Neste dia de 17 de Setembro as ordens de frades, irmãs e padres franciscanos celebram o 800º aniversário da recepção dos estigmas – as cinco chagas de Cristo nas mãos, pés e lado – por parte de São Francisco de Assis.
O primeiro relato deste evento encontra-se na “Primeira Vida de São Francisco”, de Tomás de Celano.
Numa estadia que fez no eremitério chamado Alverne, que tem este nome por causa de sua localização, dois anos antes de entregar sua alma ao céu, teve uma visão de Deus em que viu um homem, com aparência de Serafim de seis asas, que pairou acima dele com os braços abertos e os pés juntos, pregado numa cruz. Duas asas elevavam-se sobre a cabeça, duas estendiam-se para voar e duas cobriam o corpo Inteiro. Quando o servo do Altíssimo viu isso ficou muitíssimo admirado, mas não compreendia o sentido dela.
A visão que Francisco teve revela que aquilo que ele viu era de origem divina, e não apenas uma ilusão psicológica humana. Mais, o relato de Celano alude a três passagens das escrituras. Na primeira, Jesus refere que vai ser elevado na Cruz, e que quem crê nele terá a vida eterna (João 3, 13-17). A segunda passagem refere-se ao relato do Antigo Testamento que prefigura a elevação de Jesus, quando Moisés fez uma serpente de bronze e todos os que olhavam para ela eram curados (Números 21,8). Por fim, a visão de Isaías no Templo. “Os serafins se mantinham junto dele. Cada um deles tinha seis asas; com um par de asas velavam a face; com outro cobriam os pés; e, com o terceiro, voavam. Suas vozes se revezavam e diziam: ‘Santo, santo, santo é o Senhor Deus do universo!’” (Isaías 6, 2-3).
Aquilo que Francisco contemplou foi o Jesus ressuscitado crucificado, a serpente de bronze que cura do pecado todos os que nele crêem. Mais, a acima de tudo, Francisco contemplou o Cristo crucificado representado como um glorioso serafim com seis asas estendidas. Francisco estava na presença do Santíssimo Deus. O Francisco terreno foi assumido para o templo celeste, onde todos clamam: “Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus do universo!”
Segundo Celano, enquanto Francisco rezava sobre esta visão, as chagas começaram a aparecer no seu corpo “tal como ele tinha visto um pouco antes no homem crucificado que pairava sobre ele”. Francisco estava agora conformado à semelhança de Jesus Cristo crucificado. Os estigmas testemunham que Francisco era uma nova criação em Cristo. O Francisco antigo morrera, dando lugar ao novo Francisco cruciforme.
Normalmente assume-se que Francisco recebeu os estigmas de algo exterior a ele. Mas, embora tenha tido a visão do Cristo crucificado, representado como um serafim ardente, o acto de conformação não veio de algo exterior a ele, mas de dentro.
Assim, a realidade é de que aquilo que era invisível em Francisco, a sua conformidade com a semelhança a Cristo crucificado, se tornou visível através dos estigmas. São Boaventura enfatiza que o efeito cumulativo da vida virtuosa de Francisco, em todas as suas facetas, culmina nos estigmas.
Este homem abençoado parecia certamente digno de ser marcado com este privilégio singular, uma vez que toda a sua atividade, tanto pública como privada, se centrava em torno da cruz do Senhor. Que mais do que a sua maravilhosa doçura, a austeridade da sua vida, a sua profunda humildade, a sua pronta obediência, a sua extrema pobreza, a sua castidade irrepreensível, que mais do que a amargura da sua compunção, o seu fluxo de lágrimas, a sua compaixão sincera, o seu zelo de emulação, o seu desejo de martírio, a sua caridade notável, e finalmente o privilégio das muitas virtudes que o tornavam semelhante a Cristo: que mais se destacou nele do que estas semelhanças com Cristo, a preparação para os sagrados estigmas? Por isso, todo o curso da sua vida, desde a sua conversão, foi adornado com os notáveis mistérios da Cruz de Cristo. Finalmente, ao ver o sublime Serafim e o humilde Crucificado, foi totalmente transformado por um poder divino e ardente na semelhança que viu.
Os estigmas de Francisco também têm muito em comum com a vida de cada cristão baptizado.
Em primeiro lugar, o baptismo é o acto fundacional segundo o qual morremos e ressuscitamos com Cristo. Nele, tornamo-nos nova criatura. A nossa natureza antiga e pecaminosa morreu e agora partilhamos da humanidade crucificada e ressuscitada de Cristo. Através do nosso baptismo também nós somos marcados pelos próprios estigmas de Cristo.
Em segundo lugar, à luz do nosso baptismo, devemos contemplar o Cristo crucificado e ressuscitado não por ser uma devoção franciscana, mas por ser cristão. Só na contemplação orante de Cristo crucificado é que nos vamos assemelhando a Ele. Interessantemente em todas as imagens de Santos Capuchinhos – a ordem a que pertenço – eles são retratados a olhar para um crucifixo com Jesus pendurado da Cruz. Através desse acto contemplativo eles estavam a ser conformados à semelhança de Jesus crucificado. Quando rezamos, pode ser espiritualmente benéfico segurar um crucifixo.
Terceiro, a nossa vida cristã deve ser sempre uma vida de gemidos – gemidos espirituais. A conformação à semelhança de Jesus crucificado não é um evento instantâneo. Os nossos gemidos começam no baptismo, mas duram a vida toda. Gememos para nos libertar da nossa antiga natureza pecaminosa, tal como gememos para nos tornarmos nova criatura em Cristo.
Tal como Francisco, as nossas vidas devem ser de crescimento-gemente em virtudes, as mesmas que definiram o santo – gentileza, austeridade, humildade, obediência, pobreza, castidade, compunção, compaixão, zelo e até o desejo do martírio. O cultivar destas virtudes, e de outras, conforma-nos à semelhança de Jesus crucificado. Poderemos nunca obter os estigmas de forma visível, mas tê-los-emos de forma interior e invisível.
Thomas G. Weinandy, OFM, um autor prolífico e fez parte da Comissão Teológica Internacional do Vaticano. O seu mais recente livro é o terceiro volume de Jesus Becoming Jesus: A Theological Interpretation of the Gospel of John: The Book of Glory and the Passion and Resurrection Narratives..
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na terça-feira, 17 de Setembro de 2024)
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