“De cada dia” ou “Supersubstancial”? Qual destas palavras traduz melhor o grego “epiousios” no Pai Nosso? Estamos mais familiarizados com “de cada dia”, que se refere ao nosso alimento básico. “Supersubstancial” aponta para um dom extraordinário, precisamente o oposto (aparentemente) de “de cada dia”. Tinha de ser Bento XVI a resolver a questão, observando que a vivência diária da vida cristã requer um alimento supersubstancial.
De cada dia e supersubstancial. Quotidiano e milagroso. Passa-se algo semelhante no relato do passado domingo da multiplicação dos pães e dos peixes. Trata-se de um evento extraordinário, tão importante que aparece em todos os Evangelhos (Mateus 14, 13–21; Marcos 6, 32–44; Lucas 9, 10–17; João 6, 1-15). Ao mesmo tempo chama a atenção para aquilo que é comum na vida cristã. É um milagre supersubstancial que nos ensina sobre a devoção diária. Especificamente, trata-se de um milagre Eucarístico que sublinha aquilo que é normativo para a devoção Eucarística.
Primeiro, a dependência em Cristo. Apesar de João não o referir, os outros evangelistas dizem-nos que as multidões seguiram Jesus até um “lugar deserto”. Seguem-no até um local onde se confrontarão com a necessidade, um lugar para além dos seus recursos e capacidades. Assim também, o cristão. Ser alimentado pela Eucaristia (por oposição apenas a receber a Comunhão) requer que nos coloquemos em primeiro lugar numa posição de necessidade dele, que nos tornemos dependentes dele. A Eucaristia alimenta-nos na medida em que dela dependemos.
Isto significa seguir Cristo para onde quer que Ele nos conduza. Administrada aos moribundos, a Eucaristia ganha o nome de viaticum, alimento para a viagem. Na verdade, destina-se sempre e só àqueles que estão de viagem. Não alimenta aqueles que estão contentes por permanecer no mesmo lugar, mas apenas os que estão decididos a seguir Cristo, mesmo que seja até aos lugares desertos.
Em segundo lugar, a aceitar o seu ensinamento. Na narrativa de Marcos, que escutámos no domingo anterior, ouvimos que quando Ele viu as multidões, ensinou-lhes “muitas coisas”. A multidão acolheu as suas palavras antes de receber o pão milagroso. Acreditaram antes de serem alimentados, e foram alimentados porque acreditaram. Toda a cena tem a mesma estrutura da Missa: primeiro a Liturgia da Palavra e depois a Liturgia Eucarística. E a ponte entre as duas é o Credo, a profissão da Fé. Porque a Fé precede e prepara a Comunhão.
Terceiro, confiar-lhe a nossa insuficiência. Jesus perguntou a Filipe: “Onde podemos comprar pão suficiente para eles comerem?”. Ele não pergunta porque precisa de resposta, mas porque agora nós precisamos de reflectir sobre a questão. Ele já tem o milagre em mente. Faz a pergunta para demonstrar que aquilo que é preciso fazer está para além do poder humano – e ao mesmo tempo convida à colaboração humana. André aparece para salvar a situação com o menino heroico que oferece o pouco que tem ao Senhor. “Está aqui um menino com cinco pães de cevada e dois peixes. Mas o que é isso para tanta gente?” Este diálogo captura tanto a escassez dos recursos dos apóstolos, como o desejo de Jesus para os usar.
Todos os dias, Jesus pede-nos que lhe demos a nossa insuficiência. A obra que ele procura fazer dentro de nós e por nós está para além da nossa compreensão e do nosso poder. Mas Ele também deseja tornar-nos colaboradores na obra da salvação. Ele quer que nós demos o pouco que temos para que Ele possa alcançar grandes coisas.
Imaginem que aquele menino se tinha recusado a dar os seus cinco pães e dois peixes? Imaginem que ele tinha olhado em redor, visto que estavam num lugar deserto e que a multidão era grande, e pensado: “É melhor não perder de vista o que é meu”. Sem essa fraca contribuição não haveria milagre. Sem essa dádiva da nossa insuficiência, Ele não tem nada com que trabalhar nas nossas vidas.
Na Missa, o Senhor convida-nos a unir as nossas orações ao seu sacrifício. Essas orações são tão insuficientes como os pães e os peixes do menino. Mas unidas ao sacrifício de Cristo na Missa, assumem outro poder. As nossas orações – insuficientes por si – tornam-se superabundantes através das mãos do sacerdote.
Finalmente, guardar a graça que Ele nos dá. Depois de Ele ter feito este incrível milagre, Jesus diz aos apóstolos: “Recolhai os pedaços que sobraram, para que nada se perca!” Pensar-se-ia que aquele que consegue fazer tais milagres não se preocuparia com migalhas. Mas a ordem está lá, e é uma lição para nós. Porque corremos o risco de sermos descuidados e negligentes com os dons da sua graça.
Recolhai os pedaços que sobraram. A maioria de nós não junta os “fragmentos” da Santa Comunhão. Saímos da Missa a correr sem pensar duas vezes naquilo que acaba de acontecer e no que aconteceu. Assim, perdemos muita da graça da Comunhão. A Hóstia não é um comprimido de energia espiritual que funciona autonomamente apenas porque a recebemos. A Eucaristia é alimento espiritual que requer exercício espiritual para poder melhorar a nossa saúde.
Isso significa que devemos guardar tempo depois da Comunhão para dar graças. Não é apenas uma questão de bons modos. É também a forma como asseguramos e assimilamos a graça que nos é dada. O fiel que se esquece do que aconteceu não beneficia das graças eucarísticas que lhe são oferecidas. Apenas aquele que dá graças – que recolhe os pedaços que sobraram – é que incorpora este dom cada vez mais na sua vida diária. Esse fiel passa a viver do pão que é ao mesmo tempo de cada dia, e supersubstancial.
O Pe. Paul Scalia é sacerdote na diocese de Arlington, pároco da Igreja de Saint James em Falls Church e delegado do bispo para o clero.
(Publicado pela primeira vez no domingo, 28 de Julho de 2024 em The Catholic Thing)
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