A propósito de uma reportagem que estou a prepara sobre a Bênção dos Capacetes, em Fátima, que se realiza no próximo domingo, 22 de Setembro, falei com Carlos Pereira, presidente da Associação Bênção dos Capacetes, principal organizadora do evento.
Publico aqui a transcrição da conversa como forma de abrir o apetite para a reportagem que virá mais tarde, mas também como forma de divulgação! E aproveito para deixar o convite aos meus leitores: se já participou ou tenciona participar na Bênção dos Capacetes, mande-me uma mensagem ou email a partilhar a sua expectativa, experiência, ou alguma história ou curiosidade.
Pode-nos falar brevemente da história da Bênção dos Capacetes?
A Bênção dos Capacetes começou em 2014, através de um grupo de amigos – eu e mais dois ou três – que se juntaram e organizaram a peregrinação a Fátima. Nos primeiros três anos da peregrinação a bênção foi realizada nos parques de estacionamento, de terra batida, onde o Santuário colocava um pequeno palanque e uns equipamentos de som.
Três anos depois, através de muito esforço com a reitoria do Santuário, conseguimos que a bênção passasse a ser no recinto.
De 2014 em diante temos tido sempre, de ano após ano, uma adesão bastante grande da parte dos motociclistas ao Santuário de Fátima.
Quando o evento passou para o recinto, foi com as motos?
Não. Só pessoas e capacetes.
Depois de 2017, durante dois anos havia uma pequenina cerimónia no final da missa das 11h. Subíamos à escadaria do altar e o padre do santuário fazia a bênção para milhares de motociclistas.
A adesão continuou a subir de ano para ano. O Santuário diz que neste momento a bênção é uma das maiores peregrinações a Fátima.
Actualmente, como se organizam?
De 2017 para a frente esta peregrinação teve uma modificação completa em toda a sua realização, ou seja, todos os anos são dez grupos diferentes, de norte a sul do país, incluindo ilhas, e todos os anos os grupos estão totalmente envolvidos em toda a parte litúrgica, desde as leituras ao acompanhamento dos sacerdotes para a comunhão, o transporte do andor, tudo. São os grupos que estão envolvidos em toda a organização. Claro que isto tem movido milhares de motociclistas, são momentos únicos na vida das pessoas.
O transporte do andor, por exemplo, é um momento único e as pessoas não sabem se voltam a ter essa oportunidade. Anualmente o número de participantes tem vindo a subir de forma estrondosa. Só para ter uma ideia, em 2019 estiveram 160 mil motociclistas.
Terá sido o mais concorrido?
Foi, porque entretanto meteu-se a pandemia, e o ano passado foi um ano complicado porque choveu imenso no dia da bênção e baixámos para 75 mil motociclistas.
Neste tipo de eventos vem todo o tipo de pessoas. Nem todos serão católicos praticantes..
Se me perguntar se em 160 mil motociclistas que estiveram em 2019 na peregrinação, claro que lhe vou dizer que não são 160 mil crentes, praticantes. No dia da peregrinação pode-se verificar que há imensas esplanadas e cafés que estão cheios de gente, de pessoas que foram apenas pelo passeio, pelo convívio, pela amizade, porque depois da cerimónia vão todos almoçar, mas como não são crentes não assistem à cerimónia, mas foram até Fátima, fizeram o percurso e foram acompanhar os que acreditam.
Este ano, pela primeira vez, há um grupo espanhol envolvido na organização. Badajoz vai estar presente com um grupo que faz parte da organização. E vai estar em Fátima, vão ser eles que vão estar envolvidos no transporte do andor. Nós, habitualmente fazemos reuniões de preparação, e de Janeiro até agora tenho observado a euforia das pessoas e principalmente deste grupo de Badajoz, que está eufórico por dia 22.
Mas há um cuidado para que os que têm um papel mais activo sejam praticantes?
O transporte do andor obedece a algumas regras impostas pelo Santuário, como a altura e o vestuário – não podem ir de calções, ou de mangas à cava.
Habitualmente o transporte é feito por seis pessoas e costumam ser dos bombeiros, ou da Academia Militar, mas são sempre seis pessoas. Como havia, da parte dos grupos, muita vontade das pessoas participarem e quererem levar, porque é um momento único que fica na vida das pessoas, tivemos alguns grupos que nos disseram que queriam muito levar o andor. Inclusivamente tivemos um presidente de um grupo que, numa das reuniões de preparação da bênção, chorou à nossa frente porque queria levar o andor.
Nós pedimos então ao Santuário se poderia alterar o número de pessoas. O senhor reitor, Pe Carlos Cabecinhas, muito gentilmente aceitou, e neste momento temos 24 pessoas. Seis levam metade do caminho da Capelinha até ao altar, depois trocam com mais seis, e faz-se o mesmo no regresso.
Há uma emoção muito grande da parte das pessoas que levam o andor. O ano passado um dos presidentes, quando chegou ao altar, logo de manhã, teve de ser assistido pelo INEM porque se sentiu mal, de tanta emoção.
