
Os últimos papas têm sabido morrer liturgicamente.
O Papa Francisco foi o quarto dos seis papas mais recentes a morrer num oitavário. O Santo Padre morreu na Segunda-feira de Páscoa, o segundo dia do oitavário pascal.
São João XXIII morreu no dia depois de Pentecostes, em 1963, o que era então o segundo dia do oitavário de Pentecostes (agora a solenidade de Maria, Mãe da Igreja).
Em 2005, São João Paulo Magno morreu na vigília do oitavário Pascal, no domingo da Misericórdia. O Papa Bento morreu a 31 de Dezembro de 2022, na vigília do oitavário de Natal, festa de Maria, Mãe de Deus.
São Paulo VI não morreu num grande oitavário, mas sim na festa da Transfiguração, a 6 de Agosto de 1978, um bom dia para entrar na glória.
Depois de Francisco ter tido alta do hospital no final de Março, os seus médicos disseram que ele quase tinha morrido por duas vezes, e que houve alturas em que estava tão fraco que apenas conseguia assinar documentos com a inicial “F”, em vez do nome completo. Estava fraco e praticamente não conseguia falar quando aparecia em público. Era natural que esta fosse a sua última Semana Santa. Embora não se esperasse que morresse logo na Segunda-feira de Páscoa, ele tinha de pensar como é que passaria a última Semana Santa da sua vida, e fê-lo de forma admirável.
O que vimos foi um eco da Semana Santa de há vinte anos, quando São João Paulo estava demasiado enfermo para assistir a qualquer liturgia; aliás, demasiado doente mesmo para sair do apartamento apostólico. Foi à janela do Palácio Apostólico para dar a bênção Urbi et Orbi mas, por mais que tentasse, não conseguia falar.
O Papa Francisco estava em melhor forma e, embora sem saber que estava prestes a sucumbir a um AVC na segunda-feira de manhã, estava claramente a preparar-se para o fim. Viveu a sua última Semana Santa de forma intensamente pessoal, utilizando a força que lhe restava de formas que manifestavam o seu coração.
No Domingo de Ramos foi levado de cadeira de rodas, no final da missa, para cumprimentar os fiéis. Há quase três anos que não celebrava missa em público, por doença, mas tinha estado presente para presidir e pregar. Agora, impossibilitado de fazer sequer isso, o Santo Padre continuava a querer estar com os fiéis, ainda que por pouco tempo. Desde os primeiros dias do seu pontificado que Francisco tinha sentido que uma parte importante do seu ministério era a simples presença. Compreendeu-se isso em algumas das suas viagens, como quando disse a sobreviventes de um tufão nas Filipinas: “Senti que tinha de estar aqui”.
Antes da Semana Santa o Papa Francisco visitou a Basílica de São Pedro em privado, para rezar diante do altar da cátedra de Pedro, bem como junto ao túmulo de São Pio X. Depois de visitar os túmulos dos seus antecessores, foi na véspera da Semana Santa para Santa Maria Maior, para rezar dante da imagem Salus Populi Romani, junto à qual foi entretanto preparado o seu túmulo. Será que encarou essa ida como uma visita preparatória à sua própria sepultura?
Já lá tinha ido no primeiro dia completo do seu pontificado, e mais de cem vezes desde então, incluindo antes e depois de todas as suas viagens. Talvez sentisse que estava prestes a embarcar mais uma vez.
Durante a Semana Santa, quando se tornou evidente que o Santo Padre não estaria nas principais liturgias, foram nomeados vários cardeais para celebrar em seu nome. Normalmente é o Vaticano que lida com esses assuntos de protocolo – existe uma ordem preestabelecida de precedência no Colégio Cardinalício. Mas desta vez Francisco escolheu dois cardeais reformados de cargos de menor importância para celebrar a Missa Crismal e o Domingo de Páscoa. Para esta última Semana Santa seria a amizade pessoal, e não precedência formal, que iria valer.
