
A minha sobrinha terminou o liceu no passado mês de Maio. Ela nasceu em 2005, o mesmo ano em que morreu o Papa São João Paulo II. É estranho pensar que ela nasceu três meses depois de o grande santo ter entrado para a eternidade. Já passou tanto tempo? Será que uma geração de jovens – um grupo demográfico que João Paulo II tanto amava – cresceu sem a sua valiosa presença?
Estas perguntas geram outras, maiores.
Perguntei à minha sobrinha sobre o testemunho de “João Paulo II”. Respondeu, inocentemente, “João Paulo Quem?”. Esta jovem rapariga não tinha conhecido esta grande figura como Papa durante a sua vida, mas também nunca aprendeu nada sobre ele enquanto professor e santo (para além de algumas referências fugazes feitas pelo seu tio padre).
O que é que aconteceu ao legado do Papa São João Paulo II? Deixámos mesmo que um testemunho de fé tão robusto e vivo se apagasse da memória viva? O secularismo está a consumir a credibilidade da Igreja e a desgastar a sua influência para convencer a humanidade a crer no Evangelho. Perante isto, estaremos mesmo a desperdiçar a vida de um homem santo que se revelou capaz de contrariar os esforços secularistas, revelando a beleza e a liberdade de uma vida vivida abundantemente em Jesus Cristo?
Esta é uma tendência canibal e contraintuitiva em relação ao mandamento de evangelizar todas as nações. À luz desse grande mandamento, parece tontice descartar qualquer recurso que possa dar à Igreja a oportunidade de ser ouvida, de anunciar o Evangelho e de conduzir a humanidade à salvação em Jesus Cristo.
Das trincheiras da evangelização temos, por isso, de fazer uma pergunta sincera: o desaparecimento do legado de João Paulo II é um acto de omissão ou é propositado?
Será possível que deixámos que o testemunho de um grande santo – tão necessário nos dias de hoje – fosse ofuscado propositadamente por conflitos eclesiais e desacordo sobre abordagens pastorais? É viável que a inveja, ou um espírito de intimidação à sombra do legado enorme de João Paulo II seja também um factor que explique a negligência voluntária na promoção e exposição da vida e do património deste grande santo?
Num tempo em que a liberdade se esqueceu da verdade, e em que o amor foi redefinido para fugir à bondade, precisamos dos ensinamentos capazes de um crente que conheceu e sabia como lidar com regimes e ideologias que manipulavam a linguagem, degradavam a identidade espiritual do homem e nos tentaram convencer que a vida não passa de utilidade, prazer ou poder. Temos de conhecer o diálogo entre a fé a razão, o esplendor da verdade, a teologia do corpo e a catequese de caridade que foram tão claramente ensinadas e acreditadas por João Paulo II.
Numa época em que a barbárie voltou a ganhar espaço, em que crescem os ataques à dignidade humana, em que os vulneráveis se tornam presa fácil, precisamos mais do que nunca da orientação pastoral deixada por um crente que desafiou todas as expectativas e anunciou e defendeu corajosamente a dignidade de cada ser humano. Precisamos de João Paulo II para nos ensinar sobre a nossa doutrina social e especificamente sobre o Evangelho da Vida. Precisamos do seu testemunho e da sua obra de ensinamentos para nos mostrar como viver e promover uma cultura da vida.
Num tempo em que se prega à humanidade que não existem absolutos morais, nenhum chamamento à virtude, nenhuma capacidade para a bondade, e que a humanidade é definida apenas pelos seus próprios pecados e fragilidade, precisamos – e com urgência – de misericórdia, cura e conversão. Precisamos da força para reconhecer os nossos pecados, confessá-los diante de Deus, e de conhecer a misericórdia do Senhor Jesus e o renascimento que ele nos oferece no seu Preciosíssimo Sangue. Precisamos dos ensinamentos de João Paulo II sobre penitência, misericórdia e a sua orientação inequívoca de como viver como filhos de Deus.
Numa época em que a família humana perdeu a esperança, precisamos do grande testemunho da esperança, João Paulo II, e da sua total confiança de que cada um de nós pode viver o Evangelho de forma autêntica e total e que a humanidade pode construir uma verdadeira civilização do amor.

À medida que o Vaticano II desaparece do palco eclesiástico, precisamos de João Paulo II, a voz do Padre Conciliar e Intérprete do Vaticano II. Precisamos da perspicácia e da sabedoria de um dos Papas com maior pontificado da história da Igreja. Precisamos da orientação de João Paulo II ao longo da rota da Igreja hoje.
Precisamos de João Paulo II!
Em vez de diminuir o seu legado e património, os líderes da Igreja e influenciadores culturais fariam melhor em aproximar-se dele, procurar a sua amizade espiritual e deixarem-se guiar ou orientar pelas suas instruções. Uma boa liderança reconhece que assenta sobre os ombros de um gigante. A liderança forte convive bem com o estar à sombra da grandeza e regozija no testemunho e nos ensinamentos que foram oferecidos e no caminho estimado que já foi trilhado por alguém grande.
Quando é que o título de “Magno” se tornará a nomenclatura normal para João Paulo II? E quando é que começa o processo para que este discípulo devoto do Senhor, este eminente professor da verdade, amante da verdade, admirador de beleza, defensor de bondade, arauto da misericórdia, campeão da dignidade humana, guardião da família, amigo dos jovens, pai dos vulneráveis e companheiro dos pobres seja declarado o trigésimo-oitavo Doutor da Igreja?
Estes esforços a nível universal e a utilização do seu testemunho e dos seus ensinamentos na catequese e na pregação popular conduzir-nos-ão ao dia em que, quando perguntarmos a um jovem cristão sobre João Paulo II a resposta deixará de ser um desapontante “João Paulo quem?” e será algo como “Adoro João Paulo II! Rezo por intercessão dele e sei que ele acredita em mim. Gosto imenso do que ele escreveu sobre a misericórdia” … ou dignidade humana… ou amor… ou o que quer que seja do rico património que ele nos deixou.
Pe. Jeffrey Kirby, STD, é teólogo moral e pároco de Our Lady of Grace em Indian Land, Carolina do Sul. Tem um programa devocional chamado The Morning Offering with Father Kirby e é autor de vários livros, incluindo Kingdom of Happiness: Living the Beatitudes in Everyday Life.
(Publicado pela primeira vez no Domingo, 7 de Julho de 2024 no The Catholic Thing)
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