
No passado domingo a Igreja deu-nos a oportunidade de reflectir sobre o mistério da Cruz, orientando-nos os pensamentos e sentimentos ao referir-se à festa da “Exaltação”. Hoje gloriamo-nos na Cruz, regozijamos nela, mesmo. Na solenidade usamos paramentos encarnados, próprios da realeza e da vitória. Cantamos: “Erguei bem alto a Cruz, proclamai o amor de Cristo; Que todo o mundo adore o seu Santo Nome”.
Isto é muito contracorrente com a abordagem moderna aos temas do sofrimento e da morte. O padre Pablo Straub criou um termo que descreve bem a reacção dos nossos contemporâneos à Cruz: “crucifobia” – medo da Cruz! Fico feliz por poder dizer que era muito novo quando aprendeu a evitar esse mal.
Eu nasci com vários problemas de saúde e por isso tive de ser sujeitado a tratamentos dolorosos.
Numa dessas sessões a técnica que estava de serviço era uma freira, que me disse: “Peter, a tua mãe diz-me que gostarias de ser padre. Um padre é um homem de sacrifício – como Cristo, o sacerdote. Sei que isto vai doer bastante, e lamento muito. Mas quero que faças duas coisas. Quero que olhes fixamente para o crucifixo que tenho no hábito. Vê como Jesus sofreu por ti por causa do seu grande amor. Diz-lhe que queres amá-lo de volta, que queres unir o teu sofrimento ao dele e que queres oferecer os teus sofrimentos pela tua vocação sacerdotal”.
A dor não desapareceu, mas tornou-se mais suportável porque foi colocada num contexto mais alargado – um contexto de amor divino, da salvação do mundo e da minha vida futura enquanto padre. Graças a essa freira, cujo nome nunca soube, nunca mais experimentei qualquer “crucifobia”.
Em Agosto de 1998 fui para a Lituânia para ajudar a reerguer a Igreja depois de décadas de opressão comunista. Tinha pouco tempo para turismo, mas o meu anfitrião perguntou se havia algo que eu queria mesmo ver. Respondi que queria visitar o “Monte das Cruzes”.
Para mim esse lugar é o símbolo perfeito da Igreja em todos os tempos. Cada cruz que lá foi plantada é uma recordação do sofrimento vivido pelos seguidores de Cristo e as cruzes no seu conjunto apresentam-se como testemunhos do espírito humano indomável, fortalecido e encorajado pela Cruz do Salvador. Foi por isso que João Paulo II também visitou o “Monte das Cruzes” na sua visita pastoral à Lituânia em 1993.
Conto ainda mais uma história. Colaborei durante vários anos em muitos projectos com um rabino mundialmente famoso. Juntos escrevemos um livro e abordámos assuntos teológicos a partir das nossas respectivas tradições.
Um desses temas foi o sofrimento. (O rabino tinha perdido uma filha anos antes num terrível acidente de automóvel, em que ele era o condutor, e nunca ultrapassou essa tragédia.)
Um dia estávamos a contemplar o mistério do sofrimento, em particular dos inocentes, e falámos da solução menos que feliz no Livro de Job. Calhou esse dia ser a Solenidade da Exaltação da Cruz. Referi então que na Cruz de Cristo os cristãos encontram sentido para todo o sofrimento humano e para a morte, e que essa dor pode na verdade ser redentora. Com lágrimas nos olhos, o rabino soluçou: “Quem me dera poder acreditar nisso!”
Tudo isto pode levar-nos a perguntar que misterioso fascínio é este que os cristãos têm com a Cruz, e em carregar cruzes? A maioria das pessoas fogem do sofrimento, porém o Cristo da Paixão caminha corajosa e resolutamente em direcção à Cruz, com todo o seu sofrimento.
A Epístola aos Hebreus diz-nos que Jesus aprendeu obediência a partir daquilo que sofreu. A palavra “obediência” vem do latim para “escutar atentamente”. Jesus escuta atentamente a vontade e o plano do seu Pai, e age em concordância. De facto, a maior lição de teologia aprende-se contemplando intensamente o crucifixo.

Um símbolo de ignomínia ao longo dos anos foi transformado por Jesus Cristo. Como diz Júlio de Norwich, olhamos para as feridas e as suas honrosas cicatrizes como símbolos de vitória e de amor.
O Livro de Génesis diz-nos que a causa da desobediência de Adão foi uma árvore; Jesus, sempre obediente à vontade do seu Pai, toma essa árvore e torna-a um instrumento de salvação. Ele é o ponto de referência da história.
Por isso, na Solenidade da Santa Cruz a Igreja convida-nos a venerar a Cruz de Cristo. Nesse convite devemos ver nada menos do que o convite que Jesus nos faz para ir a Ele. Aquele que morreu por ti não quer a tua morte, quer a tua vida. Nu e ferido, mas repleto de amor e ainda nosso Rei, os seus braços estendidos chamam-nos e recordam-nos: “Quando for erguido atrairei a mim todas as coisas”.
Este poder de atracção é o grande triunfo da Cruz. Logo, qualquer cruz, carregada por qualquer crente na história, ganha sentido e torna-se fonte de vida quando inserida numa relação com a Cruz a partir da qual Jesus reinou como Rei do Amor, e sobre o qual triunfou com a sua gloriosa ressurreição. O Monte das Cruzes é, por isso, não um cemitério, mas uma antecâmara para a vida no Céu.
Os nossos antepassados sabiam e acreditavam nisso, como é o caso de milhões dos nossos correligionários em todo o mundo ainda hoje. Nós que vivemos uma vida confortável precisamos de aprender a mesma lição, deixar de fugir das cruzes que surgem no nosso caminho, não nos moldarmos a uma cultura pagã para evitar o gozo ou a perseguição, e não tentar formar uma religião confortável e mole.
Pelo contrário, devemos abraçar as nossas cruzes pessoais, vendo nelas a possibilidade de nos unirmos à Cruz salvadora de Nosso Senhor. E deixo aqui um apelo especial para todos os que sofrem de qualquer forma: Não “desperdicem” o vosso sofrimento, nem se deixem tomar pelo ressentimento. Ofereçam-no em união com os sofrimentos do nosso Salvador e tornem-no redentor.
O padre Peter Stravinskas é doutorado em Administração Escolar e Teologia. É editor fundador de The Catholic Response e editor da Newman House Press. Mais recentemente lançou uma licenciatura em Administração Escolar Católica através da Pontifex University.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing no Domingo, 14 de Setembro de 2025)
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