
A experiência sugere, e vários estudos demonstram, que no que diz respeito à ética, as pessoas não se comportam como pensam que se comportariam. É muito mais fácil imaginar que somos justos e heroicos do que sermos justos e heroicos. Mas às vezes o problema não está no nosso carácter, mas na forma deturpada como vemos as coisas.
No seu grande livro “Virtudes Fundamentais”, Josef Pieper começa o capítulo sobre prudência com a seguinte passagem do Evangelho de Mateus, 6,22-23: “A candeia do corpo são os olhos; de sorte que, se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo terá luz; Se, porém, os teus olhos forem maus, o teu corpo será tenebroso. Se, portanto, a luz que em ti há são trevas, quão grandes serão tais trevas!”
A questão crucial é, portanto, de identificar a forma como nos tornamos cegos para a dimensão moral dos nossos actos e entramos nessas trevas. Frequentemente, tudo depende de como a questão é colocada.
Por exemplo, podemos estar focados no acto. Mas mais tarde vamos ter de enfrentar as possíveis consequências. Ou então, podemos fazer uma análise “custo-benefício” (na ética chama-se a isto “consequencialismo”, “utilitarismo” ou “proporcionalismo”). Sim, eu achava que seria errado fazer experiências com células estaminais de fetos abortados, mas, e se conseguíssemos curar o Alzheimer? Vemos como a balança moral começa a pender para o lado favorável. O pensamento consequencialista pode fazer desvanecer a imoralidade do acto.
Os problemas deste género demonstram a sabedoria de São Tomás de Aquino, que nos convida a considerar não apenas as consequências do acto, nem só as boas intenções com que achamos que estamos a agir – algo sobre o qual é muito fácil enganarmo-nos a nós mesmos – mas também o objecto moral do acto, isto é, aquilo que estamos de facto a fazer.
Mesmo aqui, contudo, é fácil iludirmo-nos. Uma forma comum de o fazer é a criação de categorias de actos “não-morais”. O recém-nomeado presidente de uma empresa corta empregos, deixando milhares de pessoas sem trabalho, com grande prejuízo para as suas famílias, e justifica-se, dizendo: “Foi uma decisão puramente empresarial”. Mas as “decisões empresariais” são necessariamente decisões morais que envolvem pessoas. Iludimo-nos quando não reconhecemos este facto.
Até podem existir decisões sem grande peso moral, como escolher entre chocolate ou baunilha – embora mesmo aqui pode haver uma dimensão moral se o chocolate não chegar para todos – mas mais vale partir do princípio que todas as decisões são decisões morais e que cada decisão ou é moralmente boa ou não é. E mais vale ainda garantir que estamos a considerar as pessoas, e não apenas as instituições ou as ideologias. Não queremos dar por nós a dizer coisas como: “Sim, muitas pessoas vão morrer, mas estamos a estabelecer a utopia do estado proletário comunista”.
Mas para que não me acusem de estar a escudar a minha própria instituição e ideologia das críticas que estou disposto a fazer de outras – os académicos com telhados de vidro adoram lançar pedras – deixem-me propor um exemplo mais próximo da minha realidade.

Digamos que a universidade precisa de mais dinheiro. (As universidades precisam sempre de mais dinheiro.) E digamos ainda que a forma como obtém mais dinheiro é admitindo alunos que não estão preparados para trabalho de nível universitário: que não conseguem ler prosa séria, escrever uma frase coerente ou fazer matemática simples. Muitos dos alunos acabarão por chumbar, mas ainda conseguiremos sugar-lhes um ou talvez dois anos de propinas. Ou então podemos deixá-los passar, conseguindo ainda mais anos de propinas, e assim licenciar alunos que pagaram muito dinheiro, mas continuam sem saber ler, escrever, ou fazer contas básicas.
Agora, digamos que um grupo de docentes vai ter com o reitor e diz: “Estamos a admitir estudantes incapazes de fazer trabalho de nível universitário, e eles estão a chumbar, por isso temos de resolver o problema. Há duas soluções: Uma é deixar de admitir estes alunos. A outra é contratar tutores que dediquem as horas necessárias para fazer o tipo de acompanhamento reparador de que os miúdos precisam para terem sucesso, e obrigá-los a participar.
Mas isso custa dinheiro, e o objectivo disto tudo é conseguir mais dinheiro. Portanto imaginemos que o reitor responde, dizendo: “Se deixarmos de admitir estes miúdos, este é o número de docentes que vou ter de cortar”. Estaremos aqui perante uma mera “decisão empresarial”?
A resposta do reitor sugere que todo este arranjo tem a ver apenas com dinheiro, e não com os alunos e a sua educação. Embora o reitor se tenha iludido em relação à questão central, imaginando que as suas boas intenções de “dar uma oportunidade a estes miúdos” vão resolver o problema, isso não é assim. Não é possível compensar doze anos de educação medíocre em apenas um semestre. É como pedir a um treinador que pegue em miúdos que mal sabem patinar e tê-los prontos numa questão de semanas para jogarem hóquei nos Jogos Olímpicos. Só acontece nos filmes.
Na realidade, o que este reitor está a fazer é o equivalente a viciar a instituição em heroína. O rendimento das propinas está indevidamente inflacionado pela admissão de alunos que provavelmente vão falhar, e o reitor não está disposto a fazer o que é necessário para os ajudar a ter sucesso. Estão a ser tratados como vacas leiteiras, não como alunos com necessidades particulares que devem ser resolvidas.
Claro que é imoral, mas toda a gente está contente. Os alunos entram na universidade, por isso ficam satisfeitos. Os pais ficam satisfeitos (até que as notas e as contas começam a chegar). E os administradores ficam satisfeitos com o rendimento. Muitos docentes vêem o problema, mas não têm a autoridade para a resolver. Só o levantar da questão levará à condenação de todos os lados: “Não estás a ajudar!”.
Parece, então, que o melhor caminho é de continuar a iludir-nos como se o problema não existisse, exactamente como fazem as pessoas que trabalham para aquelas empresas “más” e “gananciosas”. Mas o que teríamos de dizer a nós mesmos se víssemos isto antes como uma questão moral sobre pessoas individuais, em vez de uma decisão administrativa ou empresarial sobre uma instituição?
Mais vale manter os olhos abertos e as prioridades em ordem. Ajuda a manter o corpo e a alma saudáveis.
Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na terça-feira, 7 de Janeiro de 2025)
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