[NOTA: Desde que escrevi este artigo houve mais vítimas, com alguns órgãos a afirmar que já morreram até mil e trezentas pessoas por causa do calor. Rezemos por todas elas, seja qual for a nossa religião.]
A cidade mais santa do Islão está a ser novamente palco de tragédia, agora com uma terrível onda de calor a causar centenas de mortos entre peregrinos. Neste artigo explico de forma simples o que é a peregrinação a Meca e qual a importância da cidade para os muçulmanos, mas também elenco alguns dos principais incidentes que marcaram esta peregrinação, conhecida como Hajj, nas passadas décadas.
Meca já era uma cidade importante antes do início do Islão. Localizada no que é hoje a Arábia Saudita, no epicentro do mundo árabe, era a cidade de Maomé e já tinha um importante santuário, a Caaba, no seu tempo, onde se prestava culto a diferentes deuses. O santuário era marcado pela presença de uma pedra peculiar, preta, que os muçulmanos acreditam datar do tempo de Adão e Eva e que alguns pensam ser um meteorito.
Quando Maomé começou a pregar a sua religião e as revelações que dizia estar a receber, acabou por ser expulso de Meca, tendo-se mudado com os seus seguidores para Medina. Eventualmente regressou mais forte, conquistando Meca e convertendo a Caaba num espaço islâmico, destruindo os ídolos pagãos que lá se encontravam.
Até então, os muçulmanos rezam voltados para Jerusalém, mas passaram a rezar orientados para Meca, mais especificamente para a Caaba. Actualmente a peregrinação a Meca é considerada um dos cinco pilares do Islão, e todos os muçulmanos são encorajados a fazê-la pelo menos uma vez na vida, idealmente durante o 12º mês do calendário islâmico, que sendo um calendário lunar está desfasado do calendário gregoriano usado em grande parte do mundo. Por essa razão, o mês do Hajj é móvel e pode calhar, como este ano, na época quente de Meca, o que aumenta o risco para a saúde dos peregrinos.
Todos os anos perto de dois milhões de muçulmanos, de todo o mundo, acorrem a Meca nesta altura do ano. Trata-se de uma das maiores peregrinações regulares do mundo, a seguir ao Kumb Mela, um festival Hindu que se realiza de três em três anos e chega a atrair 200 milhões.
Como se pode facilmente imaginar, a presença de tantos peregrinos em torno do mesmo santuário, num espaço de tempo relativamente reduzido causa graves constrangimentos logísticos que, infelizmente, têm resultado em algumas tragédias ao longo do ano.
Este ano, a onda de calor que se tem feito sentir, com temperaturas a ultrapassar os 50 graus à sombra, já matou pelo menos 550 pessoas.
Ainda assim, este número de vítimas está bastante abaixo das cerca de 2500 que morreram em 2015, quando a confluência de grupos grandes de peregrinos num cruzamento causou pânico. A maioria das vítimas morreu de asfixia ou esmagamento. Como o maior número de vítimas era do Irão, o incidente causou uma grande tensão entre a Arábia Saudita e o seu principal rival no mundo muçulmano.
Este tipo de tragédia é, aliás, bastante frequente. Houve outros episódios de esmagamento em 2006, quando perto de 400 peregrinos morreram esmagados num ritual de apedrejamento de uma coluna que representa Satanás. Este ritual costuma ser o mais perigoso, tendo custado a vida a 251 peregrinos em 2004, 14 em 2003, 35 em 2001 e 270 em 1994.
Em 1998 morreram esmagadas 180 pessoas numa ponte, e em 1990 morreram 1426 num túnel para peões.
Durante alguns anos os incêndios nos locais de campismo eram também um sério risco, com 200 peregrinos a morrer em 1975 e 343 em 1977. Actualmente as tendas são todas feitas de material não inflamável.
Houve pelo menos dois incidentes de falha de construção, com o desmoronamento de um hotel em 2006 que matou pelo menos 76 pessoas, e a queda de uma grua em 2015 que matou 111.
O facto de muitos dos maiores grupos de peregrinos viajarem de avião, e de países menos desenvolvidos, também levou a que se registasse uma série de acidentes aéreos que resultaram na morte de fiéis que viajam para Meca, ou de volta para os seus países. O pior foi em 1980 e morreram 301 pessoas, entre passageiros e tripulação.