
A BBC costuma ser criticada, e com razão, por ter uma linha editorial de esquerda e pelo jornalismo de baixa qualidade, que vê qualquer coisa ligada à herança cristã ocidental como aberrante, considerando os valores de outras culturas inerentemente superiores. Para além dos dramas históricos – como as adaptações das obras de Charles Dickens, por exemplo – a outra coisa que a BBC costumava fazer muito bem era comédia.
Um dos clássicos, que ainda passa tanto no Reino Unido como nos Estados Unidos é a série “Keeping up Appearances”. A série conta com a grande atriz Patricia Routledge, que desempenha o papel de Hyacinth Bucket (que ela insiste em pronunciar “Bouquet”) e acompanha as tentativas de Hyacinth, juntamente com o seu marido sofredor, de elevação social, partindo da sua existência decididamente de classe média.
A classe é ainda o principal meio de identificação social no Reino Unido, com tudo, desde pronúncia, vocabulário e decoração interior a servir para mostrar onde cada um encaixa. A Sra Bucket é, claro, uma snob de primeira, mas todo o humor do programa, que durou cinco temporadas, radica nas suas tentativas de ser algo que não é, e no facto de todos os outros saberem precisamente quem ela é na verdade.
Ela quer manter a aparência de ser burguesa e respeitável, não obstante todas as situações ridículas em que se mete. Essa respeitabilidade, que se baseia na aparência externa e no conformismo social, deveria ser, na sua opinião, a chave para a ascensão e aceitação social, e para o seu lugar na sociedade.
Por vezes, ao ler as epístolas de São Paulo, as discussões infindáveis sobre a circuncisão e a lei podem parecer não só peculiares, mas completamente irrelevantes para a vida de um cristão do Século XXI. Porém, nós sabemos que a Palavra de Deus não é apenas um tesouro inesgotável, mas uma fonte que nunca seca, como disse São Efraim o Sírio.
Há sempre alguma coisa, alguma palavra, frase ou versículo, até nos textos mais obscuros, que se torna palavra de encorajamento ou de desafio, conforto ou crítica, se tivermos olhos para ver e ouvidos para ouvir.
São Paulo, na Carta aos Gálatas, uma comunidade que estava a ser ameaçada por falsos profetas, escreve: “Todos os que querem mostrar boa aparência na carne, esses vos obrigam a circuncidar-vos, somente para não serem perseguidos por causa da cruz de Cristo”.
Essa tentação, não só de manter as aparências, mas de se preocupar com o respeito dos homens, é um perigo de todos os tempos e de todas as épocas, e mostra mais uma vez que mesmo as passagens mais obscuras da Escritura podem conter a palavra de que se precisa.

O desejo da respeitabilidade humana não é apenas um perigo hoje – quando na verdade ser cristão já deixou de ser respeitável, sobretudo para quem quer ir mais longe no mundo dos media e da academia – mas é talvez uma ameaça ainda maior quando o conformismo cristã, nem demasiado radical nem dramática, é aceitável na sociedade educada.
Os santos, os homens e as mulheres que levam a sua fé a sério, perturbam sempre a respeitabilidade. Eles põem o mundo, como dizia Chesterton, “de pernas para o ar”. Os santos nunca se preocupam em manter as aparências, preocupam-se com a fidelidade. O cerne da mensagem de São Paulo, que como ele diz é a verdadeira razão pela qual as pessoas se preocupam tanto com a conformidade e a aparência exterior na fé cristã, é o medo da perseguição.
Não é preciso que esta perseguição seja de “martírio de sangue”, de morrer pela fé como acontece com tantos dos nossos irmãos na Nigéria, na Síria e em tantos outros países. Actualmente, no ocidente, aquilo que nós enfrentamos é o martírio “branco” da fidelidade.
Trata-se da fidelidade demonstrada por figuras como o grande Cardeal George Pell, falsamente acusado, mas fiel. É a fidelidade de Paivi Rasänen, deputada finlandesa que, apenas por ter publicado uma mensagem a sublinhar que o casamento é entre um homem e uma mulher, e por lamentar a participação da sua Igreja, a Igreja Luterana da Finlândia, numa marcha de “Orgulho”, foi levada a tribunal já três vezes pelo Estado finlandês.
Muitos consideram que o seu caso é um sinal de alarme tanto para a liberdade religiosa como para a liberdade de expressão na Europa. Mas ela é mais que isso: uma cristã na praça pública que não permite que a cultura anticristã a obrigue a esconder a sua fé.
Duas outras figuras, separadas pelos séculos, mas unidas na integridade, são para nós testemunho e sinal de esperança nas alturas em que a manutenção das aparências trairia a verdade, mas tornaria a vida mais fácil. São Tomás Moro, Chanceler de Inglaterra, e o beato Franz Jägertätter, um agricultor austríaco que se opôs a Hitler.
Tanto na peça de Robert Bolt: “Um homem para a Eternidade”, sobre Tomás Moro, como no filme de Terrence Malick sobre o Beato Franz “Uma Vida Escondida”, encontramos cenas em que os amigos e familiares dos protagonistas lhes pedem para “apenas dizer as palavras”. Aquilo em que acreditam é indiferente, podiam salvar as vidas dando a aparência do conformismo.
Uma coisa tão fácil de fazer, mas uma traição à verdade e a perdição das suas almas.
“Ai de vós,” disse Jesus, “quando vos louvarem os homens, porque assim faziam os pais deles aos falsos profetas!” Nenhum cristão deve procurar deliberadamente a polémica, as discussões ou provocar a hostilidade, apenas em busca de uma reacção. Mas se a escolha for entre manter as aparências ou ser fiel à Cruz de Cristo, então na verdade não existe escolha alguma.
Benedict Kiely é padre do Ordinariato de Nossa Senhora de Walsingham e fundador da Nasarean.org, que presta auxilio a cristãos perseguidos.
(Publicado pela primeira vez no Domingo, 6 de Outubro de 2024 em The Catholic Thing)
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Muito bom.
Com a referência a dois dos melhores filmes que qualquer católico pode ver.