
No dia 9 de Junho celebrámos o memorial de Maria, Mãe da Igreja, uma solenidade relativamente nova para uma verdade teológica muito antiga. Até sábado passado o Vatican News, um site de notícias do Vaticano, continuava a exibir as obras de Marko Rupnik, que abusou sexualmente de quase trinta religiosas e que por alguma razão continua a exercer o sacerdócio, aparentemente protegido por alguém em Roma.
Algures entre sábado à noite e a manhã de domingo, essas imagens desapareceram, substituídas por um mosaico parecido com o “Mater Ecclesiae”, na Praça de São Pedro, que foi mandado colocar pelo Papa São João Paulo II em agradecimento a Nossa Senhora por lhe ter salvo a vida numa tentativa de assassinato.
Afinal não foi assim tão difícil substituir o insubstituível Marko Rupnik. E talvez isso seja sinal de que Roma tenha de lidar finalmente com este escândalo.
Mas levou também o biógrafo do Papa Francisco, Austen Ivereigh, a defender a arte de Rupnik. Ivereigh diz que se opõe ao “iconoclasmo” e explica que muitos outros santuários apenas “taparam” a arte de Rupnik, em vez de o remover. Numa comparação bastante forçada, ele argumentou ainda que tal como os sacramentos funcionam ex opere operato, também, mutatis mutandis, a obra de Rupnik tem valor independentemente dele.
Por onde começar?
O iconoclasmo condenava a arte visual em geral, não um artista em particular. Os iconoclastas não diziam para destruir os ícones gregos, mas manter os de Creta.
Quanto a cobrir obras de arte nos santuários, o que se pode dizer é que o maior encobrimento que vimos até agora foi no próprio Vaticano. Rupnik foi excomungado, depois reabilitado, embora não se saiba muito bem por quem. Foi resguardado de qualquer processo canónico subsequente até o Papa, depois de muito atraso, decidir pelo contrário. Os seus antigos colegas jesuítas lavaram as mãos dele, mas ninguém pareceu ver um problema com o facto de ele ser incardinado numa diocese na Eslovénia. E ainda não fazemos ideia quando é que o Cardeal Fernández e o Dicastério para a Doutrina da Fé vão apresentar um painel de juízes para o julgar.
Os santuários preferiram cobrir a arte de Rupnik, em vez de a remover? Sim, porque ao contrário de pinturas, a remoção de um mosaico não é um trabalho de cinco minutos ou de um só dia. Retirar um mosaico da parede de um santuário deixará – até que seja substituído – um espaço em branco de pedra crua.
Mas o pior dos argumentos em toda esta confusão é a invocação de Ivereigh do ex opere operato, um conceito da teologia sacramental que afirma que os sacramentos produzem efeito por si mesmos, e não em virtude de quem os administra.
O conceito surgiu – bem a propósito agora que temos um Papa Agostinho – de uma polémica nos tempos de Santo Agostinho. Durante uma das perseguições periódicas de cristãos no Império Romano, alguns padres no Norte de África apostataram. Perante a tortura e a ameaça de morte, negaram a fé. Quando a perseguição acabou, quiseram resumir o seu ministério sacerdotal. Alguns cristãos defenderam então que os sacramentos que administravam seriam todos inválidos, por causa do seu acto de apostasia anterior.
Santo Agostinho rejeitou este argumento. Cristo, dizia ele, é o verdadeiro ministro de todos os sacramentos. Os padres agem como alter Christus, em nome de Cristo. Mas o sacramento e os seus efeitos continuam a ser de Cristo. Se a eficácia do sacramento dependesse da rectidão moral do ministro, dado que somos todos pecadores, quem é que poderia continuar a administrar sacramentos validamente? Os sacramentos funcionam ex opere operato, “pela sua própria execução”, e não ex opere operantis, “pela obra do operador”.

Usar um princípio que tem a ver com as realidades sagradas – sacramentos instituídos por Cristo – e aplicá-lo a um qualquer produto humano roça o sacrilégio. Os sacramentos são, no final de contas, a obra de Deus e não do homem. Por detrás deles encontramos a sua fidelidade “por nós e para a nossa salvação”. Comparar o que é necessário para a nossa salvação com uma obra de arte é uma confusão indesculpável de realidades radicalmente diferentes.
Dostoyevsky disse que “a beleza salvará o mundo”. Mas ele estava a referir-se ao transcendente, e não a uma qualquer pintura de um artista. Menos ainda se referia a obras que retratam temas sagrados e que foram produzidas em contexto de abuso sexual, uma vez que ao contrário de outros artistas pecadores do passado, as vítimas de Rupnik têm dito que ele acreditava que os seus comportamentos desviantes contribuíam para o seu trabalho.
Eu sei o que Austen Ivereigh está a tentar dizer. Há artistas que são grandes pecadores. Caravaggio era um assassino e praticava actos homossexuais. Qual é a diferença?
Para começar, há uma diferença de 415 anos. Nenhuma das vítimas de Caravaggio está cá hoje para olhar para as suas obras. O assassinato que cometeu não foi em nome da sua arte (embora frequentemente pintasse para ganhar dinheiro para evitar ir para a cadeia). E tanto quanto sei nunca teve relações homossexuais num andaime enquanto pintava.
Se queremos mesmo ter uma discussão teológica sobre como abordar a obra de Rupnik, proponho olhar para 1 Coríntios 8, em que Paulo é questionado sobre se os cristãos podem comer carne sacrificada aos ídolos. O sacrifício de um animal diante de um ídolo pagão era uma forma de adorar esse ídolo; o consumo da sua carne representava, por isso, um acto de communicatio in sacris com o mesmo ídolo
Mas os sacrifícios produzem muita carne, mesmo depois de parte ter sido queimada diante da imagem, e de o sacerdote ter ficado com a sua parte. Muitas vezes o que sobrava era vendido no mercado do templo, e frequentemente a bons preços. Os cristãos podiam aproveitar-se desses bons negócios?
A resposta de Paulo é qualificada. Um pagão que acreditava mesmo (ou pelo menos esperava) na eficácia do sacrifício entrava em comunhão com o ídolo ao consumir a carne. Mas um cristão que acreditasse que estes ídolos eram falsos não estava implicado em communicatio in sacris, apenas queria um bom bife.
Mas a aprovação de Paulo não é sem reservas. Nem todos os cristãos vêem as coisas com tanta clareza. Alguns podem mesmo pensar que, ao comer a carne, estão a brincar com o fogo da idolatria. Tu podes não pensar assim, mas pode haver pessoas que discordam. O conselho de Paulo é para evitar o escândalo. Não ponhas a fé dos teus irmãos à prova ó porque sentes que a tua é forte. “Sabemos que todos temos conhecimento. Mas o conhecimento traz orgulho, enquanto o amor edifica” (1 Coríntios 8,1).
Assim, enquanto o consumo da carne pode ser lícito do ponto de vista teórico, o amor ao próximo sugere que devemos abdicar dos nossos direitos, evitando assim tornar-nos uma pedra de tropeço para os fracos. O site do Vaticano não parece ter tido esta preocupação. Ao persistir obstinadamente no uso da arte de Rupnik revelou-se duplamente desdenhoso: dos correligionários que se escandalizaram, e da liturgia, onde o enfoque no Rupnik parecia importar mais do que a celebração.
John Grondelski (Ph.D., Fordham) foi reitor da Faculdade de Teologia da Seton Hall University, South Orange, New Jersey. As opiniões expressas neste texto são apenas suas.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na terça-feira, 10 de Junho de 2025)
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