
Quando tinha apenas dezassete anos, abortei o meu bebé. Nunca antes tinha pensado no aborto. Pensava que iria ser virgem até ao dia em que me apaixonasse, tal como as mulheres dos romances de cordel que lia da biblioteca pública. Aqueles em que o homem bonito aparecia montado num cavalo. Nos anos 70 as mulheres devoravam esses livros, que vendiam milhões de exemplares, com as suas passagens sexualmente explícitas. Comecei a lê-los na escola. Sabia que o sexo fora do casamento era pecado, mas nos meus livros o sexo acontecia sempre antes do casamento. O casamento aparecia no final, quando eles viviam “felizes para sempre”.
Quando estava no liceu era esperado que bebêssemos. Era igualmente esperado que tivesse um namorado. Pensava mais em rapazes do que em Deus, na escola, ou nos assuntos da actualidade. Os fins-de-semana eram para beber e para conviver com rapazes. Na escola pública onde andei não se falava de Deus. A minha família era católica, íamos à missa ao domingo e rezávamos antes de comer, mas fora isso não se falava de Deus. Bastava que nos portássemos bem.
Depois de fazer o crisma nunca mais me confessei ou fui à catequese. Estava agradecida por ter despachado aquilo; a religião não me parecia ser importante. Nunca ouvi falar do aborto na Igreja nem em qualquer catequese. Nunca me foi dito que o aborto era matar uma criança. Sabia que a Igreja Católica se opunha à contracepção, mas não sabia porquê. Uma amiga disse-me que era para que viessem mais católicos ao mundo, o que na altura me pareceu correcto.
Depois do aborto continuei com a minha vida. Nunca falei do assunto a ninguém. Foi como se nunca tivesse acontecido. Antes de o fazer, o terror de que os meus pais e a minha comunidade descobrissem que eu estava grávida consumia-me por inteiro. Não conseguia pensar em mais nada se não fazer o aborto o mais rapidamente possível. Se pensava no que estava a fazer, era apenas “pôr fim a uma gravidez”. Era legal, fácil e barato, logo não podia ser nada de grave.
A vergonha da gravidez, juntamente com o medo da humilhação pública, da cusquice e da perda de aprovação da minha família e amigos era assoberbante. Na altura pareceu-me forte e admirável da minha parte tratar do assunto sozinha, sem drama, sem emoções e sem discussão. Eu tinha-me metido nesta situação, eu resolveria. Ninguém precisava de saber.
Por isso fiz um aborto e voltei para a escola. Feito. Não penses mais nisso. Fui das melhores alunas da turma, e recebi muitos elogios, depois fui para uma universidade católica de topo e, eventualmente, para um programa de pós-graduação. Casei, tive três filhos e comecei uma carreira de sucesso. Diria que era feliz, mas na verdade estava era habituada a um certo entorpecimento.
Se me pedissem para descrever a minha vida depois do aborto diria que era como observar-me de fora a viver a minha vida. Parei de ir à missa regularmente. Raramente rezava. Um dia uma mulher católica mais velha, que tinha muitos filhos e netos, parou e tocou docemente na minha filha recém-nascida, com grande reverência. Lembro-me de achar estranho. Amava profundamente os meus filhos, mas ela estava a ver algo mais, algo sagrado. Na altura não compreendi.
Felizmente o meu marido é católico. Sabíamos que os nossos filhos precisavam dos sacramentos, porque isso é o que os católicos fazem. Lembro-me de dizer a uma amiga que nós íamos à missa para que os nossos filhos aprendessem os valores. Eventualmente uma das minhas filhas começou a preparação para o crisma. Os pais foram convidados a confessar-se ao mesmo tempo que os filhos. Há anos que eu já tinha voltado a ir à missa, mas não me confessava desde o nono ano. Confessei o meu aborto.
Algum tempo depois estava na missa e ouvi no Evangelho: “Pedi e recebereis”. Nunca me tinha passado pela cabeça pedir nada, eu pensava que bastava continuar a tentar ser boa pessoa, que era esse o caminho para Deus. Nesse dia pedi fé. Sabia que não acreditava verdadeiramente, para mim Deus era distante, insondável.

Isso foi o início. Ao longo dos anos seguintes o Senhor encheu-me da sua graça. Abriu-me os olhos. Passei a ler as Escrituras todos os dias. Se houvesse uma Igreja Católica por perto, entrava para rezar diante de Jesus no sacrário. Ia à missa, primeiro aos domingos, e depois diariamente.
Passei também a confessar-me, e a ler os santos: Agostinho, Aquino, Boaventura, Catarina de Sena, Teresa de Ávila. Arranjei um bom director espiritual. Estava de facto a viver a minha vida. Conseguia ver, conseguia ouvir.
Só posso atribuir este desejo de aprender mais sobre Deus a um dom do Espírito Santo. Acredito verdadeiramente que todos aqueles terços que as pessoas rezam pelos pecadores contribuíram para me salvar.
Durante esse período de graça e de conversão raramente pensava sobre o aborto. Tinha sido perdoada. Mas um dia, quando estava no carro com a minha filha, ela disse-me que estava entusiasmada com uma festa que aí vinha. Estava a entrar para o secundário, e por isso perguntei se na festa haveria álcool.
Tornou-se muito defensiva. Era uma boa miúda, e ficou ofendida com a minha preocupação. Comecei a avisá-la sobre estas festas, sobre o álcool e a existência de drogas usadas para violar raparigas, sobre a perda da inocência. E então comecei a chorar. Estava com medo por ela, e acabei por contar-lhe sobre o aborto que fiz. Disse-lhe que me sentia uma cobarde por aquilo que tinha feito. Foi um momento embaraçoso para ambos, e triste.
O aborto é um mal cometido sobre uma criança inocente e, na maior parte das vezes, sobre uma mulher desesperada, confusa, assustada e muitas vezes ignorante. O mal que é o aborto assombra-me, apesar de me saber curada e perdoada. Estou sempre a ouvir dizer que o aborto dá mais poder às mulheres, mas eu sei que na verdade é o contrário.
Quando o meu bebé morreu, durante esse procedimento eu também perdi uma parte da minha vida. Na altura não me apercebi disso, mas agora que ganhei nova vida no Espírito Santo, vejo-o mais claramente. O aborto disfarça o mal, mas o mal existe.
Esta é uma tragédia que nasce do sexo fora de um casamento comprometido. Desde sempre que a Igreja tem razão sobre isso, ensinando que é a castidade que faz crescer os nossos filhos, que os protege. Os pais devem fazer tudo o que está ao seu alcance para abençoar e proteger os seus filhos através dos sacramentos. Porque o mal existe.
Jackie Dettling é esposa, mãe e profissional. Vive em Arlington, Virgínia, e recentemente tornou-se membro professo da Ordem Secular das Carmelitas Descalças.
(Publicado pela primeira vez no sábado, 1 de Fevereiro de 2025 em The Catholic Thing)
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