
Há alguns meses, tive a sorte de estar na capital da Eslováquia, Bratislava, outrora Pressburg, alojado na belíssima Cidade Velha, para falar numa conferência. Não uso o termo “encantadora” no sentido de bolo de noiva, a cidade encanta porque está intacta e como deve ser, não artificial nem falsa, uma cidade católica, na sua génese e na realidade.
Ao percorrer as suas ruas muito fáceis de caminhar (uma escapadinha de fim de semana seria ideal para ver tudo o que é essencial), percebe-se que muitas igrejas estão abertas e em funcionamento, das quais, ao domingo, numerosas famílias com muitos filhos saem para as pequenas praças. Ao contrário da sua vizinha República Checa, na Eslováquia a fé parece saudável, um sinal de encorajamento para quem acredita que qualquer renascimento da fé na Europa virá, em grande parte, das nações da Europa Central e de Leste.
A Catedral de São Martinho, no coração da Cidade Velha, é uma pequena joia gótica do século XV, simples e devota, dedicada a São Martinho de Tours, que a população reivindica como seu — o que é tecnicamente correcto, pois partes da Eslováquia pertenciam à antiga Panónia.
Esta catedral assistiu à subida e queda de reinos — os reis da Hungria foram ali coroados. Existe também um pequeno santuário dedicado ao último imperador Habsburgo, o Beato Carlos. Mas alguns dos seus cidadãos mais idosos assistiram igualmente aos horrores das duas ideologias ateias mais destrutivas jamais conhecidas: o nazismo e o comunismo. Ambos esses sistemas cruéis tentaram, como Herodes tentou e falhou, matar o rival do seu poder terreno, o verdadeiro Rei, cujo reinado não terá fim.
Quando o Evangelho estava prestes a ser proclamado nesse domingo, o órgão fez soar o prelúdio, uma aclamação, no verdadeiro sentido da palavra, dirigida a uma pessoa de grande dignidade, uma pessoa real. Era uma saudação à Palavra, que se manifestaria na Escritura e no Sacramento, de modo mais verdadeiro ainda na Sua Presença Real — o pão e o vinho transformados no Seu Corpo e Sangue. Continua a ser tão difícil discernir a Sua divindade nesses elementos como o foi reconhecer um bebé numa manjedoura, excepto com o dom da fé, concedido aos Pastores e aos Magos.
A catedral, como qualquer igreja, humilde capela ou mesmo, em caso de necessidade, uma mesa ou um altar improvisado, é Belém, a Casa do Pão, o palácio real do rei oculto.
Havia algo de profundamente apropriado naquele órgão triunfante. Como escreveu o Bispo Barron, durante o reinado de César Augusto, trombetas e aclamações saudavam aquele que era considerado o rei do mundo conhecido. No entanto, em silêncio, na “plenitude dos tempos”, o verdadeiro Rei aparece, não aclamado por trombetas ou órgãos, desconhecido, mas reconhecido e adorado por rudes pastores e por sábios buscadores vindos do Oriente.
Ele não tem um exército terreno, mas algo muito maior: o exército da milícia celeste. Os grandes e os respeitáveis, se chegam sequer a ouvir falar do acontecimento, riem-se dele com desprezo — uma reacção muito contemporânea ao Evangelho. Contudo, a história, como disse Chesterton, é “tão simples que pode ser compreendida pelos pastores, e quase pelas ovelhas”.

Deus confunde a sabedoria do mundo com a Sua loucura escondida. “Veio para os Seus, e os Seus não O reconheceram.” Porque não O reconheceram, Aquele que todos os profetas tinham anunciado?
Foi em parte o “mistério da iniquidade”, certamente, e a extraordinária simplicidade do Seu nascimento. Mas há mais: um Deus tão próximo, tão fraco, tão indefeso, é quase demasiado para aceitar e, por isso, parece contradizer a ideia de omnipotência divina.
Ainda é moda, entre certos críticos ultrapassados do Cristianismo que ainda não perceberam que as suas ideias outrora em voga já passaram de moda, afirmar que, como as lendas e mitos pagãos incluíam relatos de um nascimento virginal ou da aparição de um deus em forma humana, isso prova que o Natal não passa de mais uma dessas histórias. Hilaire Belloc, que perfurava a pompa e o falso intelectualismo com a arma da sua pena, observou com grande precisão: “Estas não são lendas pagãs transformadas. São pressentimentos pagãos herdados.”
Como São Paulo identificou na sua evangelização no Areópago, o Deus Desconhecido ali venerado tinha sido revelado na pessoa de Jesus Cristo. As lendas, mitos e fábulas pagãs tinham preparado o mundo, durante milénios, para a realidade da Encarnação.
A Encarnação, como escreveu a teóloga alemã Ida Görres, tinha sido “mil vezes intuída, pressentida, suposta”, pelos pagãos e por aqueles que aguardavam o Messias; mas, na humildade da Sua morada, talvez a realidade tenha superado as expectativas.
Tal como nas imagens pagãs, dizia São Pedro Crisólogo, feitas porque “queriam ver com os próprios olhos aquilo que adoravam”, o desejo de conhecer na carne o Criador das estrelas da noite faz parte da feliz culpa de Adão. Ainda hoje, não devemos ser demasiado duros com aqueles que procuram, embora de forma errada e muitas vezes no lugar errado, Aquele que desejam tocar e abraçar.
A gloriosa história que será contada nas Missas de Natal ao longo desta semana e nos dias que se seguem — uma progressão tão necessária de festa e celebração — é que Aquele que foi intuído deu, como escreveu Görres, “um passo para o visível, para ser ouvido pelos ouvidos e tocado pelas mãos”.
Esta é a Boa Nova, sempre antiga e sempre nova, que deve ser novamente proclamada pela Igreja com paixão e poder, sobretudo quando ouvimos falar de novos buscadores da verdade. Deus, para além dos nossos sonhos mais ousados, veio até nós, não em triunfo, inacessível, tremendo e distante, mas no choro de um bebé numa manjedoura.
Ele vem, uma vez mais, para ser visto, tocado, adorado e recebido, na Sagrada Eucaristia, o Rei escondido no Seu palácio. Como disse Bento XVI: “Não pode haver fonte mais luminosa de alegria” — uma alegria intuída e tão necessária, a própria essência de qualquer Nova Evangelização — “para os seres humanos e para o mundo, do que a graça que apareceu em Cristo.”
Benedict Kiely é padre do Ordinariato de Nossa Senhora de Walsingham e fundador da Nasarean.org, que presta auxilio a cristãos perseguidos.
(Publicado pela primeira vez na terça-feira, 21 de Dezembro de 2025 em The Catholic Thing)
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