
Anja Hoffmann, com quem me encontrei na semana passada em Viena, é a directora do Observatório da Intolerância e da Discriminação contra os Cristãos na Europa (OIDAC). No mundo anglófono, a palavra “observatório” é normalmente reservada para a ciência da astronomia. Mas noutros lugares – como é o caso do OIDAC, sediado em Viena, e de várias organizações semelhantes noutros países – denota uma espécie de observador permanente e sistemático, uma instituição que vigia muito atentamente e informa sobre o que se passa. E o que o OIDAC tem observado ultimamente deveria ser chocante, não só para os cristãos preocupados com os seus semelhantes, mas também para todas as pessoas de boa vontade que sentem que as sociedades tolerantes e pluralistas que outrora habitámos no Ocidente estão rapidamente a desaparecer.
O OIDAC registou acontecimentos dignos de nota, especialmente na Europa, o coração histórico do cristianismo, que estão a ocorrer por um par de razões.
Em primeiro lugar, como qualquer pessoa que esteja vagamente atenta sabe, o grande afluxo de muçulmanos de África e do Médio Oriente trouxe o tradicional antagonismo islâmico contra os cristãos para o coração de antigas nações cristãs. Por exemplo, acabámos de assinalar o martírio, em julho de 2016, do Padre Jacques Hamel, um padre francês que foi decapitado por dois muçulmanos de 19 anos, radicalizados pela propaganda do ISIS.
O Padre Hamel tinha uma relação de amizade com o imã local que presidia ao conselho muçulmano regional e não se sabe por que razão os dois adolescentes decidiram atacá-lo em particular. O sacerdote tinha oitenta anos, estava formalmente reformado e, por acaso, estava a ajudar naquela manhã numa pequena paróquia da Normandia. Mas eles atacaram-no. Decapitaram-no brutalmente. Entraram quando ele estava a celebrar missa e fizeram-no refém, juntamente com mais cinco pessoas, dois leigos e três religiosas, algumas das quais também ficaram feridas. As suas últimas palavras terão sido “Va-t’en, Satan!” “Vá de retro, Satanás”.
O Papa Francisco proclamou-o imediatamente “mártir de Cristo, no altar. Ele foi decapitado na Cruz, enquanto celebrava o sacrifício da Cruz de Cristo [a missa]”. O Papa também deu instruções para que imagens de Hamel fossem colocadas em locais públicos.
A fundação Ajuda à Igreja que Sofre, nos Estados Unidos, pediu-me para escrever um livro sobre os mártires católicos do século XXI, sobretudo porque o Vaticano está a planear um evento em maio de 2025 para os recordar, no âmbito das celebrações do Ano Jubilar. É por isso que tenho estado a reunir-me com Anja Hoffmann e outros.
Estou já profundamente embrenhado no livro, apreciando a coragem dos muitos católicos e outros cristãos que enfrentam perseguições e mortes violentas todos os dias, em todo o mundo – e que, no entanto, persistem. Mas, como mostra o caso do Pe. Hamel, o martírio assumiu formas diferentes nas condições actuais.

Em 2000, escrevi um livro semelhante sobre os mártires e, nesse ano, entreguei um exemplar ao Papa João Paulo II para as comemorações que ele promoveu de todos os mártires cristãos do século XX no Coliseu. Já nessa altura, o Papa sentiu a necessidade de fazer circular a noção dos nuovi martiri, os “novos mártires” que morrem pela Fé – mas de formas diferentes das que conhecemos no passado.
Por exemplo, os padres e os funcionários seculares católicos têm sido alvo em muitos sítios, quando procuram proteger os seus povos das redes criminosas nacionais e internacionais. Foram assassinados na Sicília, no México, na Colômbia e em muitos outros países pelas suas actividades na tentativa de promover o Estado de direito e a paz nas suas comunidades – o que consideram parte da sua vocação como católicos. Mortes nobres, sem dúvida, e – no entender de João Paulo II – o tipo de coisa que nos deu “novos mártires”.
A grande maioria dos mártires católicos do século XX foram vítimas de regimes totalitários – fascistas, nazis, mas sobretudo comunistas de vários tipos. Os massacres levados a cabo pelos marxistas parecem ter escapado à atenção dos muitos jovens que hoje em dia namoriscam, e mais do que namoriscam, o marxismo e o socialismo.
Esses ultrajes patrocinados pelo Estado continuam, é certo, na China, no Vietname, na Nicarágua, na Venezuela e noutros países. Mas há outra grande categoria de mártires a emergir neste século.
O Papa Francisco alargou a lista de coisas que podem ser tidas em conta na consideração sobre o martírio e a santidade aos casos daquilo a que chama oblatio vitae (“a oferta gratuita da própria vida”, normalmente no calor do momento). Francisco declarou imediatamente o Padre Hamel mártir porque as circunstâncias actuais são tais que muitos católicos, mesmo nos chamados países desenvolvidos, se expõem a riscos – e sabem-no – só para fazer coisas comuns para católicos habituais, como ir à missa.
Em França, outros fiéis foram esfaqueados até à morte. E, de acordo com o último relatório do OIDAC, entre 2022 e 2023, registaram-se quase 800 incidentes, só na Europa, de ataques anti-católicos, igrejas incendiadas, ataques a procissões públicas e muito mais. E não apenas por muçulmanos, mas também por grupos “antifa”, pró-aborto, activistas LGBT e outros.
É claro que não se ouve falar muito disto nas notícias. E é aí que surge o segundo problema. Porque a maioria dos jornalistas ocidentais acredita que a Igreja Católica prega o “ódio”. Concretamente: a Igreja opõe-se ao “direito de escolha” das mulheres, considera imorais os actos sexuais LGBT+ e acredita que “homem e mulher, Deus os criou”.
Somos o equivalente imoral – para eles – do Ku Klux Klan. E quem é que se importa com o que acontece aos malvados klansmen?
É sempre bom aprender sobre mártires, confessores e outros que sofreram pela verdade. É uma das formas de aprendermos o que significa a vida cristã – a vida humana vivida em plenitude. Mas estes exemplos das últimas décadas não são apenas motivo de admiração e imitação. Apelam à acção na América e noutras nações, e ainda nas instituições internacionais. Porque toda a gente fala de liberdade de consciência e de liberdade religiosa, mas muito menos são os que trabalham para tornar esses ideais reais. E não apenas em lugares distantes, onde as culturas e os governos são diferentes dos nossos. Mesmo aqui, nas nossas nações ricas, democráticas e “tolerantes”.
A linha da frente está agora em todo o lado.
Robert Royal é editor de The Catholic Thing e presidente do Faith and Reason Institute em Washington D.C. O seu mais recente livro é A Deeper Vision: The Catholic Intellectual Tradition in the Twentieth Century, da Ignatius Press. The God That Did Not Fail: How Religion Built and Sustains the West está também disponível pela Encounter Books.
(Publicado pela primeira vez na Segunda-feira, 5 de Agosto de 2024 em The Catholic Thing)
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