O arcebispo de Cantuária, primaz da Igreja Anglicana em Inglaterra e líder espiritual da Comunhão Anglicana a nível global, acaba de resignar ao seu cargo, na sequência de uma investigação independente a um abusador sexual em série que é suspeito de ter abusado de mais de uma centena de rapazes nas últimas décadas do Século XX e primeiras do Século XXI.
O abusador em causa é um leigo, John Smyth, que foi voluntário em vários campos de férias anglicanos no Reino Unido e em África. Nesses campos teve acesso a centenas de rapazes e terá abusado de até 30 no Reino Unido e de até 100 em África.
Um relatório publicado recentemente concluiu que a Igreja Anglicana já sabia do comportamento de Smyth pelo menos em 1982, talvez até antes, mas que foi mantido segredo, o que na prática permitiu que o criminoso continuasse a actuar livremente.
Justin Welby apenas foi nomeado arcebispo de Cantuária em 2013, mas o documento faz uma série de alegações sérias sobre a sua relação com o caso. Em primeiro lugar, nota que os dois se cruzaram em campos de férias quando Welby tinha pouco mais de 20 anos. Depois, nota que o arcebispo tomou conhecimento da gravidade do caso em 2013, quando assumiu o cargo, mas não fez o suficiente para garantir que a justiça civil e eclesiástica agisse.
Welby já tinha dito que quando tomou conhecimento lhe tinha sido dito, também, que já estava a decorrer uma investigação policial, pelo que não interferiu, esperando que as autoridades concluíssem o processo. Contudo, parece que embora a polícia tenha sido informada, sim, não estava em curso qualquer investigação. Welby assume agora a responsabilidade por não ter sido mais diligente nesse ponto, o que permitiu que Smyth morresse em 2018 sem nunca ter tido de responder pelos seus crimes que, para além de abusos sexuais incluem abuso físico e espiritual. Há ainda pelo um caso de um rapaz num campo de férias em que Smyth esteve presente que morreu em circunstâncias pouco claras.
O relatório Makin revelou ainda que enquanto Smyth estava no Zimbabué Justin Welby fez pequenas contribuições para a sua “missão” e que lhe escreveu postais de Natal. Contudo, o relatório sublinha que com base na informação disponível não é possível concluir se o Arcebispo sabia do comportamento abusivo de Smyth antes de se tornar arcebispo. Uma testemunha afirmou que ouviu Welby a discutir o assunto anos antes, mas Welby nega.
Justin Welby é, sem dúvida, o hierarca cristão mais importante a perder o seu cargo por causa do escândalo de abusos sexuais que tem assolado a Igreja em todo o mundo.
A Igreja Anglicana é a terceira maior comunhão cristã do mundo, depois da Igreja Católica e da Comunhão de Igrejas Ortodoxas de rito bizantino.
Na sua carta de demissão o arcebispo afirma que:
“O relatório Makin expôs a longa conspiração de silêncio sobre os abusos terríveis de John Smyth. Quando fui informado em 2013 de que a polícia tinha sido notificada, acreditei, erradamente, que se seguiria uma resolução apropriada. É muito claro para mim que devo aceitar responsabilidade pessoal e institucional pelo longo e retraumatisante período entre 2013 e 2024.”
O arcebispo recorda que ao longo destes 11 anos implementou muitas novas medidas de protecção de menores, e que “cabe aos outros julgar aquilo que foi feito”.
“Espero que esta decisão deixe clara a seriedade com que a Igreja de Inglaterra compreende a necessidade de mudar, bem como o nosso profundo compromisso em criar uma Igreja mais segura.”