
É fácil pensar no Céu apenas como uma realidade espiritual, no qual estamos livres das dificuldades do trabalho físico e das tristezas da vida terrena. Mas não nos devemos esquecer que o Céu também é para os nossos corpos. Esperamos a ressurreição dos mortos e a vida do mundo que há de vir. A Solenidade da Ascensão recorda-nos de forma especial que devemos encarar – e usar – os nossos corpos com vista às coisas do alto.
A nossa humanidade não se compreende sem os nossos corpos. Claro que nos podemos imaginar (e infelizmente muitas pessoas hoje o fazem) apenas como mente, espírito ou “consciência” aprisionada numa jaula de carne.
Convencemo-nos que os nossos corpos não têm qualquer valor intrínseco acima do resto da matéria que constitui o nosso mundo. Tudo isto só tem o sentido que lhe atribuímos. Segue-se que nos imaginamos como sendo livres de manipular e usar toda esta mera matéria ao sabor da tecnologia ou do mercado em constante expansão.
A miséria causada por esta forma de nos vermos a nós e ao nosso mundo é incalculável. Este tipo de ethos incorpóreo até aparece em recantos da teologia moral católica, em que se diminui ou se rejeita a natureza concreta de certos actos deixando-nos apenas com a intenção para separar o bem do mal.
É um caminho tentador, e que se torna cada vez mais tentador à medida que aumenta o nosso poder de manipular o mundo material. É também tentador na medida em que não nos obriga a rejeitar Deus ou as realidades espirituais abertamente, mas apenas negar que a matéria tem o seu próprio sentido inato. Mas para o demónio é igual ao litro se negamos o criador ou a natureza da sua criação, ele está a marimbar-se para o facto de nos declararmos ateus ou não, desde que nos comportemos como tal.
“Na realidade”, como lemos no Gaudium et Spes, “o mistério do homem só no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente”. Este mistério do Verbo encarnado inclui mais do que apenas o momento em que o Verbo se torna carne no seio da Virgem Maria. Engloba mais, até, do que o nascimento, vida, paixão, morte e ressurreição de Jesus.
A Ascensão também é parte do mistério do Verbo Encarnado.
Nas palavras de Santo Agostinho, “a Ressurreição do Senhor é a nossa esperança; a Ascensão do Senhor é a nossa glorificação”.
Se o mistério do homem se esclarece apenas no mistério do Verbo encarnado, então a Ascensão diz-nos algo fundamental sobre a nossa própria humanidade e sobre os nossos corpos. Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, retém a plenitude da sua natureza humana. Sim, o corpo de Cristo é um corpo glorificado e ressuscitado, mas o corpo que ressuscitou de entre os mortos, o corpo que ainda mantém as marcas da Crucifixão, é o mesmo que ascende ao Céu. Cristo toma o seu lugar à direita do Pai não através do abandono do seu corpo, mas com o seu corpo.

Nas palavras do Papa São João Paulo II: “Por toda a eternidade, Cristo assume o seu lugar enquanto primogénito de entre muitos irmãos: em Cristo a nossa natureza está com Deus. E enquanto homem, o Senhor Jesus vive eternamente para interceder por nós junto do Pai. Ao mesmo tempo, a partir do seu trono de glória, Jesus envia para toda a Igreja uma mensagem de esperança e um chamamento para a santidade”. A partir do momento em que Cristo, que partilha a nossa natureza, está sentado no trono da glória, o horizonte contra o qual podemos compreender as nossas vidas e os nossos corpos altera-se de forma irrevogável.
Essa é a “mensagem de esperança” da Igreja – poder partilhar da glória do próprio Cristo – mas como é que isso constitui, como disse João Paulo II, “um chamamento para a santidade”? Quererá ele simplesmente dizer que a santidade é a condição e o caminho através dos quais a nossa esperança é realizada? Sem dúvida, sim. Mas há mais aqui do que apenas uma exortação a viver de forma recta para poder alcançar as promessas do Céu.
Vejamos isto de forma mais clara, regressando a Santo Agostinho, que nos encoraja, ao celebrar a Ascensão, a “ascender com Ele e a levar os nossos ‘corações ao alto’”. Agostinho continua:
Mas, enquanto subimos, não nos elevemos, nem presumamos das nossas boas acções como se fossem nossas. Pois devemos “elevar o nosso coração”, mas “ao Senhor”. Elevar o coração sem ser para o Senhor, chama-se orgulho; elevar o coração para o Senhor chama-se refugiar-se. Pois é para Aquele que ascendeu que dizemos: “Senhor, Tu tens sido o nosso refúgio.”
Refugiar-se em qualquer coisa que seja menor que Deus é orgulho. É orgulho e presunção refugiar-nos nas nossas próprias obras, ou não ver que os nossos esforços débeis são um limite à graça de Deus.
O orgulho surge muitas vezes sob a forma de pensar demais em nós mesmos e nos nossos méritos, mas o orgulho também se pode disfarçar de falsa humildade, que presume conhecer os limites da Graça de Deus. É o orgulho que leva os homens a dizer: “Far-nos-emos como deuses”; mas aquilo que leva os homens a dizer “Deus não nos pode tornar como Ele” é orgulho de outra espécie.
A Ascensão de “alguém que partilha a nossa natureza” ao trono da glória deve recordar-nos do destino para o qual somos feitos. Deve ainda destroçar a nossa presunção de saber quais os limites daquilo que Deus pode fazer do homem. Que nunca nos contentemos com menos do que aquilo que Deus promete através da graça. Que nunca cessemos de recordar ao mundo aquilo que significa a Ascensão.
Stephen P. White é investigador em Estudos Católicos no Centro de Ética e de Política Pública em Washington.
(Publicado em The Catholic Thing no sábado, 29 de Maio de 2025)
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