
Que o sistema de imigração americano é uma gigantesca trapalhada, poucos negam. Cabe ao governo federal resolver essa trapalhada, tanto para o bem da nação e dos seus cidadãos, como por genuína preocupação pela segurança e bem-estar dos próprios migrantes e refugiados. As falhas da Administração Biden a esse respeito são uma das principais razões pelas quais a nova administração Trump pode reclamar um mandato eleitoral para tratar da imigração.
A Igreja Católica desempenha há muito tempo um papel de destaque no fornecimento de assistência básica aos imigrantes que chegam aos Estados Unidos. A Igreja tem-se mostrado tão afoita a este trabalho que o governo federal recorreu a ela para ajudar a fornecer o tipo de assistência humanitária que muitos migrantes e refugiados requerem.
Por lei, o governo federal atribui grandes somas de dinheiro para facilitar o realojamento seguro e ordenado de refugiados, migrantes e menores desacompanhados que entram nos Estados Unidos. Para conseguir levar a cabo esta tarefa enorme o governo federal faz parcerias com organizações não-governamentais e instituições locais, mais uma vez, tudo de acordo com a lei. Estas organizações e instituições têm a presença local e a perícia para desempenhar este trabalho, que de outro modo requereria um aumento massivo dos recursos humanos federais, ou simplesmente ficaria por fazer.
O Governo federal entrega uma porção dos milhares de milhões de dólares que desembolsa todos os anos com o realojamento desses migrantes e refugiados à Conferência Episcopal Católica dos Estados Unidos que, por sua vez, os distribui a filiais regionais e a organizações presentes em locais onde o dinheiro faz falta e onde a nossa lei requer que seja gasta. Nos últimos anos estes subsídios têm chegado a mais de 130 milhões de dólares.
Tal como previsto pelas leis que regulam estes subsídios, as pessoas que são assistidas e realojadas são previamente avaliadas pelo Governo federal antes de entrar nos Estados Unidos. Por outras palavras, os migrantes e refugiados que beneficiam directamente deste dinheiro entram de forma legal nos Estados Unidos.
Seria uma grave violação não só do dever moral como também da confiança pública a Igreja utilizar estes fundos de forma irregular ou em violação da lei federal. O mesmo se diria caso a Igreja estivesse a utilizar os subsídios para enriquecer.
O que nos leva, como poderão ter adivinhado, às declarações feitas pelo vice-Presidente J.D. Vance, em Janeiro, numa entrevista no “Face the Nation”, da CBS News. Vance insinuou claramente que o trabalho subsidiado da Conferência Episcopal Americana é motivado não por preocupações humanitárias, mas por ganância:
Acho que a Conferência Episcopal devia olhar-se ao espelho e questionar-se. Quando recebem mais de cem milhões de dólares para ajudar a integrar imigrantes ilegais, estão motivados por preocupações humanitárias? Ou estarão preocupados com os seus resultados financeiros? A lei da imigração é para aplicar.

O vice-Presidente sugeriu, sem qualquer prova, que estes subsídios estão a ser usados para realojar imigrantes ilegais, contra os requisitos federais e as próprias afirmações da Conferência Episcopal sobre o assunto. Se somarmos a isto as insinuações de que a Conferência Episcopal participa em programas federais de realojamento de imigrantes para garantir resultados financeiros, e tendo em conta que a Igreja gasta consistentemente mais dinheiro nestes programas do que aquilo que recebe do Governo, as afirmações de Vance ganham um carácter desinformado e perigoso.
Há toda uma quantidade de perguntas que se podem fazer sobre de onde vem o dinheiro da Conferência Episcopal, e como é utilizado. E há boas razões para o Governo querer saber como os seus subsídios estão a ser gastos. Mas é estranho sugerir, como fez o vice-Presidente, que a Igreja incorre nalgum tipo de culpa por desenvolver esse trabalho de acordo com as regras estipuladas pelo próprio Governo federal.
Se as nossas leis de imigração foram mal pensadas, mal escritas e mal aplicadas, então em primeiro lugar isso é um problema do Estado e não da Igreja. As nossas leis de imigração não foram redigidas pela Igreja, mas pelo Congresso. Esperar que a Igreja cumpra essas leis é uma coisa, outra é culpá-la por fazê-lo.
Claro que a Igreja sempre trabalhou para ajudar os migrantes. Fê-lo antes do Congresso estabelecer o tipo de parcerias público-privadas que vemos hoje, e se essas leis mudarem, ou se os dólares federais se esgotarem, a Igreja mantinha-se obrigada por caridade a desempenhar esse trabalho da melhor forma possível, com os recursos que conseguir obter.
Não obstante todas as discussões – por vezes agrestes – entre os bispos e a administração sobre este tema, continua a haver a possibilidade de entendimento.
O bispo Michael Burbidge, de Arlington, escreveu uma excelente nota pastoral na qual resume de forma sucinta o compromisso da Igreja com a defesa da dignidade de todas as pessoas e o compromisso com o bem comum. Esta breve nota deve ser lida por inteiro, mas conclui com esta recordação:
O ensinamento católico não apoia uma política de fronteiras abertas, mas sublinha uma abordagem de senso comum em que o dever de cuidar do estrangeiro se pratica em harmonia com o dever de cuidar da nação.
As obrigações derivadas da caridade não devem ser abstraídas dos elos reais da família, Igreja, sociedade e nação. Isto tem sido demasiadas vezes ignorado, esquecido ou desprezado em certos círculos. Milhões de cidadãos americanos têm ouvido o seu próprio Governo a mandá-los esperar enquanto cuida de recém-chegados e quando se queixam da injustiça são acusados de ser inospitaleiros ou pouco cristãos. A nova administração conectou-se com essa frustração e JD Vance parece compreendê-la bem.
E é aí que entra a contribuição que apenas a Igreja pode fazer, como sugeriu o bispo Burbidge, continuando a ensinar, por palavras e por exemplo, como o dever de cuidar do estrangeiro se conjuga com o dever de cuidar da nação.
Veremos se a lição vai ser aprendida, mas que faz muita falta, faz.
Stephen P. White é investigador em Estudos Católicos no Centro de Ética e de Política Pública em Washington.
(Publicado em The Catholic Thing na quinta-feira, 6 de Fevereiro de 2025)
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