
Vamos começar com um jogo: Quem escreveu estas palavras?
De facto, a insanidade da doutrina cristã da redenção não tem cabimento no nosso tempo. Não obstante, há homens sábios, educados, que ocupam altas posições na vida pública e que se agarram a ela com a fé de uma criança. É simplesmente incompreensível como alguém pode considerar a doutrina cristã da redenção um guia para as dificuldades da vida moderna… Enquanto os cientistas mais sábios e inteligentes se esforçam a vida toda para estudar apenas uma das leis da natureza, um pequeno pároco julga-se numa posição para poder tomar decisões sobre estes assuntos com base no seu conhecimento religioso. Tal exibição atroz apenas se pode contemplar com desprezo. Uma Igreja que não se mantém a par do conhecimento científico moderno está condenada.
Soa-vos familiar? Deveria. Certamente estas serão as palavras de um dos novos ateus famosos como Richard Dawkins, Sam Harris, ou Daniel Dennet. Ou será que foram escritos por professores de Harvard ou de Yale? Ambas as hipóteses seriam plausíveis, mas ambos estão errados.
Pensem antes no propagandista nazi Joseph Goebbels, que os escreveu no seu diário, na década de 1930.
Sim, eu sei que a nossa realidade em 2024 está muito distante da Alemanha dos anos 30. E sim, claro, sei que aquilo que aconteceu lá não pode acontecer aqui. A história não se repete. Mas também não é preciso, porque os padrões do pensamento e comportamento humanos que fazem a história estão sempre a repetir-se.
Já vivemos num estado de vigilância. Na China é mesmo a política do Estado. Connosco é um projecto comunitário. A nossa versão é mais subtil do que os precedentes, mas é também mais invasiva e rigorosa, e cada vez que endossamos a nossa privacidade, fazendo download de uma nova aplicação para o telefone ou para o computador, tornamo-la mais forte.
Vale a pena recordar que não foi assim há muito tempo que uma brigada da FBI tomou de assalto a casa de um pai de família pró-vida – Mark Houck – com acusações de agressão pelas quais já tinha sido ilibado localmente, e pelas quais foi prontamente ilibado de seguida em tribunal federal. O bullying é já a metodologia por defeito dos nossos governantes “iluminados”.
Mas onde é que eu quero chegar com isto?
Esta Primavera marca o 90º aniversário da Declaração de Barmen. É compreensível que isso não vos diga nada. Nós tendemos a não saber muito de história, especialmente quando envolve eventos para além das nossas fronteiras. Eis o contexto: Em Maio de 1934 a Liga de Emergência de Pastores (Protestantes) da Alemanha organizou um sínodo na cidade de Barmen. Daí surgiu a declaração. Redigida em grande medida pelo teólogo Karl Barth, tratava-se de um forte repúdio dos esforços do Cristianismo alemão de aceitar e afirmar o Nacional Socialismo.
Embora escrita de forma poderosa, a declaração parecerá largamente irrelevante para os católicos actuais. As nossas circunstâncias são muito diferentes da crise protestante alemã que ocorreu há quase um século. Mas o texto de Barmen marca também o nascimento do movimento da “Igreja Confessante” da Alemanha, que foi cofundada e conduzida de forma apaixonante por Dietrich Bonhoeffer. E é aí que se encontra uma lição que transcende o tempo e as fronteiras.
A palavra “confessar” pode ser usada de muitas formas. Confessamos os nossos pecados, mas também confessamos a nossa fé em Jesus Cristo e na sua Igreja. No baptismo os cristãos tornam-se “confessores” por natureza. É a nossa vocação. É suposto testemunharmos, ou confessarmos a nossa fé através do exemplo das nossas vidas, naquilo que dizemos e naquilo que fazemos.

Em 1933 o Vaticano assinou uma Concordata com o III Reich que, teoricamente, protegia os católicos alemães e os seus interesses. Em 1934 os nazis já a estavam a violar. O objectivo da Declaração de Barmen de 1934, e da Igreja Confessante da Alemanha, era de oferecer um contratestemunho poderoso à nazificação da Igreja Evangélica Luterana oficial do Estado, e de outras comunidades protestantes. O Papel de Bonhoeffer na Igreja Confessante acabou por conduzi-lo à resistência aberta ao regime nazi, e à sua execução por enforcamento apenas algumas semanas antes do fim da II Guerra Mundial.
Hoje vivemos tempos e desafios diferentes. Mas talvez não tão diferentes como poderíamos pensar. Ao longo dos quase três anos em que trabalhei no meu livro “True Confessions”, que foi publicado há dias; encontrei uma grande quantidade de boa-vontade, zelo e esperança entre fiéis Católicos americanos.
Mas a palavra chave dessa frase é “fiéis”. Afirmar ser católico enquanto conformamos obedientemente as nossas vidas a uma cultura que despreza a Palavra de Deus e viola a nossa fé, é simplesmente uma forma conveniente de nos enganarmos a nós mesmos e a todos os outros. É uma anestesia útil para as nossas consciências.
Mas não se pode enganar Deus. Temos de nos lembrar de quem somos, a quem servimos e porque estamos aqui como cristãos. Temos de ser confessores de Jesus Cristo e da sua Igreja. Todos os dias, todo o dia. Em tudo.
Como me disse um dos bispos que entrevistei:
Eu cresci numa cultura católica libertadora e extraordinariamente acolhedora. Mas isso já não existe. Já não podemos contar com a cultura para apoiar a vida cristã. O que temos agora no nosso país é, na melhor das hipóteses, uma tolerância pela religião enquanto passatempo pessoal para pessoas supersticiosas e fracas que se agarram aos seus sonhos de infância. Na pior das hipóteses estamos a lidar com verdadeiro ódio e discriminação aberta para com a fé religiosa. O que não deixa de ser irónico, porque não existiu um único movimento de reforma progressista na história dos Estados Unidos que não tenha nascido da religião. Estamos quase a chegar aos dias da Revolução Francesa. Temos um grupo de jacobinos acelerados a gerir a sociedade e que pensam verdadeiramente que devia ser o Governo a controlar tudo… Nunca pensei que voltaria a colocar a oração de São Miguel Arcanjo no espelho da minha casa de banho. Mas já o fiz. Hoje, rezo-a todos os dias quando faço a barba. O mal total e cru existe no mundo, e é a força mais potente do universo. Com uma excepção.
Dietrich Bonhoeffer tinha razão. O seu mundo precisava da Igreja Confessante, e ele estava disposto a arriscar a vida por ela. Os tempos mudaram. As circunstâncias mudaram. Mas a necessidade mantém-se.
A lição é simples: Temos de ser cristãos confessantes. E precisamos de uma Igreja Confessante.
Francis X. Maier é investigador senior em Estudos católicos no Ethics and Public Policy Center. O seu mais recente livro é True Confessions: Voices of Faith from a Life in the Church .
Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na quarta-feira, 28 de Fevereiro de 2024)
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