
De todas as parábolas que Jesus contou, as duas mais famosas encontram-se no Evangelho de Lucas. Tanto a do Bom Samaritano como a do Filho Pródigo são tão familiares mesmo para não cristãos, que entraram no léxico comum: uma pessoa que ajuda desinteressadamente outra é um bom samaritano, enquanto que qualquer pessoa que volte a ter uma vida regular depois de se ter trasviado é um filho pródigo. Essa familiaridade com as histórias pode até levar a uma certa fadiga. Talvez, por isso, seja bom procurar uma abordagem diferente, olhando para essas parábolas – como devíamos fazer em tudo – pelos olhos de Jesus Cristo.
Porque, afinal de contas, Ele é o verdadeiro Filho Pródigo, que deixa a casa do seu Pai e parte para uma terra longínqua. Ali, desbarata a sua herança, vivendo por entre a imundície do pecado com cobradores de impostos e prostitutas, dando-se completamente, despojando-se de tudo quando é seu – os seus ensinamentos e milagres, até a própria Mãe, o Corpo e o Sangue. E, tendo tomado sobre si os nossos pecados, volta a erguer-se e põe-se de novo a caminho da casa do Pai, onde é revestido de glória, para nunca mais partir.
É curioso, por isso, que na sua litania de queixas, o filho mais velho faça questão de referir que o Pródigo conviveu com prostitutas. O Evangelho mostra-nos que Jesus tinha uma estima especial por estas mulheres, e que se sentia confortável na sua presença, sendo especialmente querido com elas. Uma grande parte dessa proximidade deve-se ao facto de Ele se identificar até certo ponto com elas. Por mais estranho e provocador que possa parecer, podemos dizer que também Nosso Senhor se vendeu ao desbarato, em nosso benefício, rebaixando-se, deixando o seu corpo ser usado e rejeitado, simplesmente por desejar o nosso amor. Este Pródigo, com o seu amor extravagante, gastou-se por inteiro.
E não será esse gastar-se uma marca do ministério de Nosso Senhor? Ele não se limitou a fazer vinho decente, fez o melhor vinho, e fê-lo em grande quantidade. Não se limitou a alimentar os milhares com comida suficiente, sobraram 12 cestos. Não aceitou ser ungido apenas um bocadinho, mas elogiou o luxuoso desperdício – igual a um ano inteiro de salário – que entornaram sobre a sua cabeça. E porquê? Porque o excesso é uma das marcas distintivas do amor. O amor nunca pergunta quanto, não conhece a palavra chega, nunca precisa de ver o preço. Apenas pergunta: “Queres mais?”
E nós? Como somos sovinas, não obstante a prodigalidade de Nosso Senhor! Quantas vezes não respondemos de forma escassa e miserável, sem excesso, mas medindo tudo, dando apenas o suficiente – e mesmo isso mal – cumprindo a letra, mas com pouco espírito. Cumprimos a lista: fui à missa, rezei, abstive-me de carne à sexta-feira, agora vou à minha vida.
Tantas vezes damos por nós a perguntar o equivalente espiritual de: “isto sai no exame?” É como o marido que pergunta à mulher qual é o mínimo que pode gastar no seu presente de anos de casados sem que ela se zangue. Não abona muito a favor de uma relação saudável. O legalismo bem pode ser uma ciência, mas o amor é uma arte.
Nosso Senhor chama-nos, por isso, a partilhar da sua prodigalidade, para receber tão abundante e luxuosamente como ele dá. Isto passa por examinar as partes da nossa vida que lhe estão vedadas e perguntar, sinceramente, que interesses, diversões, hobbies ou até amizades nos estão a impedir de receber o que Ele oferece.

E à medida que vemos as coisas cada vez mais pela perspectiva de Cristo, quanto mais nos conformamos com a sua Cruz e a carregamos com Ele, devagar, dolorosamente e não sem percalços, vamos percebendo que olhamos para coisas que outrora nos atraíam muito e pensamos: porquê? Porque é que eu achava tão importante ter a aprovação daquela pessoa? Porque é que achava aquela série tão divertida? Porque é que achava aquela compra tão necessária? Vem-me à mente aquele grande cântico quaresmal:
Os prazeres vãos que mais me encantavam, sacrifico-os ao seu sangue.
Um amor tão incrível e tão divino, exige de mim a minha alma, a minha vida, o meu tudo.
Sim, Ele exige tudo, este amante Pródigo e zeloso. Não apenas o tempo que lhe concedemos em oração; Ele exige o nosso tempo de diversão, as nossas conversas, o nosso riso e as nossas tristezas, as nossas horas santas e as nossas horas felizes. Não para no-los tirar, mas para os tornar seus, para poder partilhá-los connosco e ser glorificado através deles. Ele quer tudo isto para que possa encher-nos as almas até não caber mais, e depois aumentá-las e enchê-las mais um bocado, para que também as nossas almas possam louvar o Senhor.
Sabemos, porém, o desafio que esta prodigalidade significa. Erramos se a tentamos ver em termos económicos de oferta e procura: quanto mais existe de uma coisa, menos a valorizamos. A graça e a misericórdia de Deus são infinitas, sem limite. Estimá-las-íamos mais se não fossem? Se apenas pudéssemos comungar uma vez na vida? Se só pudéssemos ser absolvidos uma vez? Talvez. Mas não será isso mesmo uma característica do amor imprudente de Deus?
Jesus viu o quão pouco o iríamos estimar, que o usaríamos para os nossos próprios fins egoístas, e como o iríamos descartar, manchado e desfigurado pelos nossos pecados, tão casualmente e tão frequentemente. Ele viu como o seu corpo sacramental, a Eucaristia, e como o seu corpo místico, a Igreja, seriam tratados até pelos seus próprios amigos.
Mas ainda assim, claramente Ele acreditava que valia a pena. Só para que pudéssemos ter a oportunidade de compreender a profundidade do seu amor, e deixá-Lo tornar-nos puros e radiantes, restaurando a alegria da nossa juventude. Essa é a esperança da Quaresma que nos carrega para lá do Calvário, do sepulcro, e até à casa do Pai.
Porque sabemos que quando o Filho se erguer para cá voltar, não caminhará sozinho.
O Pe Brian A. Graebe, S.T.D., é sacerdote da Arquidiocese de Nova Iorque. É autor de Vessel of Honor: The Virgin Birth and the Ecclesiology of Vatican II (Emmaus Academic)
(Publicado pela primeira vez no domingo, 6 de Abril de 2025 em The Catholic Thing)
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