Numa capela lateral da Basílica de Santa Maria Maior, em Roma, encontram-se os restos mortais do Cardeal Federico Cesi (1500-1565), debaixo de um magnífico monumento funerário. Cesi teve uma história importante na Igreja: foi bispo de diversas dioceses, ocupou altos cargos dentro do Colégio dos Cardeais, participou em três conclaves, foi amigo dos futuros santos Filipe Néri, Carlos Borromeo e Inácio Loyola. Foi ele quem encomendou a capela lateral que agora ostenta o seu nome, onde descansam os seus restos mortais, do lado contrário ao do seu irmão, que foi também cardeal.
Incontáveis monumentos semelhantes a outros cardeais, entre os mais ilustres líderes da Igreja Católica, decoram as paredes de outras igrejas em Roma. Alguns mandaram fazer os seus próprios monumentos enquanto eram vivos. No caso de outros, como Federico Cesi, os monumentos foram mandados erguer por amigos e família, depois da sua morte. Em qualquer caso, os monumentos foram esculpidos para comunicar para a posteridade a grandeza que foi a sua vida. A ideia é de que através da escultura o falecido encontrará alguma forma de imortalidade. Porém, com o passar dos anos, estes outrora ilustres cardeais foram esquecidos, e os seus monumentos recebem pouco mais do que olhares furtivos de visitantes ansiosos por ver outros adornos mais interessantes nas Igrejas onde descansam.
As tentativas vãs dos cardeais de alcançar fama duradoura aqui na terra servem de aviso de que apenas Deus se recordará das nossas vidas. E não devemos precisar de outra motivação que essa para inspirar as nossas acções.
Os monumentos funerários são o maior exemplo da interligação complexa entre o nosso desejo inato por imortalidade terrena e a promessa sobrenatural da vida eterna. Embora acreditemos pela fé que só a segunda destas premissas interessa, a verdade é que operamos como se a vida eterna na Terra fosse o nosso verdadeiro objectivo, e esta é uma realidade que nos diminui.
O desejo de continuar a viver após a morte resulta do nosso instinto de autopreservação. Estremecemos perante a morte e o esquecimento que augura. Por isso, procuramos constantemente formas de prolongar a vida e de assegurar um lugar neste mundo depois da morte. Os mecanismos preferidos para alcançar este objectivo, nota Joseph Ratzinger na “Introdução ao Cristianismo”, são a procriação e a fama.
A vontade de reproduzir é natural; a mancha do Pecado Original gera a sede de fama, que pode tornar-se um exercício radicalmente autodestrutivo. Pela vontade de sermos conhecidos, de ser recordados, honrados, voltamo-nos sob nós mesmos – e para longe de Deus. Daí que trabalhar para a fama conduza não à vida eterna, mas a uma forma de punição eterna. “A imortalidade autoatribuída”, escreve Ratzinger, “não passa de um Hades, um Sheol; mais um não-ser do que um ser.”
No seguimento dos mandamentos de Nosso Senhor de “tomar o último lugar” e de “não acumular tesouros na terra”, a piedade católica oferece um remédio para ultrapassar o desejo errante de fama: a Litania da Humildade, cada petição da qual equivale a um murro no estômago:
Do desejo de ser honrado, livrai-me, Senhor Jesus.
Do desejo de ser louvado, livrai-me, Senhor Jesus.
Do medo de ser esquecido, livrai-me, Senhor Jesus.
Concede-me, Jesus, a graça de desejar que os outros sejam elogiados e eu passe despercebido.
Contudo, a oração não funciona como pesticida. Estes desejos terríveis nunca desaparecem, e podemos acrescentar à complexidade que sentimos ao combatê-las o facto de certas buscas por fama e imortalidade duradoura – como o donativo de objectos ou espaços para a Igreja ou para a escola que levam o nosso nome, mandar construir ou alargar edifícios, fazer donativos para instituições, escrever livros, criar arte, estabelecer programas – poderem gerar oportunidades e caridade para a posteridade que de outra forma não existiriam.
Ironicamente, ao mesmo tempo que nos encurralamos num inferno criado por nós mesmos, em busca de algo que não pode ser obtido, podemos ajudar os outros a saborear o Céu.
Tais obras caritativas podem ainda providenciar história e cultura para a posteridade, com um sentimento de presença entre a grande nuvem das testemunhas. Se cada sucesso humano fosse alcançado de forma anónima, as gerações tornar-se-iam sucessivamente mais pobres e as suas ligações através Corpo de Cristo aos que vieram antes de nós seriam mais ténues.
Mas para os próprios benfeitores os retornos terrenos rapidamente se esgotam. Porque, como diz Ratzinger, “aquilo que permanece [no tempo depois da morte] não é o ser, mas apenas um eco, uma mera sombra”.
Os cristãos deviam redireccionar, deliberada e repetidamente, o seu desejo inato de imortalidade para longe deste mundo, com as suas promessas vazias, e para Deus, que segundo Ratzinger: “não sustenta apenas a sombra e o eco do meu ser… Eu próprio sou o seu pensamento, que me estabelece de forma mais segura, por assim dizer, do que eu sou em mim mesmo”. Em Deus “posso permanecer como mais do que uma sombra; Nele estou verdadeiramente mais próximo de mim mesmo do que estaria se me tentasse sustentar sozinho”.
Ao procurar a imortalidade terrena, mas sem sucesso, os cardeais nas paredes das igrejas acabam por nos educar. O monumento mais duradouro que o bronze é o descanso na memória eterna do Senhor. Só Ele nunca se esquece. Se nos recordarmos diariamente de que apenas a sua estima interessa, podemos evitar aprisionarmo-nos no Sheol das nossas próprias expectativas errantes.
David G. Bonagura, Jr. leciona no Seminário de São José, em Nova Iorque. É autor de Steadfast in Faith: Catholicism and the Challenges of Secularism, que será lançado no próximo inverno pela Cluny Media.
(Publicado pela primeira vez no Domingo, 30 de Junho de 2024 no The Catholic Thing)
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