a consequências desastrosas. Se a percepção dos sentidos não conta, então as mulheres não podem queixar-se da “menina com pilinha” no vestiário. O atentado ao puder deixa de estar nos olhos de quem vê, passando para a mente de quem se exibe.
Se o elemento “trans” da ideologia de género parece estar a colapsar (mas atenção, que não se irá sem dar luta) é porque o centro está a ceder. O Presidente Trump está a fazer-nos um favor ao dar-lhe um empurrão.
John Grondelski (Ph.D., Fordham) foi reitor da Faculdade de Teologia da Seton Hall University, South Orange, New Jersey. As opiniões expressas neste texto são apenas suas.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing no sábado, 8 de Fevereiro de 2025)
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