Agora, nós não impomos nada aos grupos. Dizemos que é preciso duas pessoas, não interessa se é homem ou mulher, o que pedimos e aconselhamos é que escolham duas pessoas, se possível que sejam crentes e religiosas, porque é um momento único na vida das pessoas.
Com este crescimento todo nos últimos anos, há preocupação de que isto se torne mais uma mega-concentração de motards, e que perca a sua identidade?
Não. Todos os anos somos contactados por pessoas que nos ligam e mandam emails a perguntar se podem ter uma banca de merchandising, se podem levar uma roulotte para vender bifanas, e nós dizemos sempre que não. Isto é uma peregrinação. Não é nenhuma concentração, nenhum encontro de motos, não. É uma peregrinação. Estamos num local sagrado e pedimos que as pessoas respeitem.
Recebemos inclusivamente mails e mensagens a perguntar quanto é a inscrição! Mas não existe nenhuma inscrição.
Tem ideia se há alguma peregrinação que se compare no estrangeiro?
Não sei, mas posso dizer que o Pe Carlos Cabecinhas, em conversa comigo, veio-me dizer que já contactaram a reitoria de outros países, África do Sul, Guiné e Angola, para tentar saber em que moldes se organiza esta peregrinação.
Neste tipo de encontros o preconceito que existe é que as autoridades são vistas como não bem-vindas. Este é especial no sentido em que estão pressentes forças de segurança como peregrinos, certo?
Exactamente. Um dos parceiros que nos tem dado a maior força e nos tem ajudado desde 2014 tem sido a GNR. Tirando o Santuário, como é óbvio, que nos cede o espaço, tem sido a GNR tem sido o nosso braço direito.
Anualmente convidamos sempre o maior número de instituições oficiais que diariamente utilizam a moto como ferramenta de trabalho, e temos tido um feedback espetacular da parte das instituições, que se fazem representar anualmente.
Este ano temos a Polícia Municipal de Loures, de Cascais, de Lisboa e do Porto, a PSP, a GNR, o INEM entre outras. Vão estar todos em representação da sua entidade no momento da Bênção dos Capacetes. Eles formam-se na escadaria do altar, na altura da homilia do presidente da cerimónia, e estão lá todos representados. São motociclistas, como milhares que estão no Santuário e que vão a Fátima num dia muito especial, pedir a protecção à mãe de Deus para os dias em que andam na estrada, sempre que saem com as suas motos.
Existe em Portugal uma Associação de Motociclistas Cristãos (AMC), que é de pendor evangélico. Têm algum contacto com eles? Costumam estar presentes?
Não temos contacto com a AMC, porque eles não se revêem na Igreja Católica, e como tal não faz sentido. Eles são evangélicos, vêem de forma negativa a veneração de imagens e de Nossa Senhora, e por isso não há muita ligação.
Houve um ano, em 2015, em que os convidámos. Como todos os anos temos acções de solidariedade social, e esse ano estávamos a aceitar donativos para uma associação, o que eles fizeram foi emprestar-nos gratuitamente a carrinha para colocar os bens. Agora, estarem na cerimónia, não.
Falou dessa dimensão de acção social. Este ano, qual é o objectivo?
Desde 2014 que, anualmente, para além da bênção, temos um objectivo caritativo. Este ano vamos ajudar o Marco Vitorino, que tem 22 anos e infelizmente despistou-se, bateu numa árvore e ficou paraplégico. Ele precisa de ajuda, precisa de uma cadeira adaptada e nós, através da venda de merchandising, vamos tentar concretizar esse sonho e comprar a cadeira de rodas para lhe oferecer.
O ano passado ajudámos uma menina de Ponta Delgada, a Raquel, que teve também um acidente e ficou paraplégica, mas é uma miúda muito activa, com muita força de vontade, que pratica basquete, mas estava muito dependente da mãe e da irmã para ir aos treinos. Então ajudámos a Raquel o ano passado e comprámos um equipamento que se põe em cima do tejadilho do carro e quando chega ela acciona o comando, a tampa da caixa abre e uma pequena grua coloca a cadeira ao lado da porta do carro, e ela só tem de passar do banco do carro para a cadeira. Ficou totalmente autónoma, vai para o ginásio, vai para os treinos, para todo o lado. Deixou de precisar da ajuda de outros.
Vocês têm também uma grande preocupação com a segurança e a promoção da segurança, não é?
Continuamos a ter anualmente. Aliás, anualmente promovemos um fórum de sensibilização rodoviária em Março, sempre num ponto diferente do país, e além disso no Natal fazemos sempre uma campanha de sensibilização rodoviária. O ano passado fizemos um vídeo com o Pedro Granger, que ficou muito giro. A nossa preocupação é grande, porque a taxa de sinistralidade continua a aumentar.
Tem mais algum envolvimento com a Igreja?
Infelizmente não, porque tenho também a minha vida profissional, sou motorista do Estado desde 1985.
Para quem conduz um carro profissionalmente, imagino que as motos sejam um escape…
Claro que sim, é o gosto das motos e sempre que há um furo na agenda serve para pegar na moto e dar uns passeios.
Qual é a sua moto?
Honda Goldwing 1500.