
Antes de o Cristianismo ter entrado em cena, os pagãos da Grécia e da Roma antigas não consideravam as crianças totalmente humanas, ao nível de adultos. Aliás, pode-se até argumentar que foi o Cristianismo que introduziu o conceito de criança como existe hoje, em que atribuímos às crianças uma preocupação maior do que aos adultos, dada a sua vulnerabilidade. Este foi verdadeiramente um conceito revolucionário.
Esta visão vem directamente dos mandamentos de Cristo, cujas opiniões fortes eram também extremamente contracultura. Quando os discípulos tentaram impedir as crianças de interagir com Jesus ele repreendeu-os severamente, dizendo que o Reino de Deus pertence às criancinhas. Na verdade, Nosso Senhor vira ao contrário a prioridade entre adultos e crianças, dizendo directamente que os adultos devem tornar-se como crianças. E reserva a linguagem mais dura para aqueles que fariam mal a crianças, dizendo que seria melhor que se afogassem no mar com uma pedra de mó à volta do pescoço.
É com base nesta visão das criancinhas que a Igreja desenvolveu, e mantém, a sua posição firme sobre o aborto e o infanticídio. É esta a visão que torna a crise dos abusos sexuais tão repreensível e a resposta da Igreja à mesma, ao longo destas duas décadas, um imperativo. É também com base nesta visão que a Igreja critica a terrível manipulação das crianças no que diz respeito a sexo e género.
Talvez não seja muito surpreendente que à medida que o Cristianismo esvanece da praça pública estamos a ver uma nova cultura paganizada a usar as crianças como sujeitos experimentais, envenenando-os com bloqueadores de puberdade e hormonas de sexo contrário e mutilando-os com cirurgias terríveis que alteram para sempre os seus corpos.
Deus cria os seres humanos macho e fêmea, juntamente com várias formas de exprimir essa masculinidade e feminidade. Quando liderava exércitos para a batalha, Santa Joana d’Arc era tão feminina como qualquer bailarina contemporânea e um seminarista de batina e a cantar num coro é tão homem como qualquer jogador de futebol. Mas é bizarro e errado fingir que homens e mulheres, rapazes e raparigas, não são dotados de realidades biológicas masculinas e biológicas que os condicionam. E é particularmente grave prejudicar crianças com drogas e cirurgias na tentativa de escapar a estas realidades.
O Papa Francisco, e bem, tem dado enfoque ao cuidado pastoral a dar a crianças e outros que estejam a experienciar confusão acerca do seu sexo e do seu género. Mas o Papa também descreveu a ideologia de género, que leva à mutilação e envenenamento das nossas crianças, como malévola. Ainda há poucos meses o Santo Padre descreveu-a como “o mal mais feio” dos nossos tempos.
Cientes destas realidades, os católicos enquanto indivíduos e as instituições católicas devem resistir à ideologia de género – especialmente quando afecta jovens – em qualquer situação. Infelizmente – tal como aconteceu com a crise dos abusos sexuais – as primeiras investigações revelam que estas práticas malévolas e feias estão presentes também na Igreja, incluindo em alguns dos nossos hospitais católicos.
Um grupo chamado “Stop the Harm” compilou uma base de dados publicamente disponíveis, revelando que foram feitos cerca de 14.000 tratamentos relacionados com mudanças de sexo a menores nos Estados Unidos, e que quase 150 hospitais católicos parecem ter códigos de procedimento que sugerem algum envolvimento. Parece que esses hospitais católicos prescreveram bloqueadores de puberdade e hormonas de sexo oposto e não poucos chegaram até a fazer cirurgias de mutilação sobre crianças.
Graças a Deus posso dizer que não existem provas de que se passe algo do género nas instituições de saúde católicas na minha diocese, Lincoln, mas uma vez que desempenho cargos pastorais e de liderança na Associação de Médicos Católicos e na Aliança Católica de Líderes de Cuidados de Saúde – e como seguidor do mandamento de Cristo de dar prioridade especial às crianças – não posso ficar calado sabendo que há instituições católicas a cometer estes crimes sobre os mais vulneráveis em nome da Igreja.

Deve ser tido em conta que alguns dos hospitais católicos aparecem na lista por causa de casos isolados ou inferiores a dez. É possível que nalguns destes casos os códigos hospitalares possam ter sido confundidos, e isso deve ser fácil de rectificar. Também é possível que estejamos a falar de alguns médicos sem escrúpulos em clínicas isoladas dentro do vasto sistema hospitalar, mas certamente não é o caso para todos. Muitos hospitais católicos estão a participar neste mal terrível e serão devidamente investigados. E essas investigações devem ser conduzidas com o mesmo rigor com que temos investigado outros casos de abuso de crianças em instituições católicas.
É curioso ver que os processos baseados em dados – especialmente à luz do Relatório Cass, a revisão mais extensiva de tratamento de identidade de género sobre crianças – estão a conduzir alguns países europeus, que previamente eram abertos a estes tratamentos, a rejeitá-los para crianças. Apesar de não partilharem do nosso entendimento da sexualidade humana, países como o Reino Unido, a Suécia, a Finlândia e muitos outros, rejeitaram tais tratamentos para crianças por não terem qualquer base científica, e por não existir qualquer prova de benefício a longo prazo que compense os grandes riscos.
A Academia Europeia de Psiquiatria Infantil e Adolescente, que representa mais de 30 países, disse que temos de parar com as experiências sobre crianças, admitindo, essencialmente, que estamos a fazer experiências sobre estes seres humanos vulneráveis sem qualquer conclusão positiva.
E não é apenas o relatório Cass. O New York Times fez recentemente uma reportagem sobre um estudo de 95 crianças com “preocupação de género”, seguidas desde 2015 para determinar os resultados da administração de bloqueadores de puberdade. Apesar de um em cada quatro manifestar tendências depressivas ou suicidas, os dados revelam que as drogas não tiveram qualquer efeito sobre a saúde mental do grupo. Significativamente, não obstante ter recebido quase dez milhões de dólares de fundos públicos para o estudo, a autora (uma activista em favor deste tipo de transição médica) está a recusar-se a publicar os dados por medo de que sejam utilizados pelos que se opõem a estes procedimentos.
Mas uma abordagem rigorosa à ciência sustenta mesmo essa oposição. Os dados revelam que cerca de 80 porcento das crianças que sofrem de confusão sobre o seu sexo e género ultrapassam-na antes de se tornarem adultos. Logo, devemos regressar à já conhecida prática de “espera vigilante” enquanto resposta pastoral a crianças nestas circunstâncias. Devemos oferecer-lhes apoio psicológico fiável, como forma de tratar o seu sofrimento. Amá-las na plenitude das realidades que Deus lhes concedeu não implica afirmar um conceito incoerente e enganado de se ter, de alguma forma, “nascido no corpo errado”.
Em vez de as conduzir pelo caminho que o Papa Francisco descreveu, e bem, como feio e malévolo, os indivíduos católicos e as instituições católicas devem proteger e afirmar as crianças e a bondade dos seus corpos. Mas ai dessas instituições e desses indivíduos que envenenam e mutilam as crianças! Retomando as palavras de Nosso Senhor: seria melhor para elas que fossem lançadas ao mar com uma pedra de moinho ao pescoço.
O reverendíssimo James D. Conley é bispo de Lincoln, Nebrasca, Conselheiro Nacional Episcopal da Associação de Médicos Católicos, e presidente do Conselho Episcopal da Aliança Católica de Líderes de Cuidados de Saúde.
(Publicado pela primeira vez na sexta-feira, 8 de Novembro de 2024 em The Catholic Thing)
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