
Há alguns meses escrevi aqui uma coluna em que sublinhava o impacto da invasão russa nos católicos de rito oriental da martirizada Ucrânia. Indiquei que no passado a expansão russa na Ucrânia e nas montanhas do Cárpato tinha prejudicado fortemente as igrejas destes ritos.
Na semana que passou o Papa não só chamou a atenção para esta tormenta, mas, ao fazê-lo, intensificou de facto o sofrimento de todo o povo ucraniano. Numa entrevista a um canal de televisão suíço (que será publicada na íntegra no dia 20 de Março), Francisco pede à Ucrânia que tenha a “coragem da bandeira branca”, um comentário que muitos ucranianos (e católicos em geral) entenderam como um apelo à rendição para pôr fim a uma guerra que já levou à morte de milhares de civis e combatentes, para não falar de destruição generalizada de vilas e aldeias.
Embora o Secretário de Estado do Vaticano, Cardeal Parolin, juntamente com o gabinete de imprensa do Vaticano, tenham entrado em modo de controlo de danos – afirmando que o Papa queria dizer era que era preciso ter coragem para negociar – a impressão que ficou foi de que Francisco tinha invocado apressadamente um símbolo de rendição, o que, tendo em conta a morte e destruição levados a cabo pela Rússia, pareceu profundamente ofensivo.
Os líderes greco-católicos da Ucrânia, por exemplo, não perderam tempo a reagir às afirmações do Papa. O Sínodo Permanente da Igreja Greco-Católica da Ucrânia protestou, dizendo que “os ucranianos não se renderão, porque a rendição equivale à morte”, que é algo que quem tenha prestado atenção às notícias ao longo dos últimos dois anos deveria saber.
O sínodo disse ainda que as intenções malévolas da Rússia são claras e que “70% da população russa, bem como o Patriarca Cirilo e a Igreja Ortodoxa Russa, apoia a guerra genocida contra a Ucrânia”. Na sua juventude, Cirilo era um informador, se não mesmo um agente, da KGB.
Como eu tinha dito no meu anterior artigo, o sínodo também lembrou que:
Todas as ocupações de território ucraniano levam à erradicação da Igreja Católica Ucraniana, de qualquer Igreja Ortodoxa Ucraniana independente [a que a maioria dos ucranianos pertence], e à supressão de outras religiões e todas as instituições e expressões culturais que não apoiam a hegemonia russa.
A Igreja Greco-Católica invocou também o acordo de 1994 de Budapeste, em que a Rússia prometeu respeitar a integridade territorial da Ucrânia em troca de esta abandonar o seu arsenal nuclear soviético. Porque é que alguém havia de confiar na Rússia agora?
O apelo do Papa à bandeira branca foi profundamente ofensiva para um povo que sabe bem o que significa a subjugação à Rússia. Tanto os regimes czarista e soviético perseguiram as Igrejas católicas de rito oriental. Os Bolcheviques enviaram muitos padres de rito oriental para as Gulag para sofrer e morrer. A propriedade das igrejas foi confiscada, empobrecendo o que restava das paróquias. As igrejas sobreviveram em larga medida tornando-se clandestinas, aparecendo novamente apenas em 1991 com a dissolução da União Soviética.
Tendo em conta esse historial, não admira que a fraca resposta do Cardeal Parolin – de que a bandeira branca não precisava de significar capitulação, mas podia também significar negociação – caiu em ouvidos moucos. O beligerante que ergue a bandeira branca fá-lo quase sempre de uma posição de fraqueza e não de força, e deve por isso estar disposto a aceitar termos desagradáveis, ditados pelos instrumentos diplomáticos utilizados para pôr fim às hostilidades.
Parolin também disse que uma vez que a Rússia era o agressor injusto nesta guerra, a responsabilidade por negociar estava quase toda do seu lado. O que levanta a questão: se o Papa concorda, porque não o disse na entrevista?
No passado, o Papa tem afirmado que as Igrejas Católicas de Rito Oriental são um canal ultrapassado de reunificação com as Igrejas ortodoxas, como as da Rússia ou da Grécia, com Roma. Obviamente, os católicos orientais não gostaram particularmente de serem descritos como algo obsoleto.

Estes mais recentes comentários descuidados sobre a bandeira branca apenas serviram para alienar ainda mais os católicos ucranianos de Roma. Também a semana passada a Igreja Copta Ortodoxa do Egipto (que não está em comunhão com Roma) anunciou que se retirava do diálogo ecuménico com o Vaticano por causa da Fiducia supplicans, o curioso apelo do Cardeal Fernández para a bênção de pessoas em uniões homossexuais.
Os bispos egípcios comentaram que tais bênçãos lamentavelmente contradizem, no essencial, o ensinamento sobre a sexualidade que se encontra tanto no Velho como no Novo Testamento, e acusaram Roma de inventar nova doutrina, algo que para os cristãos orientais é um problema muito grave. Trata-se de um golpe duro em mais de sessenta anos de progresso ecuménico.
Durante uma missa pela Ucrânia, organizada na catedral de St. Patrick pela fundação Ajuda à Igreja que Sofre, sua Beatitude Sviatoslav Shevchuk, o líder da Igreja Greco-Católica da Ucrânia pregou, dizendo:
Somos amados por Deus, e nenhum inimigo nos pode subjugar. Experienciámos isto ao longo destes dois anos – amor mútuo, atenção e protecção. Obrigado por expressarem este amor através da vossa oração, acção e sacrifício. Não desistamos! Mantenham-se firmes nos vossos postos. Não deixem o demónio ou a propaganda inimiga capturar os vossos corações, mas rezem e trabalhem, como nos mandou fazer sua beatitude Lubomyr Husar. A verdade de Deus vencerá: A Ucrânia vencerá. Não tenham dúvidas!
Estas não parecem as palavras de um líder de uma nação derrotada. Pelo contrário, fala com a convicção dos antigos profetas. Ele tem feito o que está ao seu alcance para dar esperança ao seu povo, entre a perda de filhos e de pais, a destruição de casas, aldeias e vilas, a separação de entes queridos e o medo de que jamais serão reunidos.
Pudesse o Papa da misericórdia fazer o mesmo.
Robert W. Shaffern é professor de história medieval na Universidade de Scranton. Também lecciona cursos de civilizações antigas e bizantinas, bem como sobre o Renascimento Italiano e a Reforma. É autor de The Penitents’ Treasury: Indulgences in Latin Christendom, 1175-1375.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na sexta-feira, 15 de Março de 2024)
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