
No que diz respeito à evangelização, basta pregar Cristo crucificado? Ou é preciso oferecer algo mais do que Jesus? Será que para a evangelização ser bem-sucedida é necessário Jesus mais algo de valor mais imediato e prático?
O próprio Cristo aludiu a esta questão quando disse às multidões que o seguiam: “Em verdade, em verdade vos digo: buscais-me, não porque vistes os milagres, mas porque comestes dos pães e ficastes fartos.” (João 6,26)
A evangelização requer também os pães?
Morreu recentemente o Cardeal Angelo Amato, prefeito emérito da Congregação para a Causa dos Santos. Morreu enquanto as relíquias de São Francisco Xavier estavam expostas em Goa, como acontece de dez em dez anos, e quando se aproximava o décimo aniversário de São José Vaz, o primeiro santo nascido em Goa.
Recordei-me por isso de uma conversa que tive com ele em Janeiro de 2015. Estava a caminho do Sri Lanka, para a visita do Papa Francisco, que ia canonizar José Vaz em Colombo, tal como faria nesse mesmo ano com Junipero Serra em Washington, como parte do seu programa de canonizar os grandes santos missionários. São François de Laval, do Québec, já tinha sido canonizado em 2014.
Nesse mesmo mês de Janeiro, Amato tinha-se referido a José Vaz – que viveu entre 1651 e 1711 e levou a cabo um ministério clandestino, depois de os holandeses terem suprimido a prática do catolicismo – durante uma conferência em Roma.
“Hoje”, disse ele, “José Vaz é um modelo mais importante para nós do que São Francisco Xavier”. Ora, para um goês estas são palavras duras de ouvir, uma vez que consideramos São Francisco o maior missionário a seguir a São Paulo. Por isso questionei o cardeal acerca da sua afirmação.
“São Francisco Xavier evangelizou com o apoio do poder do estado”, respondeu Amato. “Hoje não temos o poder do estado para nos apoiar, pelo contrário, por vezes está mesmo contra nós. Ora, José Vaz evangelizou contra o poder do estado. São Francisco não precisou de o fazer.”
Francisco Xavier chegou a Goa, e mais além, graças à Coroa portuguesa, tal como Junipero Serra dependia da Coroa espanhola e François de Laval da francesa. Este apoio real não estava isento de dificuldades – Laval travou uma dura luta com as autoridades coloniais francesas para manter o comércio de álcool afastado dos indígenas. Contudo, mesmo quando estavam em oposição à Coroa, a mera presença dos missionários continuava a depender dela.
Na solenidade de São Francisco lemos no breviário uma carta inspiradora de Francisco Xavier para Santo Inácio de Loiola:
“Muitos cristãos se deixam de fazer nestas partes, por não haver pessoas que em tão pias e santas coisas se ocupem. Muitas vezes movem-me pensamentos de ir aos centros de estudos dessas partes – dando gritos, como alguém que tenha perdido o juízo – e principalmente à universidade de Paris, dizendo na Sorbonne aos que têm mais letras que vontade, para dispor-se a frutificar com elas. Quantas almas deixam de ir para a glória e vão para o inferno, pela negligência deles!”
Estas palavras enchem-nos de zelo, o que é óptimo, mas não lemos as cartas de São Francisco para o Rei de Portugal a exigir mais recursos para a missão, ou os seus relatos de como os governadores portugueses o ajudam tanto, não só através dos recursos materiais, mas também pela forma favorável com que tratam os cristãos. São Francisco Xavier pôde oferecer Jesus – e mais alguma coisa.

E vemos nisto um padrão comum. Sem milagres, teria Jesus atraído tanta gente? Não, embora seja verdade que alguns seguiriam sempre Jesus apenas por si. Mesmo aqueles que o seguiam por causa das bênçãos materiais – as “cem vezes mais” de casas, família e terras referidas em Marcos 10,30 – não ignoravam que estas serão acompanhadas de perseguições para os seus seguidores.
Porém, quando chega a Cruz, quase todos fogem. No Pentecostes juntaram-se muitos, mas foi porque Pedro pregava Jesus Cristo, ou pelo espanto causado por cada um estar a ouvir a Boa Nova na sua própria língua?
Normalmente são ambas as coisas. Os pães e as línguas geram atenção, cativam o ouvinte, e depois surge a possibilidade de uma conversa sincera. E pode acontecer que essa atenção e atracção produza uma conversão apenas superficial, que não resista às dificuldades, e que aí as pessoas se afastem. Também aí vemos um padrão recorrente.
Que lições podemos tirar daí para a evangelização hoje?
Certamente um dos efeitos de uma cultura que vive como se Deus não existisse é que hoje a Igreja tem pouco para oferecer no sentido das “cem vezes mais”. Há menos benefícios materiais para oferecer. As consequências negativas da desaprovação social já não existem. Pelo contrário, a prática do catolicismo pode bem atrair opróbrio social e sacrifício material.
Então o que podemos oferecer? Apenas Jesus? Nada de Jesus mais algo?
Em quase vinte anos de ministério de pastoral universitária aprendi que existe sim um “mais algo” a oferecer, e que em alguns locais tem levado a um grande sucesso do ministério universitário. Uma cultura secular de distração de redes sociais deixa muitas pessoas com um sentimento de vazio de propósito e de sentido. Mas aqueles que andavam à procura de sentido e de propósito eram poucos. Muitos mais apenas sentiam-se sozinhos, ou achavam a cultura universitária vazia ou hostil, ou então tinham muitos contactos, mas poucos verdadeiros amigos.
Quase toda a gente que chegava me dizia que se sentia atraída pela simpatia e a camaradagem que a capelania tinha para oferecer. Havia quem fosse à adoração eucarística apenas para estar com os seus novos amigos, sem saber bem o que era a Presença Real, muito menos acreditar nela. Seguiam-se muitas conversões que levaram a vidas impressionantes de discipulado dedicado, mas tudo começou com os pães e a linguagem da amizade e da camaradagem. Perdi a conta à quantidade de comida que oferecemos ao longo dos anos, mas a actividade favorita dos alunos era sempre a mesma: conversar uns com os outros.
Acontece o mesmo na vida paroquial. Quando novas famílias começam a chegar à paróquia – ou quando não católicos perguntam sobre tornar-se católicos – é mais comum referirem a atitude acolhedora dos paroquianos do que pontos de doutrina ou litúrgicos. Numa cultura rica em bens materiais, mas pobre em relações humanas, esse parece ser o “algo mais” que contribui para a evangelização.
Claro que Jesus é sempre necessário para a evangelização, mas muitas vezes não parece ser o suficiente. Tal como vemos nos Evangelhos, às vezes é bom ter uns pães à mão também. Às vezes a Coroa fornece-os, outras é a nossa companhia que terá de bastar. No final de contas, poderemos não ter “algo mais” para oferecer para além de nós mesmos.
Raymond J. de Souza é um padre canadiano. Para além de ser membro da Cardus, é comentador de assuntos católicos.
(Publicado pela primeira vez no sábado, 25 de Janeiro de 2025 em The Catholic Thing)
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