
Ao longo dos passados três domingos ouvimos o discurso de Nosso Senhor sobre o Pão da Vida. No último domingo a cena chegou a uma conclusão dramática, com a multidão a rejeitar o seu ensinamento. A reacção das pessoas toca duas controvérsias perenes, e por isso actuais: a autoridade e o corpo.
Comecemos pela autoridade. “Então, muitos dos seus discípulos que o estavam a escutar disseram: ‘Isto é muito duro, quem o pode admitir?’”. O que torna duro o ensinamento de Jesus não é falta de claridade. Não há qualquer indicação de que a multidão não tenha compreendido o que ele ensinava. Pelo contrário, Jesus confirma várias vezes que eles perceberam bem que Ele estava a dizer que o seu corpo era verdadeira comida, e o seu sangue, verdadeira bebida.
Eles não rejeitam o seu ensinamento por não saberem o que é, ou não o compreenderem, mas simplesmente porque é difícil de aceitar. E na verdade é. É o tipo de coisa que apenas podemos confiar ser verdade com base na autoridade de quem o ensina. A isso chama-se fé.
E é isso que encontramos nos doze. Eles aceitam o ensinamento de Jesus sobre a Eucaristia, não porque têm alguma iluminação especial, ou conhecimento escondido. Eles aceitam os seus ensinamentos porque aceitam a sua autoridade. Acreditam nele. Simão Pedro, falando por todos, diz. “Mestre, para onde iremos? Tu tens palavras de vida eterna. E nós cremos e sabemos que tu és o Santo de Deus”.
A nossa fé assenta na autoridade daquele que nos fala. Não acreditamos porque compreendemos tudo, a isso chama-se ter uma opinião. Examinar os ensinamentos da Igreja e concluir que concordamos não é uma questão de fé, mas sim de aprovação. Mas a multidão em Cafarnaum estava desprovida quer de aprovação, quer de aceitação da sua autoridade para ensinar. Por isso, com tristeza, lemos que eles “se retiraram e já não andavam com Ele”.
A falta de fé na era moderna deriva da rejeição de qualquer autoridade para ensinar. Esta geração não papa fretes e acha que temos de ser livres para definir o nosso próprio sentido. Qualquer pessoa que tenha autoridade é imediatamente apelidada de autoritária, e por aí fora. Ironicamente, a rejeição da autoridade para ensinar leva, no final de contas, à dúvida radical sobre a capacidade do homem para possuir qualquer conhecimento. Chesterton chamava a isso o “pensamento que põe fim a todo o pensamento”.
O Verbo eterno fala com autoridade por palavras humanas. A sua autoridade está ordenada para que o possamos conhecer a Ele e à sua verdade. Quando aceitamos e nos submetemos a essa autoridade, passamos a participar no seu próprio conhecimento. Por isso, Ele convida-nos a confiar nas suas palavras porque confiamos nele. Aqueles que desconfiaram das suas palavras desviaram-se dele. Aqueles que confiaram e se aproximaram acabaram por receber o dom da Eucaristia de que Ele tinha falado em Cafarnaum.
Agora, esta questão da autoridade é colocada no centro da discussão pelo discurso do Senhor sobre a Eucaristia, sobre o Seu Corpo. O que por sua vez leva à controvérsia do próprio corpo humano. O desconforto que a multidão sente com a conversa sobre o corpo e sangue de Cristo aponta para um desconforto mais geral que temos com o corpo humano. O que é que o corpo significa para nós? Significará alguma coisa? A nossa alienação do corpo por causa do Pecado Original leva-nos a pensar se o corpo terá qualquer sentido ou significado.
As palavras autoritárias de Jesus em Cafarnaum partem do princípio, e confirmam, que o corpo tem sentido. O dom do seu corpo na Eucaristia tem significado porque o corpo tem significado. E, em sentido contrário, o dom de Deus de si mesmo, por via de um corpo humano, confirma a sua dignidade. Na verdade, as suas palavras em Cafarnaum indicam que o corpo tem uma autoridade própria e que nos diz algo de específico e de definitivo sobre nós mesmos, e permite-nos doar-nos a outros.

As palavras duras de São Paulo aos Efésios, que ouvimos na segunda leitura, também assentam no sentido do corpo. O apóstolo parte do princípio de que existe significância no facto de se ser homem ou mulher, noivo e noiva, macho ou fêmea dotados de corpo. Na verdade, a união do homem e da mulher tem tal significância que reflecte um mistério divino: “Refiro-me a Cristo e à sua Igreja”.
O que a multidão diz sobre a Eucaristia, a modernidade diz hoje sobre o corpo humano. “Isto é muito duro, quem o pode admitir?” A alienação perene do homem do seu corpo tornou-se uma ideologia nos nossos dias. Em vez de ver o corpo como algo a redimir, tratamo-lo como algo a usar, manipular e depois descartar. Resumindo, não estamos dispostos a aceitar a autoridade do corpo, de que não é nosso para usarmos como entendermos.
O que Jesus ensina com autoridade sobre a Eucaristia redime o sentido e a autoridade do corpo humano. Deus chega até nós revestido de carne pecaminosa e sob a aparência de pão e vinho. Nada restaura a dignidade do corpo humano mais do que Deus se revelar e comunicar o seu amor pelo homem através dele, e o facto de, doando o seu corpo na Eucaristia, Deus alimenta e incorpora os crentes no Seu Corpo, que é a Igreja.
A Eucaristia é a confirmação do sentido do corpo. Se o corpo humano não tem qualquer sentido, então as palavras Este é o meu corpo não têm qualquer sentido. Na verdade, contudo, cada vez que o padre pega no pão com as suas mãos, debruça-se sobre o altar e pronuncia essas palavras, a autoridade do corpo é revelada.
O Pe. Paul Scalia é sacerdote na diocese de Arlington, pároco da Igreja de Saint James em Falls Church e delegado do bispo para o clero.
(Publicado pela primeira vez no domingo, 25 de Agosto de 2024 em The Catholic Thing)
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