
Os cientistas dizem que quando há sismos fortes às vezes o eixo da terra altera-se, nem que seja um bocadinho, o que pode provocar alterações ínfimas à forma do planeta e ao comprimento do dia. Por contraste, muitas vezes parece que a Igreja Católica e o papado exercem uma influência fraca e nem sempre útil no mundo. Mas quando Francisco morreu, esta semana, não houve como não reparar que, para lá de toda a conversa dos jornalistas, o falecimento de um Papa continua a abanar o mundo. Mesmo os órgãos de comunicação social seculares, e por vezes fortemente anticatólicos, entendem isso.
O interregno papal é um tempo especial para os católicos pensarem e agirem como tal. Ao longo dos próximos dias seria uma excelente disciplina espiritual, por exemplo, ignorar aquilo que a maior parte dos media seculares têm para dizer de elogio ou críticas do Papa, e antes reflectir profundamente sobre a presença de Deus na sua Igreja ao longo dos tempos e o papel particular que Ele destinou para os sucessores de Pedro. Nem todos foram homens admiráveis. Alguns nem sequer eram particularmente cristãos. Uns poucos eram muito sábios. Menos ainda eram verdadeiramente grandes. Mas todos pertenciam a uma ordem espiritual da realidade que transcende as categorias comuns à luz das quais costumamos avaliar os líderes mundiais.
Pode-se, como é evidente, aplicar critérios políticos a um Papa, mas isso costuma conduzir à superficialidade e à tontice. A noção, por exemplo, de que os conservadores se opunham a Francisco enquanto os progressistas o adoravam por causa das suas críticas ao capitalismo e à defesa dos migrantes e do ambiente – que por acaso também eram grandes preocupações dos “conservadores” João Paulo II (ver o Centesimus Annus) e Bento XVI (em particular o belíssimo livro de Ratzinger No Princípio) – é absurda e típica de jornalistas preguiçosos que vêem tudo por um prisma político simplista para preencher os tempos dos noticiários.
Seria melhor deixar tudo isso de lado. Em alternativa, um católico devia rezar pelo descanso da alma de um cristão como nós – um Papa, claro, e por isso mesmo um católico, uma figura de especial respeito e afecto, independentemente das suas falhas. E quanto aos efeitos do pontificado para o futuro, mais vale deixar isso para o juízo do tempo e não para as manchetes.
Por exemplo, Francisco tem sido rotulado como um “reformista”, precisamente o caderno de encargos que lhe foi dado pelos cardeais que o elegeram. Francisco operou mudanças nos dicastérios, mas só o tempo dirá se isso foi uma reforma útil ou apenas um exemplo de “fazer barulho”. Também o sistema financeiro do Vaticano poderia ter sido limpo pelo Cardeal Pell, que me disse em privado, pouco antes de morrer, que estava tudo alinhavado quando ele e outros foram repentinamente removidos dos seus cargos, sem uma explicação convincente.
Da mesma forma, os escândalos sexuais levaram à publicação de alguns documentos e a esforços débeis de fazer algum tipo de reforma. Mas mesmo sem referir todos os nomes – embora o monstro Marko Rupnik mereça ser nomeado – existe uma nuvem de amigos de Francisco que foram acusados de coisas graves, com alguns a serem condenados pelas autoridades seculares, que foram protegidos e, nalguns casos receberam abrigo em Roma. Ainda esperamos as medidas necessárias para extirpar aquilo a que apenas se pode chamar uma rede homossexual que continua a prejudicar o perfil espiritual da Igreja.

Para mim, um dos casos paradigmáticos do pontificado de Bergoglio foi a sua tentativa, em 2019, (felizmente mal-sucedida), de mudar as palavras da oração que Jesus nos ensinou, o Pai Nosso. A versão espanhola [e portuguesa] inclui um erro de tradução: “não nos deixeis cair em tentação”, enquanto a versão inglesa é muito mais próximo do grego original: καὶ μὴ εἰσενέγκῃς ἡμᾶς εἰς πειρασμόν, que significa literalmente, “não nos conduzas”. Talvez se possa traduzir o seguinte por “prova”, em vez de “tentação”, mas o “deixar cair” não está lá. Francisco acreditava que Deus não conduz as pessoas à tentação, mas os académicos, muitos dos quais não católicos, já mostraram o sentido correcto das palavras. Os biblistas recordaram-nos que Mateus escreveu “Depois Jesus foi conduzido pelo Espírito para o deserto, para ser posto à prova pelo demónio” (4,1).
Seja como for, querer mudar as palavras do próprio Senhor – por mais difíceis que sejam de aceitar – simplesmente porque não se gosta da ideia de que Deus põe pessoas à prova não é um grande visual para o um Papa. Entende-se o desejo do Papa de apresentar aos seus fiéis o imenso amor de Deus num mundo brutal e irracional, e muito do afecto que as pessoas sentiam por ele devia-se ao carisma com o qual ele projectava a sua simpatia, mas fazê-lo à custa das palavras do próprio Jesus quando os apóstolos lhe pediram para os ensinar a rezar?
Mas Francisco também era isso.
Estamos agora num tempo de reflexão sóbria e de esperança renovada para a Igreja no mundo. Tal como aconteceu com a eleição de Jorge Mário Bergoglio há 12 anos. Basta olhar à volta e ver a profunda desordem do mundo hoje para se perceber que o nosso tempo precisa de um catolicismo firme – urgente até – nos seus ensinamentos sobre esta vida e a próxima. Os jovens, em particular, parecem estar a reagir a essa dimensão da Fé durante esta Páscoa. Mas ao mesmo tempo precisamos desesperadamente da misericórdia universal e do afecto que tanto marcaram o pontificado de Francisco. Cabeça clara e coração quente. Um pontífice que possa fazer uso de ambos. Onde encontrar uma figura assim?
Rezemos com o salmista (85,10 e seguintes) por um dia em que:
O amor e a fidelidade se encontrarão;
a justiça e a paz se beijarão.
A fidelidade brotará da terra,
e a justiça descerá dos céus.
O Senhor nos trará bênçãos,
e a nossa terra dará a sua colheita.
A justiça irá adiante dele
e preparará o caminho para os seus passos.
Robert Royal é editor de The Catholic Thing e presidente do Faith and Reason Institute em Washington D.C. O seu mais recente livro é A Deeper Vision: The Catholic Intellectual Tradition in the Twentieth Century, da Ignatius Press.
(Publicado pela primeira vez na Terça-feira, 21 de Agosto de 2025 em The Catholic Thing)
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