
Leitores de uma certa idade lembrar-se-ão das palavras do Papa São João Paulo II, lembrando à Igreja ocidental, em particular, que a Igreja é um corpo com dois pulmões, um ocidental e outro oriental. E que para ser ela mesma, e espiritualmente saudável, deve respirar com ambos. Frequentemente o Papa referia-se assim às Igrejas por detrás da Cortina de Ferro, mas muitas vezes fazia-o também em relação às antigas Igrejas do Oriente, a terra onde a Igreja nasceu.
Por coincidência e por providência, logo na primeira semana do pontificado do Papa Leão XIV uma das suas primeiras audiências foi com as Igrejas Orientais. Coincidência, sim, porque se tratava da semana do Jubileu das Igrejas Orientais, que estava planeada há já muito tempo. Mas podemos identificar providência nas suas palavras – nada de generalidades insonsas, ou palavras inconsequentes de encorajamento, mas antes uma profunda apreciação da importância das Igrejas Orientais. Falou da necessidade da sua sobrevivência para a vida de toda a Igreja, deu indicações sobre a sua vida na diáspora e referiu o testemunho daqueles que, sobretudo no Médio Oriente, sofrem pela fé.
Agora que assinalamos os 1700 anos do Concílio de Nicéia, onde a maioria dos bispos eram do Oriente, o Papa Leão recordou a toda a Igreja a “história gloriosa e os amargos sofrimentos” dos cristãos orientais. E declarou, enquanto Sumo Pontífice, que eles são “preciosos” aos olhos de Deus.
Tendo visitado os cristãos do Iraque, da Síria, do Líbano e do Egipto várias vezes ao longo da última década, posso dizer com toda a certeza que estas são exactamente as palavras que muitos deles desejavam ouvir há anos, e que têm sido muito apreciadas. Vezes sem conta, durante as minhas visitas – às vezes a poucos quilómetros do Estado Islâmico, com o seu rasto de igrejas destruídas, queimadas e profanadas e milhares de cristãos expulsos das suas casas – padres e bispos tomaram-me à parte e sussurraram-me que, bem lá no fundo, sentem que a Igreja do Ocidente não se preocupava com o seu sofrimento. Alguns dos pontos que o Papa Leão XIV sublinha no que foi um dos seus primeiros discursos, podem bem mudar esse sentimento de abandono.
Citando dois dos seus antecessores, Leão XIII e São João Paulo II, o Papa reservou algumas das suas palavras mais duras para lembrar que a Igreja do Ocidente “precisa do Oriente”, porque, entre outras razões, “a obra da redenção humana teve início no Oriente” (Leão XIII) e o Oriente é “o contexto original da Igreja nascente” (JP II).
Não é coisa pouca. Leão XIV disse aos cristãos orientais reunidos em Roma que a razão pela qual “a Igreja precisa de vós” está relacionada com os dons que as Igrejas do Oriente têm para oferecer, na liturgia, no mistério e no testemunho – ensinando uma Igreja Ocidental empobrecida que tanto ao nível da liderança como do laicado é profundamente ignorante das suas raízes orientais. Uma árvore desligada das suas raízes nunca será saudável.

Uma verdade muito próxima desta é o testemunho da Igreja sofredora e a falta de atenção e cuidado que merece da Igreja Ocidental. O Papa Leão sublinhou o exemplo dos cristãos do Médio Oriente que “perseveram e permanecem … resistindo à tentação” de abandonar as suas terras ancestrais. Estava a referir-se aos cristãos do Iraque, Líbano, Egipto e Síria, entre outros.
Estes nossos irmãos cristãos estão a perseverar e a permanecer nas suas terras ancestrais não obstante séculos de perseguição, incluindo muitos casos recentes, com a agravante de dificuldades económicas e uma experiência de cidadania de segunda. Isto são tudo questões que a Igreja e os governos do Ocidente podem e devem abordar.
A exigência de que os seus direitos sejam plenamente salvaguardados é consequência tanto de uma paz genuína, uma expressão de que o Papa Leão fala constantemente, e de justiça, sem a qual não pode haver verdadeira paz. Não podemos permitir que os povos que vivem no Médio Oriente desde antes do Islão continuem a ser tratados como se fossem estrangeiros na sua própria terra.
Mas o Papa Leão também alertou que a “o legado inestimável das Igrejas Orientais” está em risco de se perder, sobretudo na diáspora. Há uma série de razões para isto: a vontade da assimilação, a perda da língua nativa na segunda geração e, num ponto referido directamente pelo Papa, a falta de atenção por parte das autoridades eclesiásticas ocidentais, ou mesmo a tentativa clara de “latinizar” os católicos orientais, isto é, afastando-os das suas origens.
Há alguns anos um Patriarca Oriental falou-me da grande dificuldade que tem em mandar padres para cuidar dos seus fiéis na diáspora, sobretudo na Europa, devido à falta de interesse, e até mesmo hostilidade por parte de alguns bispos locais. Leão XIV ordenou ao Dicastério para as Igrejas Orientais que encontre formas “através das quais os Pastores latinos possam apoiar concretamente os católicos orientais na diáspora”, emitindo assim uma ordem que não surgiu no pontificado anterior.
Uma diáspora viva de católicos orientais ajudará o “pulmão” ocidental a respirar, enriquecendo “com a sua especificidade o contexto em que vivem”.
O Santo Padre lança também alguns avisos aos prelados orientais. Em primeiro lugar, para evitarem a tentação de abandonar as suas tradições, sobretudo as litúrgicas, por objectivos equivocados de praticalidade ou utilitarismo. Isto é um perigo real. Temos assistido a algumas tentativas mal conseguidas de “actualizar” as liturgias orientais, por parte de pessoas que claramente não aprenderam com a história recente da Igreja Ocidental. E o Papa ligou este aviso a outro, de evitar uma aparência de mundanidade e para promover a boa gestão, que nem sempre tem sido uma característica das Igrejas Orientais.
O Papa Leão concluiu exortando todos os cristãos de tradição oriental, tanto nas suas terras ancestrais como na diáspora, para continuarem “a brilhar pela fé, esperança e caridade, por nada mais”. Na perseguição e na paz, o seu testemunho encherá a Igreja do Ocidente de nova vida, que bem precisa de tal exemplo.
Benedict Kiely é padre do Ordinariato de Nossa Senhora de Walsingham e fundador da Nasarean.org, que presta auxilio a cristãos perseguidos.
(Publicado pela primeira vez no Domingo, 18 de Maio de 2025 em The Catholic Thing)
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