O outro dia alguém me perguntou se só os “santos” reconhecidos como tal estão no Céu. Perguntam-me muitas vezes o mesmo. Às vezes a questão é posta desta forma: “Então é possível que a minha avó Beta esteja no Céu, apesar de não ser santa?” – sendo que o subtexto parece ser “não é santa, e definitivamente não era santa”. Estamos perante duas questões diferentes, por isso vejamos uma a uma.
Penso logo o que é que as pessoas pensam que os santos eram em vida. Parece haver uma presunção de que os homens e as mulheres que agora reconhecemos como “santos” eram todos discretos, limpinhos, bem-postos e beatos. Mas a maioria dos santos eram tudo menos “santinhos”, no sentido do que esperamos ver nas esculturas góticas e nas pinturas renascentistas, pessoas em profunda oração, ou caminhando com os olhos postos no Céu, mesmo quando estão a ser perfurados com ferros em brasa. Pessoas que; nunca disseram palavrões; que nunca se enfureceram; que nunca tiveram dúvidas; que nunca tiveram maus pensamentos.
Só pode pensar assim quem nunca leu uma biografia real dos santos. Basta saber um pouco da vida de São João Baptista, de São Jerónimo, Santa Catarina de Sena, ou de Santa Teresa de Calcutá, para dizer apenas alguns. Todos foram (e são) santos, mas nenhum encaixa no estereótipo.
Por isso, se a avozinha Beta não vos parecia ser muito beata, isso não significa que não possa, ou não esteja mesmo, a contemplar a Visão Beatífica. Nenhum de nós chega ao Céu porque merece. A salvação é um dom da graça, que nos foi conquistada pelo sacrifício de Cristo. Não andamos a coleccionar boas obras que Deus é obrigado a reconhecer para nos deixar entrar. Pelo contrário, as boas obras em si são já dom de Deus. São uma antevisão do Céu.
“Mas a avozinha não era propriamente São Francisco”, dirão. (E quem de entre nós é?) E ninguém fala da Santa Beta como fala de Santa Teresa de Ávila. Isso pode bem ser verdade, mas não significa que a Avó Beta não esteja na presença de Deus com todos os outros santos cujos nomes não conhecemos. E há muitos santos – incluindo alguns que veneramos frequentemente – cujos nomes não conhecemos. Pensem, por exemplo, em São Paulo Miki “e companheiros” ou São Carlos Lwanga “e companheiros”. Quem eram estes companheiros?
Eu costumo brincar e dizer que era mesmo típico que se eu calhasse ser martirizado, seria provavelmente junto com uma pessoa muito santa. Então, eu passaria a ser conhecido pelas futuras gerações apenas como um dos “companheiros” de “São Salvatore Cordileone e companheiros”. E então numa qualquer sala de aula numa escola católica do futuro, uma criança curiosa perguntaria a uma freira: “Quem eram os companheiros?” e a resposta seria: “Ninguém sabe”.
“Sim, mas pelo menos estaria no Céu!”, dirão vocês. É verdade, e claro que quero muito que isso aconteça. Mas também acho que preferia não estar ao lado de um santo quando ele ou ela for martirizado. Sou um académico, prefiro apenas ler sobre estas situações.
Os santos cujos nomes conhecemos são aqueles cujas graças desempenham um papel público na Igreja, mas nunca ninguém disse que são os únicos no Céu, ou que são os únicos santos, sequer. Pensem no Dia da Mãe. Nesse dia podemos talvez ler um artigo sobre uma mãe, ou várias, que são especialmente fantásticas. Tal como os santos, essa mãe terá certamente muitos pecados, mas reconhecemos as suas virtudes e o seu amor porque os queremos honrar, e queremos que os outros a possam honrar à sua maneira.
Quando honramos essa mãe em particular sabemos que existem dezenas de outras mães pelo mundo que trabalham de forma discreta e generosa, amando e servindo as suas famílias e vizinhos, usando os seus talentos para servir a Deus no mundo e no local de trabalho de formas que os seus próximos poderão conhecer, mas que o mundo em geral nunca ouvirá falar.
Em todas as áreas da vida há pessoas que fazem uma diferença discreta nas vidas dos outros e que nunca vão receber qualquer prémio, nem ser alvo de uma reportagem especial, nem receber distinções de universidades. Fica para outro dia um artigo sobre a quantidade de prémios que são atribuídos a quem não os merece. Interessa-lhe mesmo quem recebeu a Bolsa Rhodes, ou o prémio Génio MacArthur, quando vê a lista de galardoados?
Em “Um homem para a eternidade”, Tomás Moro pergunta ao jovem Richard Rich: “Porque não te tornas professor? Serias um óptimo professor, talvez até um grande professor”. Ao que Rich responde: “Mas se o fosse, quem saberia?”. Moro diz-lhe: “Tu, os teus alunos; os teus amigos; Deus. Não é um mau público, esse”.
Sim, tudo bem, mas, e a miragem da celebridade? Todos querem ser alguém, parte do grupo fixe, um dos que são “vistos” e “reconhecidos”, alguém que “faz a diferença” no mundo. Não querem ser um ninguém, um qualquer entre a gentalha.
Quando os meus alunos dizem que querem fazer a diferença no mundo, recordo-os que Hitler fez a diferença no mundo. Não foi uma diferença boa, mas foi uma grande diferença. Depois peço que leiam sobre a pequena aldeia em França (Le Chambon) onde os habitantes, cujos nomes nunca terá ouvido, salvaram milhares de judeus durante a Segunda Guerra Mundial. Eles fizeram a diferença, o tipo de diferença que Deus queria que fizessem.
E então recordo-os também que, décadas mais tarde, provavelmente não conhecerão o nome de praticamente nenhuma das grandes figuras que dominaram o Século XX (excepto o de Hitler), nem de qualquer imperador japonês, ou rei africano. Mas continuaremos a venerar São Paulo Miki e companheiros, e São Carlos Lwanga e companheiros. Sabemos que eles ainda vivem. Mas podemos dizer o mesmo dos reis e imperadores que caminhavam pelo mundo como se fossem Deuses? Onde estão eles agora?
Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na quarta-feira, 10 de Julho de 2024)
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