
Não deve haver melhor figura que Maria de Betânia para nos conduzir até à Semana Santa. Enquanto Jesus se reclinava à mesa, ela “aproximou-se com um frasco de alabastro contendo um perfume muito caro, feito de nardo puro. Quebrou o frasco e derramou o perfume sobre a cabeça de Jesus”. Este gesto serve de referência para o resto da semana, marcando o tom para os eventos que virão e iluminando o caminho da nossa penitência. O próprio Senhor chama atenção para a importância do que foi feito, declarando solenemente: “Eu vos asseguro que onde quer que o Evangelho seja anunciado, em todo o mundo, o que ela fez será contado em sua memória”.
Mas afinal, o que é que ela fez, exactamente?
Em primeiro lugar, o seu gesto foi profético. Na tradição dos profetas do Antigo Testamento, Maria proclama a verdade não através de palavras, mas dos actos. Jeremias vestiu um jugo para proclamar a escravatura vindoura de Israel. Ezequiel fugiu, antevendo o segundo exílio. E aqui, Maria age como profetiza, proclamando a verdade sobre Cristo e sobre o que iria acontecer de seguida.
A verdade é que Ele é o Messias, o Ungido – o Cristo. Como os reis e padres eram ungidos em Israel antigamente, também Maria unge Jesus para proclamar e revelar aquilo que Ele já é. Não é ela que o torna o Ungido, mas pela sua devoção confessa que Ele é o Cristo.
A verdade que ela proclama sobre aquilo que ainda virá é tornada explícita por Nosso Senhor: “Ela antecipou a unção do meu corpo para a sepultura”. Ela proclama a sua morte – precisamente aquilo que os Apóstolos se recusavam a aceitar. Assim, as suas acções proclamam-no quer Cristo, quer Vítima pelos nossos pecados. Este gesto profético já revela Maria como a “Apóstola aos Apóstolos” (mais sobre isso abaixo). O seu acto profético já lhes proclama aquilo que eles irão proclamar às nações mais tarde.
Mas o sentido mais evidente do seu gesto é o total e absoluto dom de si a Jesus. E nada o diz mais do que o desperdício financeiro, algo que os discípulos detectam de imediato. A sua reacção é dura. Ficam “indignados” e “enfurecidos”. Criticam-na: “Porquê este desperdício de perfume? Poderia ter sido vendido por trezentos denários, e o dinheiro dados aos pobres”. De facto, aos preços de hoje, o frasco e o perfume, juntos, valeriam dezenas de milhares de dólares.
A reacção dos discípulos não é, por isso, surpreendente. O esbanjamento deixa-os de boca aberta, porque aos olhos do mundo, é mesmo um desperdício. E esse é mesmo o ponto, e provavelmente a razão mais profunda do seu desconforto. Ela fez aquilo que eles ainda não tinham feito; deu tudo. Ela esbanjou as suas poupanças por amor a Jesus. O seu gesto expressa a sua avaliação de Jesus; Ele vale tudo. Judas avaliou-o por apenas trinta moedas.
Os seus gestos são sacramentais, sinais exteriores que revelam a sua devoção interior. Ela não se limita a abrir o frasco, quebra-o. Não mete apenas umas pingas de perfume na sua cabeça, entorna tudo. A extravagância é, aqui, um sinal do abandono e compromisso total a Jesus.
Nós entregamo-nos a Ele a meio gás, aos bochechos, de forma egoísta. Mas, como dizia Santa Teresa, não se pode ser meio santo. Sim, todos reconhecemos que precisamos de quebrar as coisas e dar tudo por Ele. A diferença é que Maria o fez mesmo.
Depois temos a sua disposição para passar figuras. E a verdade é que o faz, entre o frasco partido e o perfume entornado. “A casa encheu-se com a fragrância do perfume”, diz João. É todo um espetáculo. Diríamos que “é coisa que não se faz”. A não ser, claro, que levemos a sério esta coisa de proclamar e seguir Jesus Cristo. Nesse caso, temos de estar dispostos a parecer ridículos, a incorrer em abusos e sermos ridicularizados pelo mundo.

Todos nós partilhamos do ofício profético de Cristo através do Baptismo, mas por regra mantemos a nossa pólvora seca – o nosso perfume no frasco – porque somos escravos da respeitabilidade humana. O que é que as pessoas pensarão? O que dirão? Maria de Betânia ensina que proclamar Cristo significa não ter tais coisas em consideração.
Infelizmente, ao longo dos mais recentes anos o ocidente afastou-se da antiga tradição que identifica Maria de Betânia com Maria Madalena, a Apóstola dos Apóstolos. Por outras palavras, que esta Maria é também a Maria aos pés da Cruz na Sexta-Feira Santa, e a mesma Maria que visita o túmulo na manhã da Páscoa, a Maria de quem o Senhor expulsou sete demónios e que foi conhecida durante séculos, tanto na liturgia como na arte, pelo título singular de A Penitente.
Se presumirmos que as duas Marias são, de facto, a mesma, então o quebrar do frasco de alabastro e o entornar do perfume, revelam-se não só como um gesto profético, mas também como um gesto penitencial. É uma expressão de gratidão por pecados perdoados. Aqui existe uma intersecção entre a profetisa e a penitente. Ela proclama-o como o Cristo que a libertou do pecado e da possessão.
Esta é uma associação importante a ter em conta, enquanto entramos nestes últimos dias da penitência quaresmal. O arrependimento significa reconhecer e proclamar Jesus como o Cristo, a Vítima dos nossos pecados, aquele que nos liberta. Significa não desperdiçar nada em busca da sua misericórdia, louvá-Lo pelo seu perdão e proclamar a sua Realeza.
O Pe. Paul Scalia é sacerdote na diocese de Arlington, pároco da Igreja de Saint James em Falls Church e delegado do bispo para o clero.
(Publicado pela primeira vez no domingo, 24 de Março de 2024 em The Catholic Thing)
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