
A história assombrosa de Lázaro e do homem rico (Lucas 16, 19-31) é mais bem compreendida quando vista ao contrário, pela perspectiva de onde eles se encontram no final da história. O estatuto de cada um na vida depois da morte – o sofrimento do rico e a paz de Lázaro – revela a realidade de quem eles são. Sem os adornos, roupagens e disfarces deste mundo, vemos a pobreza do rico e a fortuna de Lázaro. Mas o que vemos melhor ainda é a ameaça da riqueza.
Esta é uma parábola sobre os perigos da riqueza. Não sobre o mal dos bens criados ou das posses. Os bens mundanos obviamente têm o seu lugar. Deus criou o mundo material para que reflectisse a sua glória. Devemos usar os bens da Criação para glorificá-lo e para beneficiar os outros. Nosso Senhor não é marxista, e a propriedade privada não é roubo. Por isso, o problema não é a fortuna do homem rico, per se.
Mas seria insensato pensar que não existe perigo na riqueza. Num mundo decaído, os bens criados tornam-se desproporcionalmente importantes. Passamos a confiar neles, e não no seu Criador. Na verdade, eles exigem de nós uma espécie de fidelidade, como descobriu o rico insensato (ver Lucas 12, 16-20). É por isso que Nosso Senhor nunca elogia a riqueza, mas apenas nos alerta para os seus perigos.
O primeiro perigo é a intemperança. A nossa natureza decaída impele-nos para usar os nossos bens não para a glória de Deus e benefício dos nossos vizinhos, mas para o nosso próprio conforto e luxo. Por isso, o homem rico mimava-se. Vestia-se de roupas finas e comia todos os dias de forma sumptuosa. Na primeira leitura de domingo, Amós critica os indulgentes “deitados em leitos de marfim, estendidos em sofás” que “bebem o vinho em grandes copos, perfumam-se com óleos preciosos” (Amós 6, 1, 4-7).
As suas posses tornaram-se um fim em si mesmos, não o meio pelo qual dão glória a Deus e fazem bem aos outros. A intemperança leva-nos a utilizar os dons de Deus não para o seu fim legítimo, mas para a nossa própria satisfação. O glutão come por prazer e não para o bem do seu corpo, o homem luxurioso procura o sexo apenas para gratificação e não por procriação ou união.
A intemperança conduz inevitavelmente ao conformismo. Novamente Amós: “Ai daqueles que vivem comodamente em Sião”. Este conformismo é um tipo de entorpecimento e cegueira, uma morte da alma para as coisas mais nobres e elevadas. É difícil elevar o coração e a mente quando o estômago está pesado com boas comidas e bebidas.

Assim, a crítica de Amós não é apenas para o luxo, mas para o seu efeito, porque entorpeceu as pessoas para aquilo que é importante. Já “não se compadecem da ruína de Jessé”. Isto é, não querem saber dos sofrimentos do seu próprio povo. Assim também no Evangelho, o homem rico nem repara em Lázaro. Não existe qualquer referência a interacção entre eles. A sua riqueza cegou-o para a própria existência e sofrimento de um homem como ele, deitado à sua porta.
Este conformismo revela-se sobretudo quando o homem rico suplica para poder regressar para avisar os seus irmãos, não vão eles sofrer o mesmo destino (uma vez que parece que gozam da mesma riqueza). Abraão responde: “se não ouviram Moisés e os profetas, também não serão persuadidos caso alguém regresse dos mortos”. Algo impede-os de ouvir – e de escutar – Moisés e os profetas. De facto, a riqueza e a luxúria entorpeceram-nos e cegaram-nos para o testemunho da Escritura e levaria as suas mentes a resistir sequer a um ressuscitado.
A riqueza não só nos leva a negligenciar os outros, mas também à própria verdade. A ligação às realidades criadas mantém a mente presa. A claridade exige o desapego dos bens mundanos. Mais uma vez, a parábola do rico insensato mostra-nos como a mente dos ricos se foca em manter e aumentar os bens materiais em lugar das coisas permanentes e das verdades eternas.
Diz-se que certa vez São Tomás de Aquino visitou São Boaventura no seu gabinete e perguntou-lhe qual era o livro que lhe dava tão boas perspectivas teológicas. Boaventura apontou não para um livro, mas para um crucifixo como sua inspiração. Trata-se de mais do que apenas uma história piedosa. Recorda-nos que o desapego do mundo é necessário para que se vejam todas as coisas com claridade, incluindo o próprio mundo. Há uma razão pela qual as reformas na Igreja começam com a pobreza. A riqueza cega-nos. O desapego clarifica a mente para ver o que deve ser mudado, e liberta a mente para o conseguir.
Por fim, a complacência conduz ao grave pecado da omissão. O homem rico não fez nada de mal a Lázaro. Não existe razão para pensar que o tinha roubado ou enganado de qualquer forma. Não troçou de Lázaro, nem o agrediu. Mas o ponto é precisamente esse. Não fez nada. Lázaro estava a sofrer – não numa terra distante, ou mesmo ao fundo da rua – e o homem rico nada fez. O efeito do pecado grave da omissão é facilmente resumido: se não cuidares do pobre, vais para o inferno.
Para evitar esse destino, temos de regressar à visão do homem rico na Geena. Aquilo que o levou lá foi a intemperança, o inconformismo, e finalmente a negligência. Que o Senhor nos livre dos tentáculos da riqueza, para possamos vê-lo claramente nos pobres, e servi-lo.
O Pe. Paul Scalia é sacerdote na diocese de Arlington, pároco da Igreja de Saint James em Falls Church e delegado do bispo para o clero.
(Publicado pela primeira vez no domingo, 28 de Setembro de 2025 em The Catholic Thing)
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