Depois chegou a emotiva visita à cadeia de Regina Coeli na Quinta-feira Santa. Desde a primeira Semana Santa, logo quinze dias depois da sua eleição em Março de 2013, Francisco tinha optado por celebrar a Missa da Ceia do Senhor fora do Vaticano, normalmente numa prisão. Em 2013 foi para o centro de detenção juvenil Casal del Marmo. Esse hábito, que trouxe consigo de Buenos Aires, sublinhava o facto de Jesus ter sido preso na Quinta-feira Santa. Acontece tanta coisa nesse dia – a celebração da Páscoa judaica, a instituição da Eucaristia, do sacerdócio, a agonia no horto e a sua detenção – que raramente se dá grande atenção à prisão Cristo. Mantendo esse seu hábito a menos de 96 horas da sua própria morte, Francisco deu ainda mais destaque às palavras de Jesus: “Estive preso, e visitaste-me”.

Apesar de não poder estar presente, Francisco fez questão de escrever as meditações para a Via Sacra no Coliseu. Foi há quarenta anos que São João Paulo iniciou o hábito de convidar figuras notáveis a escrever as meditações. Durante o Grande Jubileu de 2000 e, depois, em 2003, foi ele mesmo quem o fez. Em 2000 tinha regressado de Jerusalém e em 2003 cumpria 25 anos em Roma. Escreveu então que a “Via Sacra é um abraço simbólico entre Jerusalém e Roma, a cidade que Jesus amou e a cidade da Sé do Sucessor de Pedro”.
As meditações mais famosas de Sexta-Feira Santa foram escritas pelo Cardeal Joseph Ratzinger em 2005, e rezadas oito dias, até há hora, antes da morte de João Paulo II. Denunciando a “sujeira na Igreja, no sacerdócio”, essa Via Sacra foi um passo no caminho da eleição de Ratzinger.
Este ano o Sábado Santo marcou o XX aniversário da eleição do Papa Bento, que nasceu e foi baptizado no Sábado Santo de 1927. Ele diria mais tarde que o Sábado Santo era não só a história da sua vida como a de todos os peregrinos. “Ainda estamos à espera da Páscoa; ainda não estamos na plena luz, mas caminhamos para ela com plena confiança.”
O Papa Francisco concluiu as meditações da sua Via Sacra com uma oração composta por citações de três das suas encíclicas – Laudato Si’, Fratelli Tutti e Dilexit Nos. Era como se estivesse a colocar a sua obra aos pés da cruz. Notavelmente, não houve qualquer referência à primeira encíclica, Lumen Fidei, que na verdade foi escrita por Bento XVI. Não há lugar para a pretensão quando a morte está próxima.
No Sábado Santo o vice-presidente dos EUA, JD Vance, teve a honra de ser recebido no Vaticano num dia em que o Vaticano normalmente não recebe visitas. Claramente tinha muita vontade de passar o tríduo pascal em Roma, tendo-se encontrado com a primeira-ministra italiana na Sexta-feira Santa, mais uma vez muito estranho para um país católico. Esse foi o pretexto inventado para a sua viagem a Roma, tendo em conta que tinha estado com ela na véspera na Sala Oval. Podia ter-lhe dado boleia a bordo do Air Force Two. Tratou-se de um comportamento comoventemente piedoso, embora peculiar, e por isso o Santo Padre fez-lhe a vontade. O secretário de Estado recebeu Vance no sábado e o Papa no domingo.
Por fim, a aparição para a bênção Urbi et Orbi (que foi lida pelo Mestre de Cerimónias). Perguntou ao enfermeiro se seria capaz de passar pela Praça de São Pedro no Papamóvel e este respondeu que sim. Na manhã seguinte as suas últimas palavras foram: “Obrigado por me levar de volta à Praça”.
Assim terminou a Semana Santa, e o pontificado, precisamente onde tinha começado, na loggia de São Pedro para a Urbi et Orbi. Foi uma boa morte, edificante e misericordiosamente rápida, ao ritmo litúrgico.
Em Itália – e provavelmente na família de origem italiana em que Jorge Bergoglio cresceu – a Segunda-feira de Páscoa é conhecida como Pasquetta, ou Pascuela. A grande Páscoa está reservada para Cristo, e bem. A Pascuela é adequada para o seu vigário.
Dominus conservet eum, et vivificet eum, et beatum faciat eum in terra. . .
Et nunc in caelo.
Raymond J. de Souza é um padre canadiano. Para além de ser membro da Cardus, é comentador de assuntos católicos.
(Publicado pela primeira vez no sábado, 26 de Abril de 2025 em The Catholic Thing)
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