
Depois de algumas décadas a dar aulas na universidade já percebi que os alunos estão cada vez menos bem preparados para estudar teoria política. Não se trata de um insulto, nem é culpa dos alunos. De certa forma é mesmo normal, tendo em conta a observação de Aristóteles de que é praticamente impossível ensinar a jovens os princípios da autoridade e do governo antes de terem participado de alguma forma significativa numa comunidade política.
Esse tipo de participação não se alcança lendo o New York Times ou o Wall Street Journal, mas pagando impostos, servindo no Conselho Geral da escola ou treinando de forma voluntária uma equipa de miúdos. Mais especificamente, os jovens precisam de phronesis (sabedoria prática) – uma virtude política essencial – simplesmente porque ainda não viveram o suficiente. Outra forma de o dizer é que a participação activa numa comunidade para extrafamiliar revela não só a necessidade de uma autoridade extrafamiliar, mas também os limites dessa mesma autoridade. Quando somos jovens e idealistas pensamos não só que tudo é possível, mas também que tudo depende do Governo.
É por isso que, tendo ajudado a redigir dezenas de discursos papais para Bento XVI e para Francisco, tenho-me impressionado com a forma como Leão XIV enfatiza os limites do governo. Não é que os seus antecessores não tenham também referido esses limites, mas não o fizeram com a mesma insistência nos seus ensinamentos diários comuns.
A semana passada, por exemplo, tendo como pano de fundo A Cidade de Deus de Santo Agostinho, o Papa Leão encorajou os membros da Rede Internacional de Legisladores Católicos a “impregnar a sociedade terrena com os valores do Reino de Deus”, permitindo assim uma “autêntica prosperidade humana”.
Normalmente, os seus antecessores ficariam por aí, mas Leão foi mais longe, perguntando: “Como podemos cumprir esta tarefa?” Depois de clarificar que “a prosperidade humana depende do tipo de “amor” [isto é, amor ao mundo ou a Deus] que escolhemos para organizar a nossa sociedade”, o Papa encorajou os legisladores a “trabalhar por um mundo em que o poder seja controlado pela consciência e em que a lei esteja a serviço da dignidade humana”(itálicos meus). Não podemos deixar de ouvir aqui influências da música patriótica “America the Beautiful” em que, enquanto nação, pedimos a Deus que “confirme a sua alma em autodisciplina, a sua liberdade na lei”.
Mais uma vez, isto não é nada de novo para a doutrina social católica. Mas no passado insistiu-se demais em noções vagas daquilo que os corpos governativos individuais ou multilaterais podem fazer.
A dependência de Leão XIV no princípio do governo limitado parece mais subtil.
Quando falou aos diplomatas acreditados junto da Santa Sé, por exemplo, Leão citou o Rerum Novarum, notando que o principal meio ao dispor dos líderes dos governos para “edificar sociedades civis pacíficas e harmoniosas” é de “investir na família (…) uma sociedade pequena mas genuína, que antecede toda a sociedade civil’ (Rerum Novarum, 9).”
Por outras palavras, os objectivos da entidade política não se alcançam simplesmente apontando para o efeito alguma autoridade, mas através do apoio às “pequenas sociedades” que a autoridade foi nomeada para servir em primeiro lugar.
Embora menos evidente no seu discurso aos membros da União Internacional Interparlamentar, os limites do governo também constam na afirmação de Leão de que “uma referência imprescindível é a lei natural, não escrita pelas mãos do homem, mas reconhecida como válida universalmente e em todos os tempos, que encontra na própria natureza a sua forma mais plausível e convincente.”
Uma afirmação concomitante – evocativa de Bento XVI – que emergiu do discurso de Leão é que a referência à lei natural é uma forma de garantir que não há exclusão a priori do transcendente nos processos de decisão política. Por outras palavras, se, como disse Leão XIV, “a lei está ao serviço da dignidade humana”, então a dignidade humana só pode ser verdadeiramente servida quando a lei natural estabelece limites naturais ao direito positivo.

É evidente que, com a ajuda de A Cidade de Deus, da Rerum Novarum e do legado de ambos, Leão pretende chamar a atenção para duas possíveis transgressões dos limites dos governos. O primeiro será mais conhecido de quem está familiarizado com a doutrina social católica, sobretudo no Ocidente. Nomeadamente, os regimes totalitários são uma afronta à liberdade humana e uma agressão à dignidade humana. Mas o segundo, que é essencialmente o inverso do primeiro, é referido mais raramente. Trata-se da ideia de que a autoridade civil tem de facto alguma legitimidade própria e não existe apenas para servir as pequenas sociedades – isto é, as famílias – que lhe estão sujeitas.
Assim, em Quadragesimo Anno, lemos que o governo “não deve limitar-se a tutelar os direitos e a ordem pública, mas antes fazer o possível para que as leis e instituições sejam tais… que da própria organização do Estado dimane espontaneamente a prosperidade da nação e dos indivíduos’ (Rerum Novarum, 19)”. Pio XI continua, explicando que “deve sim deixar-se tanto aos particulares como às famílias a justa liberdade de acção, mas contanto que se salve o bem comum e não se faça injúria a ninguém.”
Logo, o Estado tem também um papel proactivo, embora limitado (não totalitário) na promoção do bem comum, e não apenas um papel defensivo de livrar as famílias que o procuram dos obstáculos que se possam pôr no seu caminho.
O Dr. Alex Plato é um exemplo de teorista que fica aquém de respeitar este papel legítimo do Estado. Descrevendo-se como um “distributista anti-estado pós-liberal”, Plato reconhece que a família constitui uma “pequena sociedade”, mas chama-lhe também uma “sociedade plena (…) independente da comunidade política que poderá desenvolver-se com ela”. Isto é ir longe de mais e não reflecte o ensinamento de Quadragesimo Anno acima referido.
Temo que vivemos numa era em que muitos jovens, incluindo os meus alunos de teoria política, concordam com esta visão do Estado e, o que é pior, acham que se trata de um reflexo verdadeiro da doutrina social católica.
Temos visto várias notas de grande graça no pontificado de Leão até ao momento. Espero que este seu reconhecimento dos limites do governo se mantenha entre eles.
Daniel B. Gallagher lecciona filosofia e literatura no Ralston College. Anteriormente, foi secretário de latim dos Papas Bento XVI e Francisco.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na segunda-feira, 1 de Setembro de 2025)
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