
Sabe-se pouco sobre as origens de Nossa Senhora; a principal fonte é o protoevangelho de São Tiago, que contém muitas lendas e tradições piedosas, incluindo informação sobre os seus pais e a sua infância. É dessa obra que aprendemos que os seus pais se chamavam Ana e Joaquim. Mas sabemos que é factual que todas as mulheres judias devotas sonhavam vir a ser mãe do Messias, ou pelo menos de dar à luz uma filha que viesse a sê-lo.
A Igreja Universal comemora o nascimento de Maria no dia 8 de Setembro (este ano não se assinalou, por calhar a um Domingo). Normalmente é nesta data que nos é apresentada a genealogia de Jesus, de acordo com São Mateus (1, 1-17). Trata-se de uma passagem peculiar, com nomes ainda mais peculiares. Que podemos aprender dela?
Mateus apresenta-nos um Jesus profundamente judaico, com o objectivo de nos revelar que é nele que se cumpre o Judaísmo. Assim, ele mostra-nos Jesus como o “novo Moisés”, a Igreja como a “nova Israel” e o Evangelho como a “nova Lei”. Fá-lo de diversas formas, desde a estrutura de cinco livros, como paralelo aos cinco livros da Torá, até ao uso frequente no número sete e as dezenas de citações de textos do Antigo Testamento.
Mas Mateus faz ainda outra coisa, e fá-lo de forma tão subtil que a maioria dos leitores nem dá por isso. A sua genealogia é uma proclamação potente do judaísmo de Jesus, e a razão é para anunciar e demonstrar de forma definitiva que Jesus é o verdadeiro filho de David, de quem, segundo os profetas, surgiria o muito esperado Messias.
Para apreciar a genealogia em toda a sua complexidade, é importante compreender, em primeiro lugar, que os judeus (tal como a grande maioria dos povos antigos) tinham um grande fascínio pelo sentido e o valor simbólico dos números. Para eles o sete era o símbolo da absoluta perfeição, enquanto o seis era a definição da grosseira imperfeição. Não é surpreendente, portanto, que a linhagem do Messias esteja dividida em três grupos de catorze antepassados (duas vezes o número da perfeição, bem como o valor numérico das letras no nome de David).
A genealogia não é histórica, no sentido moderno da palavra, sobretudo porque tem muitas falhas. Não nos dá a linhagem da raça humana a partir de Adão (como faz São Lucas), mas sim a linhagem da raça hebraica a partir de Abraão, o homem a quem o Cânone Romano chama “o nosso pai na fé”). A lista é marcada pelos eventos mais importantes da história do judaísmo: a origem dos povos, o reinado de David, o exilio na Babilônia e a vinda do Messias.
Importa assinalar aqui a diferença em relação à norma para genealogias hebraicas, em particular pelo facto de incluir algumas mulheres: Tamar, que seduziu o seu sogro Judá para ter uma relação incestuosa com ela; (Génesis 38); Raab, a principal prostituta de Jericó, que abrigou os espiões de Josué (Josué 2); Betsabá, a mulher de Urias, que cometeu adultério com o Rei David e depois conspirou com ele para matar o marido (2 Samuel 11); e Rute, a mulher de Booz e nora de Naomi, que é apresentada como o exemplo do amor fiel e da devoção.
Isto é notável por várias razões. Em primeiro lugar, a natureza pouco recomendável da maioria das mulheres (e de muitos dos homens também) recorda-nos que todos nós, até o Filho de Deus, entram neste mundo com alguma história. Em segundo lugar, o facto de três delas serem não só mulheres, mas também estrangeiras, aponta para a missão de Jesus aos gentios. A terceira razão pode ser compreendida à luz do facto de que, numa sociedade patriarcal como era a dos judeus, o nome e a propriedade passavam através dos homens, e não das mulheres.
Por isso, a referência a estas mulheres serve de afirmação crucial da importância de Maria, “de quem nasceu Jesus, que é chamado o Cristo” (Mateus 1, 16). Também é interessante notar que a genealogia apresentada é a de José e não de Maria. Embora o património legal de Nosso Senhor seja a de um homem, a sua origem humana não veio através de um homem, como o evangelista deixa bem claro.
Mateus quer que compreendamos que a história da salvação atingiu o seu auge com o nascimento de Jesus; esta foi a coisa nova que o Senhor Todo Poderoso tinha preparado desde toda a eternidade. Era, na verdade, a vinda de Emanuel, Deus connosco, o evento mais significativo da história. E aconteceu através da agência de uma mulher, sem auxílio de homem!

O advento do Deus encarnado, mudou definitivamente o estatuto das mulheres.
“Seja feito segundo a tua palavra”. “E o Verbo se fez carne”. Cada vez que imitamos a resposta de Nossa Senhora em fé e confiança em Deus, o Verbo faz-se carne novamente – dentro de nós e no nosso mundo – de forma tão real como fez há mais de 2000 anos.
Às vezes esquecemo-nos de que a genealogia de Nosso Senhor não acabou com a sua concepção e nascimento. Através da graça do baptismo, que deixam a sua encarnação redentora e o seu mistério pascal ao nosso alcance, temos o privilégio de podermos colocar-nos nessa nobre linhagem.
Revelamo-nos dignos dessa honra de sermos identificados com a Mãe de Jesus – uma mulher que partilhou a condição humana, mas que estava de tal forma focada em Deus que Ele a pôde usar para reverter a espiral negativa da história humana. Deus quer usar-nos exactamente da mesma forma hoje.
Que Maria, a Mãe de Cristo e a Mãe da Igreja, interceda junto do seu Filho, nosso Irmão, para que possamos responder com fé, esperança e amor e assim reverter a nossa actual espiral negativa.
O Cardeal Newman disse-o muito bem: “Quem nos acusa de fazer de Maria uma divindade está com isso a negar a divindade de Jesus. Tal homem não sabe o que é a divindade (…) A ela pertence, enquanto criatura, um apelo natural à nossa simpatia e familiaridade, na medida em que mais não é do que nossa companheira. Ela é o nosso orgulho, citando o poeta, ‘o orgulho solitário da nossa natureza manchada’”.
O padre Peter Stravinskas é doutorado em Administração Escolar e Teologia. É editor fundador de The Catholic Response e editor da Newman House Press. Mais recentemente lançou uma licenciatura em Administração Escolar Católica através da Pontifex University.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing no Domingo, 8 de Setembro de 2024)
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