
Ao longo da Quaresma procuramos, como exercício de disciplina e de caridade, rezar, jejuar e dar esmola. Há muito tempo que eu faço um esforço grande nesta época para rezar, com mais consistência do que me é possível ao longo do resto do ano, a liturgia das horas.
Para quem procura estruturar a vida em torno da oração – em vez de se contentar em encaixar a oração por entre os outros itens de um dia ocupado – o ofício divino é um exercício particularmente benéfico. Ao rezar esta oração estamos a unir-nos a incontáveis padres e religiosos (e um número cada vez maior de leigos) cujo ritmo diário da vida ao longo do ano é marcado pelo ofício divino marca. Esta é uma forma privilegiada de rezar, como São Paulo exortou incessantemente.
O Concílio Vaticano II toca neste ponto no Sacrosanctum Concilium: “O ofício divino, segundo a antiga tradição cristã, destina-se a consagrar, pelo louvor a Deus, o curso diurno e noturno do tempo. E quando são os sacerdotes a cantar esse admirável cântico de louvor, ou outros para tal deputados pela Igreja, ou os fiéis quando rezam juntamente com o sacerdote segundo as formas aprovadas, então é verdadeiramente a voz da Esposa que fala com o Esposo ou, melhor, a oração que Cristo, unido ao seu Corpo, eleva ao Pai.”
O coração do ofício são os salmos, que são os hinos do povo de Deus desde os dias da antiga aliança. Cantamos os salmos em cada missa, claro, mas nunca tinha apreciado a sua beleza e o seu poder até aprender a rezar a liturgia das horas. Há algo sobre a recitação dos versos, e a sua recitação repetida, que sempre achei ser mais conducente à meditação e à oração do que apenas ouvir um cantor, ou cantar uma resposta, como acontece normalmente na missa.
Dito isso, os salmos foram criados para ser cantados. Cantados com reverência, ou ao ritmo de uma melodia apropriada, os salmos atingem uma dimensão totalmente diferente. Quem já ouviu a polifonia assombrosa de Allegri para o Salmo 51 compreenderá isto.
Talvez mais do que qualquer outro livro da Bíblia, os salmos devem ser rezados ou cantados, e não apenas ouvidos. Santo Atanásio, o Bispo de Alexandria do Século IV e grande opositor ao arianismo, foi particularmente eloquente na sua defesa da oração dos salmos. A sua carta a Marcelino sobre os salmos é um verdadeiro clássico esquecido. “Toda a Escritura Divina é mestre da virtude e da verdadeira fé”, escreve Atanásio, “mas o saltério dá-nos um retrato da vida espiritual”.
Há um salmo para cada propósito e ocasião, como diz Santo Atanásio: “Noutras partes da Bíblia também nos é pedido que bendigamos o Senhor e O reconheçamos: aqui nos Salmos é-nos mostrado o modo de o fazer, e com que tipo de palavras se pode confessar a Sua majestade. De facto, em todas as circunstâncias da vida, descobriremos que estes cânticos divinos se adaptam a nós e vão ao encontro das necessidades das nossas almas em cada momento.”

E aqui encontramos outra beleza particular dos salmos. Não só existe um salmo para cada ocasião – desde o regozijo à desolação – mas estes hinos inspirados são os mesmos do Povo de Israel, de Moisés e de Salomão, do Rei David e do próprio Senhor Jesus Cristo. Rezando os salmos tornamos nossas as suas palavras, e as suas orações tornam-se as nossas orações.
Quando rezamos ou cantamos os salmos estamos a cantar e a rezar pela nossa própria voz, da nossa perspectiva. Os salmos são, neste sentido, a Escritura na primeira pessoa. Existe um poder imenso nisso. Santo Atanásio elabora:
Nos outros livros da Escritura, lemos ou ouvimos as palavras de homens santos como se pertencessem apenas àqueles que as proferiram, e não como se fossem nossas; e, da mesma forma, os feitos ali narrados são para nós material de admiração e exemplos a serem seguidos, mas não, de forma alguma, coisas que nós mesmos tenhamos feito. Com este livro, no entanto, embora se leiam as profecias sobre o Salvador dessa forma, com reverência e temor, no caso de todos os outros Salmos é como se fossem as próprias palavras que se lêem; e quem as ouve fica comovido no coração, como se elas expressassem para ele seus pensamentos mais profundos.
Não é seguramente coincidência que Atanásio, esse grande defensor da encarnação contra as heresias arianas dos seus dias, encontrou tal inspiração nos salmos – os hinos que se soltam tão facilmente das nossas bocas como das bocas do Verbo Encarnado. Estes grandes hinos, escritos sob a inspiração do Espírito Santo e cantados por homens, rezados novamente por Deus-feito-homem, e devolvidos novamente ao Pai com a humanidade total e sofredora do Filho unigénito de Deus: “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?”
Com estas palavras, Jesus não está meramente a citar as Escrituras, mas sim a rezar a oração do seu próprio povo. Rezando esses mesmos salmos – seja na liturgia das horas, na missa, ou como disciplina quaresmal – não nos limitamos a imitar Jesus, juntamo-nos à sua oração como irmãos e irmãs, filhos do mesmo Pai.
“E assim também tu, Marcelino”, conclui Atanásio, “ponderando os Salmos e lendo-os inteligentemente, com o Espírito como guia, serás capaz de compreender o significado de cada um deles, tal como desejas. E esforçar-te-ás também por imitar a vida daqueles santos portadores de Deus que os pronunciaram no início.”
Este conselho é sem dúvida tão sábio para cada um de nós hoje como era quando Atanásio o deu a Marcelino. Que altura melhor para acolher estas palavras do que no tempo da Quaresma? E que disciplina melhor a reter ainda depois deste tempo penitencial?
Stephen P. White é investigador em Estudos Católicos no Centro de Ética e de Política Pública em Washington.
(Publicado em The Catholic Thing no sábado, 22 de Março de 2025)
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