
Não podia ser mais apropriado começarmos o Advento mergulhados em escuridão, tanto física como metafórica. Estamos num período do ano sombrio. Anoitece cedo, e o ambiente está enublado e húmido. Sombrio é a mesmo a palavra certa, descrevendo desalento e falta de esperança, um sentimento que se aproxima do desespero.
E há muito para nos deixar sombrios neste momento, não menos o terrível voto na Câmara dos Comuns, na sexta-feira, que permite a eutanásia daqueles que são considerados como não sendo dignos de viver. Embora este crime contra o quinto mandamento já seja permitido há anos noutros países ex-cristãos, como o Canadá ou a Holanda, com consequências terríveis que nos garantiram não serem possíveis quando as leis foram introduzidas, o facto de o Reino Unido ainda ter os vestígios exteriores de um país cristão torna este momento ainda mais sombrio: agora é um pais diferente, com leis e um governo pós-cristãos.
A pretensa, a falsidade, de uma Igreja nacional, de um monarca cristão e da parafernália de um Cristianismo de Estado deve ser denunciada como aquilo que é: uma ilusão, uma fantasia, um palco que esconde o vazio. Se o Rei assinar esta legislação – o que fará, tal como se legalizou o aborto em 1967 – então o processo iniciado por Henrique VIII, ao declarar-se Chefe Supremo da Igreja de Inglaterra, terá alcançado a dissolução final, feia e fétida.
Talvez eu esteja a exagerar. Existem salvaguardas, dirão alguns. Não haverá qualquer rampa deslizante, ninguém será coagido, e o Estado não permitirá que ninguém morra. Em todo o lado onde a eutanásia, isto é, o suicídio sancionado pelo Estado, tem sido permitida, as salvaguardas têm deslizado. Na Holanda, crianças a partir dos 12 anos podem ser eutanasiadas.
Enquanto cristãos, não podemos viver na ilusão. Não podemos voltar ao dia-a-dia normal, encolhendo os ombros, na esperança de que esta escuridão que aperta não se abata sobre nós. E se for um médico, ou enfermeira, ou outro tipo de profissional de saúde, e seja esperado que colabore com isto? E se ficar doente, ou incapacitado, e os seus parentes decidirem que chegou o seu momento? Não acontecerá, dizem-nos. Mas aconteceu uma coisa terrível. Quando precisamos do rugido dos bispos, quais leões, tudo o que temos são miares de gato.
Quem falará, quem agirá, quem testemunhará? Só podemos ser nós. Homens e mulheres individuais, de fé, que não participam no mal. O teólogo protestante Stanley Hauerwas escreveu umas palavras simples e que nos podem servir de plano de acção. “Digo que dentro de 100 anos, se os cristãos forem conhecidos como um estranho grupo de pessoas que não matam os seus filhos e não matam os seus velhos, teremos alcançado um grande feito.”
Talvez o mais antigo documento cristão – para além dos Evangelhos – seja o Didaquê, escrito durante o primeiro século, que diz que há certas coisas que os cristãos nunca fazem, incluindo matar as suas crianças no ventre e à nascença, e profanar o leito do casamento de outro.
Na sociedade pagã da altura, isto era contracorrente. Os cristãos eram diferentes. Agora devemos acrescentar, no Século XXI, que há outra coisa que os cristãos nunca fazem: matar, ou permitir que se mate, os velhos, os doentes e os vulneráveis. Devemos mesmo tornar-nos esse “povo estranho”, e na estranheza atrairemos muitos para a luz.

Noutro tempo de trevas, quando o Estado nazi não só sancionava o assassinato daqueles considerados “indignos de vida”, chamando-o um acto de misericórdia, mas matou activamente quase um quarto de milhão de pessoas através do seu programa de eutanásia, houve quem na Igreja falasse, sem medo. Não eram ratos, mas homens.
O bispo, agora beato, Clemens von Galen, de Munster, arriscou a própria vida pregando com força e paixão contra as leis de eutanásia nazis. Tão poderosa foi a sua pregação e o seu ensinamento, que se tornou conhecido como o “Leão de Munster”.
Outro líder corajoso foi o Pe Alfred Delp, S.J., que foi executado pelos nazis em 1945. As suas cartas e meditações da prisão são particularmente pertinentes agora que começamos o Advento, pensando, talvez, como podemos acender as velas da coroa de Advento e ser pessoas de esperança no meio de tanta escuridão.
O Pe Delp escreveu sobre o Advento durante o tempo sombrio do regime demoníaco nazi, mas as luzes do Advento são possíveis por causa da nossa “certeza quanto à vida e a fé”. Ele não negou a sombra, nem fingiu que esta não existia. A esperança é uma virtude cristã, mas o optimismo não. Porém, disse, “toda a sombra deve ser atravessada e suportada”, e “precisamente por essa razão as luzes do Advento devem brilhar de dentro de nós, enquanto nos deixamos conduzir para a realização de que o homem não está sujeito à lei da prisão, da escravatura e das ameaças”.
Na liturgia do Ordinariato para ex-anglicanos, na oração colecta para o Primeiro Domingo do Advento, rezamos que chegou o tempo de “dissipar as obras das trevas, e vestir a armadura da luz”. As obras das trevas abundam, e a batalhe exige uma armadura forte, mas o Natal que esperamos e para o qual nos preparamos com expectativa e esperança diz-nos que a sombra não é a resposta final. A escuridão será dissipada e a luz que brilha na escuridão é a luz que não pode ser vencida, devido à “nossa certeza quanto à vida e a fé”.
Benedict Kiely é padre do Ordinariato de Nossa Senhora de Walsingham e fundador da Nasarean.org, que presta auxílio a cristãos perseguidos.
(Publicado pela primeira vez na segunda-feira, 2 de Dezembro de 2024 em The Catholic Thing)