No dia 22 de Outubro assinalou-se o vigésimo aniversário da morte de Louis Bouyer, o padre católico francês que era visto como demasiado progressista por alguns católicos conservadores, e demasiado tradicionalista por muitos católicos liberais. Porém, Bouyer foi o fundador, juntamente com Hans Urs von Balthasar e Joseph Ratzinger, da conhecida revista académica Communio, bem como autor de vários livros.
Participou no Concílio Vaticano Segundo como peritus – um perito em teologia convidado para aconselhar os bispos. Depois do Concilio, Bouyer publicou um livro que sabia que lhe traria inimigos e mágoa em igual medida: A Decomposição do Catolicismo.
“Catolicismo”, neste contexto, não se refere à Igreja Católica. “Catolicismo”, segundo Bouyer, é um movimento, quase uma ideologia, que assumiu um controlo desproporcional sobre o governo da Igreja.
Por “Catolicismo” ele quer dizer “o sistema artificial fabricado pela Contrarreforma, e endurecida à bastonada pelo modernismo”. Se isto for “catolicismo”, então bem pode morrer. Na verdade, da perspectiva de Bouyer, “há boas possibilidades de até já ter morrido, embora não o consigamos perceber.”
As características gerais deste moribundo “catolicismo” – um termo que surgiu por volta do Século XVI para descrever um sistema de adesão aos ensinamentos da Igreja Católica – são variadas e até, por vezes, contraditórias. A razão para as contradições é que, no final de contas, existem dois tipos de “catolicismo” com efeitos igualmente nocivos: “progressismo” e “integralismo”.
Segundo Bouyer, o integralismo é marcado por um conservadorismo rígido e um desejo de manter cada detalhe da prática católica “como sempre foi”. Tende a virar as costas ao mundo contemporâneo, recusando até interagir com ele.
Antes do Vaticano II, este integralismo era caracterizado por aqueles líderes religiosos que praticavam um estilo de autoritarismo que reduz a fé a uma coisa de tipo tribal. O integralismo pós-conciliar foi, contudo, “uma das massas de boas pessoas profundamente magoadas que, sem líderes capazes ou dignos de os liderar, poderiam simplesmente congelar-se numa temperamental recusa em ceder”.
Já o progressismo, obviamente, posiciona-se no extremo oposto. Adopta um enfoque excessivo em estar “aberto ao muindo” e de se acomodar à cultura secular. Os progressistas abraçam de forma acrítica a modernidade e a secularização, e a sua abertura faz com que seja fácil serem convertidos ao mundo, em vez de serem uma força para converter o mundo.
De facto, a razão para a susceptibilidade do progressismo às modas é a convicção de que não tem dada para ensinar ao mundo, e por isso deve escutá-lo. A necessidade de escutar leva a uma ênfase exagerada na adaptação da fé às sensibilidades contemporâneas, levando frequentemente à diluição do carácter distintivo católico. Nas suas tentativas de parecer sensato aos insensatos, o progressismo reinterpreta ou desvaloriza a doutrina católica ao ponto do absurdo.
Para Bouyer, o integralismo e o progressismo têm uma característica em comum: uma obsessão com a autoridade da Igreja. Tanto para um como para outro, a autoridade – petrificada no trono papal – tornou-se um fim em si mesmo, em vez de um serviço à verdade e à unidade.
O sistema do “catolicismo” ganhou vida ao longo de vários séculos, na medida em que os membros da Igreja abraçaram uma eclesiologia de “poder” em vez de orientação pastoral. A autoridade foi sendo vista cada vez mais como um absoluto, em vez de algo divorciado da tradição – salvo, talvez, a tradição particular da dita autoridade – e dos fiéis.
A autoridade passou a ser vista principalmente como repressiva ou opressiva da consciência individual, em vez de guia e estimulante de vida cristã autêntica.
Este “catolicismo” – tanto progressista como integralista – criou uma falsa dicotomia entre a autoridade e a liberdade, enquanto uma genuína compreensão católica as vê como complementares: “Tinham uma falsa noção dela, vendo-a apenas como uma negação da liberdade que era em si identificada com as suas formas negativas (com o livre de a eclipsar a liberdade para)”.
Esta visão equivocada levou a uma ênfase exagerada na uniformidade e conformidade, abafando a legítima diversidade na Igreja – em larga medida segundo a visão integralista. O resultado foi uma tendência para reduzir a fé à mera obediência de regras externas em vez de uma relação viva com Deus. Esta conceção equivocada da autoridade contribuiu tanto para o autoritarismo rígido do integralismo como para a rejeição reactiva da autoridade por parte do progressismo (que, todavia, continuou a acreditar na autoridade acima da verdade).
A crítica de Bouyer ao “Catolicismo” enquanto sistema artificial dentro da Igreja manifesta paralelos assinaláveis com a noção contemporânea da sinodalidade, em particular como manifestada pelo Sínodo da Sinodalidade. Tal como o “catolicismo” que Bouyer descreve, a sinodalidade arrisca tornar-se um movimento que busca um controlo desproporcional sobre o governo da Igreja. Exibe ainda características tanto do progressismo como do integralismo que Bouyer identificou.
Por um lado, o foco da sinodalidade em “escutar todas as vozes” faz eco da tendência progressista para abraçar acriticamente a cultura secular moderna, correndo o risco de diluir aquilo que é distintamente católico, para poder parecer relevante. Por outro, a codificação de processos formais espelha a inclinação integralista para sistemas rígidos – i.e., apesar do ideal da escuta – sobretudo da “experiência de vida” das pessoas, torna-se autoritária.
Mais, o foco da sinodalidade na autoridade e nos “processos” de decisão reflecte a ênfase problemática no poder eclesiástico que Bouyer criticava. Tal como Bouyer via o “catolicismo” como um sistema em decomposição, pode-se argumentar que a sinodalidade representa uma nova expressão desta construção artificial: embora procure a inclusividade e a participação, arrisca-se a cair na armadilha de dar prioridade ao processo em detrimento da verdade e da unidade.
Claro que se queremos mesmo espalhar a mensagem de Cristo pelo mundo, temos em primeiro lugar que a compreender. Independentemente das nossas intenções, nós já fazemos parte deste mundo. Não escolhemos o tempo em que vivemos, tal como não escolhemos a nossa composição genética. Para se ser um cristão efectivo devemos estar no mundo, continuando, todavia, a “não ser do mundo”. Só conseguimos compreender as dificuldades contemporâneas se mantivermos a Verdade – a verdade da fé e da razão – ao leme.
Tal como Bouyer escreveu sobre o “catolicismo”, a sinodalidade pode morrer, mas “a Igreja una, santa, católica e apostólica, sobre qual Pedro e os seus sucessores ‘presidem em caridade’, tem a promessa da vida eterna, e a sua fé não será desapontada”.
Dominic V. Cassella é aluno de doutoramento na Catholic University of America, e é director executivo da Theosis Academy, um site dedicado à educação católica e ortodoxa e ao diálogo ecuménico, sedeada em Fairfax, Virginia. Cassella é também assistente editorial e online no The Catholic Thing.
(Publicado pela primeira vez na terça-feira, 22 de Outubro de 2024 em The Catholic Thing)
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