
Uma árvore má pode dar bons frutos? A recente declaração do Dicastério para a Doutrina da Fé (DDF) sobre Medjugorje teve de lidar com essa questão, pelo menos de forma indirecta, já que a Igreja tem vindo a adiar ter de lidar directamente com questões sobre Medjugorje ao longo das últimas décadas.
A intuição católica é que não, as árvores más não produzem bons frutos. É uma intuição correcta, tão correcta como o Sermão da Montanha:
Toda árvore boa dá bons frutos; toda árvore má dá maus frutos. Uma árvore boa não pode dar maus frutos; nem uma árvore má, bons frutos. Toda árvore que não der bons frutos será cortada e lançada ao fogo. Pelos seus frutos os conhecereis. (Mateus 7, 17-20)
Uma série de escândalos dolorosos, contudo, têm-nos obrigado a reavaliar o significado dessas palavras. Vai ser preciso ainda pensar muito.
Talvez a maior fraude da história da Igreja tenha sido Marcial Maciel, o fundador dos Legionários de Cristo. Também, qualquer pessoa que tenha visitado as casas do movimento L’Arche fica maravilhada com os seus bons frutos, mas que difícil foi saber das revelações de Jean Vanier!
O Prémio Nobel e bispo D. Carlos Ximenes Belo, de Timor Leste, conduziu o seu povo à liberdade, mas agora vive exilado devido ao abuso sexual de menores. O bispo Belo venceu o Prémio Nobel da Paz em 1996. Martin Luther King venceu o mesmo prémio em 1964, mas a sua vida sexualmente promíscua compromete o seu testemunho cristão.
Claro que isto não é apenas um problema clerical. No auge da sua carreira, Bill Cosby era talvez um dos homens mais famosos do planeta, adorado pela forma como representava a família e a amizade. Todos esses frutos estavam ligados a uma árvore predadora.
Cerca de quarenta anos depois de terem começado as alegadas aparições em Medjugorje, o nihil obstat do Vaticano foi bem acolhido pelos devotos do local. Depois de muita investigação, e de avanços e recuos, as peregrinações a Medjugorje podem continuar, e podem até ser encorajadas. Foram afirmados os bons frutos. Mas não se disse que as aparições em si eram uma boa árvore.
O Vaticano ainda se refere a “alegadas aparições”, e a nota do DDF não se pronuncia sobre a sua autenticidade:
A avaliação dos abundantes e difusos frutos, tão belos e positivos, não implica declarar como autênticos os presumidos eventos sobrenaturais, mas somente evidenciar que “em meio” a este fenómeno espiritual de Medjugorje o Espírito Santo age frutuosamente para o bem dos fiéis. (…) Além disso, a avaliação positiva da maior parte das mensagens de Medjugorje como textos edificantes não implica declarar que tenham uma direta origem sobrenatural. Em consequência, quando nos referimos às “mensagens” de Nossa Senhora, deve-se entender sempre “presumidas mensagens”.
Aquilo que poderá alegrar os peregrinos a Medjugorje talvez não satisfaça tanto assim os alegados visionários. Se existem mensagens problemáticas – que a nota examina detalhadamente – então o problema não será com Nossa Senhora. Ou as mensagens não são reais, ou os visionários não são de confiança ou – não obstante os bons frutos – o fenómeno todo é, em si, falso.
Quando o documento do Vaticano alerta para que “as pessoas que vão a Medjugorje sejam fortemente orientadas a aceitar que as peregrinações não são feitas para encontrar-se com os presumidos videntes, mas para ter um encontro com Maria”, isso deve custar-lhes, especialmente aos que operam albergues nas proximidades.

Por isso o Vaticano louva os bons frutos, mas não afirma que tenham crescido numa boa árvore. É certo que também não chega a dizer que as visões ou os visionários são más árvores, apenas que são árvores ambíguas. As árvores ambíguas não são referidas no Sermão da montanha, mas existem no solo da história.
É bonito e piedoso dizer que a santidade gera bons frutos no mundo. Vejam-se os frutos e procure-se confiadamente o santo. Nas suas memórias, Dom e Mistério, publicadas no 50º aniversário da sua vocação sacerdotal, São João Paulo Magno afirmou precisamente que:
No meio de tantas situações diferentes, a minha já longa experiência confirma a convicção de que a santidade sacerdotal é o solo que pode nutrir a actividade pastoral efectiva, uma verdadeira “cura animarum”. O mais verdadeiro segredo do sucesso pastoral autêntico não está nos meios materiais, menos ainda nos programas sofisticados. Os resultados duradouros dos desafios pastorais nascem da santidade do padre. É esta a fundação!
Está longe de ser uma afirmação polémica. Os escritos eclesiais sobre a fecundidade pastoral estão recheados de tais observações. Um padre profano não pode ser um bom pastor.
Mas será verdade? A história mostra-nos que João Paulo II e Marciel Macial nasceram no mesmo ano, ambos moldados por uma história de perseguição. Pareciam ser parceiros de missão.
A decisão sobre Medjugorje não teve de lidar directamente com esta questão – como teve de fazer com o caso dos Legionários de Cristo ou do L’Arche – mas o seu juízo é marcado por uma nova sobriedade. Prevalece agora uma certa modéstia, nascida de escândalos tão numerosos que não se podem contar. Dos bons frutos podemos falar, quando forem abundantes. Sobre a árvore, evitamos pronunciar-nos.
O decreto sobre padres, Presbyterorum ordinis, do Concílio Vaticano II, é equilibrado a este respeito, notando que “a santidade dos presbíteros muito concorre para o desempenho frutuoso do seu ministério”. Todavia, reconhece também que “a graça de Deus possa realizar a obra da salvação por ministros indignos”, ainda que Deus prefira recorrer a instrumentos santos.
A piedade encoraja-nos a dar mais destaque aos instrumentos santos do que aos indignos. Mas a experiência mostra-nos que estes existem, e não são poucos. Temos sido recordados disso, e a declaração sobre Medjugorje reflecte o que aprendemos.
Raymond J. de Souza é um padre canadiano. Para além de ser membro da Cardus, é comentador de assuntos católicos.
(Publicado pela primeira vez no sábado, 28 de Setembro de 2024 em The Catholic Thing)
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