
A Igreja Católica celebrou recentemente a solenidade dos Quarenta Mártires de Inglaterra e Gales, em que “centenas de homens e mulheres britânicos morreram pela sua fé [católica] no seguimento da disputa entre o Papa e Henrique VIII, no século XVI”. Quarenta destes foram seleccionados para representar as pessoas que cometeram o erro de contrariar a decisão do seu rei, de cortar com a Igreja Católica.
Quase tudo isto teve a ver com política, mais do que com religião. Uma vez que a autoridade do Rei britânico era legitimada e administrada pela Igreja Católica, Henrique tratou os católicos britânicos como dissidentes do seu governo, ainda que nunca se tivessem rebelado contra ele. Presumivelmente, Henrique acreditava que ao mandar prender e decapitar católicos, incluindo o seu amigo e Alto Chanceler São Tomás Moro, conseguiria salvaguardar o seu reinado.
Em vez de um tempo de prosperidade e paz, surgiu a ameaça de uma usurpação católica e de uma invasão estrangeira por um monarca católico, desencadeando, cerca de um século mais tarde, uma guerra civil entre anglicanos monárquicos e não-anglicanos parlamentares. Ao suprimir brutalmente quaisquer possíveis dissidentes, Henrique cultivou uma multidão de dissidentes reais que, eventualmente, derrubaram mesmo a monarquia.
Como demonstra Joseph Pearce no seu excelente livro de história, Faith of Our Fathers: A History of True England, a comunidade católica de Inglaterra entrou para a clandestinidade durante este período, mas reemergiu sob a influência de algumas das vozes mais eloquentes e poderosas da Igreja, como John Henry Newman, Ronald Knox e G.K. Chesterton. Tal como tinham feito na era medieval, os católicos britânicos modernos trabalharam em larga medida para conservar a fé e a cultura britânica, e não para perturbar ou derrubar a sua ordem política.
Esta curta história de perseguição religiosa, e o que se lhe seguiu, demonstra algumas verdades essenciais. Em primeiro lugar, assassinar e mandar prender católicos não torna um governo não-católico mais forte, pelo contrário, enfraquece-o. Em segundo lugar, a perseguição sistemática de qualquer comunidade abre um precedente perigoso que resulta, inevitavelmente, em mais perseguição, tal como aconteceu na Irlanda e na maioria das colónias britânicas. E, terceiro, não existe qualquer razão válida, moral ou política que justifique a perseguição de qualquer comunidade cristã.
Não obstante, o Reino Unido está actualmente a passar por um processo de reavivamento da perseguição de cristãos (católicos, anglicanos e de qualquer outra denominação de “adoradores de Páscoa”). Num ensaio recente, com o título provocador de “Foi detida por rezar na sua cabeça”, Madeline Kearns explica que a polícia britânica está a prender cristãos por rezar na proximidade de clínicas de aborto. “A novíssima lei de ‘acesso seguro’ no Reino Unido, que entrou em vigor no dia 24 de Setembro e que criminaliza qualquer acção num raio de 200 metros de uma clínica de aborto que possa ‘influenciar’ a decisão de alguém de aceder, fornecer ou facilitar a prática de um aborto.”
Em vez de lidar com o problema de manifestantes violentos, esta lei parece desenhada para atingir os mais tranquilos, que simplesmente se mantém de pé perto de clínicas e oferecem um testemunho pacífico pela vida.
Os legisladores britânicos, e as forças de segurança, bem podem tentar comparar esta lei a outras que desencorajam a vadiagem e a intimidação pública de cidadãos privados, mas trata-se de uma narrativa completamente falsa. Os activistas pró-vida que rezam não estão a vadiar, mas sim a manifestar de forma pacífica a sua discordância com o aborto. Mais, estão a fazê-lo da forma menos intimidatória possível, apelando nas suas próprias consciências a Deus pela redenção e pela justiça.

nas imediações de uma clínica de aborto
Compare-se estas “ameaças” à ordem pública com as centenas de milhares de pessoas que em Inglaterra apoiam publicamente o Hamas, cantando palavras de ordem antissemíticas e vandalizando propriedades. As autoridades britânicas não só permitem isto, em larga medida, mas chegam mesmo a desencorajar contramanifestantes que se atrevam a hastear bandeiras do Reino Unido ou de Israel.
Isto dá a entender que a verdadeira razão pela qual os polícias britânicos estão a prender pessoas por rezar perto de clínicas de aborto não é para proteger a lei e a ordem, mas sim para silenciar os dissidentes. Não se trata do que estão a fazer, mas de quem são. Assim, tal como o Rei Henrique VIII pensava que podia consolidar o seu poder e o seu legado eliminando os católicos, as actuais elites do Reino Unido esperam poder consolidar o seu poder e o seu legado eliminando os cristãos pró-vida.
E porque a história tende a rimar, este esforço vai terminar da mesma maneira: com a proliferação de mais dissidentes, a continuação da insegurança e do enfraquecimento da autoridade governativa, uma sublevação violenta e o regresso à clandestinidade da comunidade cristã, para sofrer na obscuridade, em vez de contribuir para a edificação da cultura nacional.
Infelizmente, vemos que as elites americanas estão a adoptar as mesmas tácticas que os seus colegas do outro lado do Atlântico. Durante a presidência de Joe Biden, o Departamento da Justiça e o FBI tem feito uso liberal da lei que garante o livre acesso a clínicas de aborto para prender e enviar para a cadeia manifestantes pró-vida, muitos dos quais são já idosos e não têm os recursos para se defenderem em tribunal.
Entretanto, tomam pouca ou nenhuma acção contra terroristas pró-aborto que incendeiam ou vandalizam centros de apoio a grávidas. Mais uma vez, a lógica é a mesma: activistas pró-vida não são americanos a exercer o seu direito à liberdade de expressão, mas sim dissidentes que estão a desestabilizar a ordem política actual.
Devemos dar graças pelo facto de não haver americanos a serem presos pelo acto de rezar – ainda. Mas ninguém deve duvidar que é isso que os membros das classes governadoras procuram em última instância, e que é precisamente por isso que tanto se queixam sobre a Primeira Emenda.
Nenhum cristão americano deve dar a sua liberdade de expressão por garantida, e nenhum de nós deve negligenciar o seu dever cívico de proteger este direito, votando nas pessoas certas e elevando a voz. Acima de tudo, devemos rezar sem cessar, e de forma pública, sobretudo pelos nossos correligionários cristãos em todo o mundo que estão impedidos de o fazer.
Auguste Meyrat viva em Dallas e é professor de inglês. É formado em humanidades e em liderança educacional. É editor executivo de The Everyman e já publicou artigos no The Federalist, The American Thinker, e The American Conservative bem como no Dallas Institute of Humanities and Culture.
Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing no sábado, 16 de Novembro de 2024)
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