
Ontem à noite acordei com o estrondo de trovoada e de chuva a bater na janela do meu quarto. Foi a nossa primeira tempestade de verão, daquelas em que parece que rebentou uma comporta enorme nos céus e todas as águas até então cativas descem de uma assentada.
Ao ouvir o barulho senti um arrepio delicioso, porque tenho aguardado ansiosamente esta chuva. O meu jardim andava a precisar de água fresca do céu – horas de chuva – para encharcar profundamente os canteiros que até agora têm sido salpicados apenas ao de leve pelos artifícios humanos de mangueiras de borracha e canos de metal.
Chegada a manhã, fui ver com satisfação os resultados. Uma forte chuvada tinha levado consigo todo o ar de cansaço que semanas de seca tinham infligido nas folhas da caliandra. O aroma delicado do jasmim da noite acolheu-me docemente. E a acácia rubra parecia desejosa de se coroar de flores selvagens cor-de-laranja.
Não sou jardineira há muito tempo, mas como podem ver estou encantada com o meu jardim. Para além da vista para a beleza exterior que me delicia enquanto trabalho na cozinha, o meu jardim abriu-me toda uma nova janela para a compreensão de Deus. Isto pode parecer grandiloquente, mas garanto que não é. Na verdade, é a coisa mais natural e simples do mundo.
Quando Jesus caminhou entre nós, há muito tempo, as pessoas que tiveram a felicidade de ouvir a sua voz eram, todas elas, jardineiras. Alguns por profissão, como os vinhateiros e os cultivadores de oliveiras, mas também todos os restantes, por virtude de pertencerem a uma sociedade agrária. As palavras que ele proferiu e as parábolas que usou para escancarar os seus corações eram perfeitamente adaptadas ao seu conhecimento íntimo da forma como a natureza, e o Deus da natureza, opera no mundo de terra, chuva e sementes.
“Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o agricultor. Todo o ramo que, estando em mim, não dá fruto, ele corta; e todo que dá fruto ele poda, para que dê mais fruto ainda.” (João 15, 1-2)
Com estas palavras, Jesus dá-nos uma imagem do Reino de Deus como um jardim espiritual em que cada alma é uma planta valiosa ou uma árvore a precisar de ser cuidadosamente nutrida. Com as minhas tesouras, pá e regador, tenho vindo a encarar o jardim como o resultado da mão criteriosa de um cuidador atencioso, dedicada ao potencial efervescente de vida – uma mão que planta, orienta, arranja, alimenta, poda e até extermina os inimigos nocivos que ameaçam.
É à mão do jardineiro, e não deixado à solta nem à míngua no deserto, que a planta ou a árvore alcançam a plenitude da sua beleza e potencial. É neste jardim que a planta floresce em abundância e que a árvore se enche com mais fruto.
Um jardim é um local seguro e confinado em que a ordem e a forma – princípios essenciais – são impostas com amor. No jardim em que nós somos plantados, o jardineiro conhece as nossas mais altas possibilidades e trabalha incessantemente para nos ajudar a manifestá-las. Ele procura deliciar-se com o fruto perfeito e com a flor gloriosa que um dia produziremos quando acabar de nos agraciar com sol e chuva.

Ele não hesita em despir-nos das folhas mortas ou dos ramos inúteis, ou de usar as tesouras de poda com precisão cirúrgica. Faz estas coisas dolorosas com grande carinho, e para nosso bem – um facto de que nos devemos lembrar quando formos assaltados pela tentação de fugir para o deserto, ou desistir de tudo e ir viver na selva.
Contemplo estas coisas no meu jardim, enquanto me dedico a tratar de uma plântula, posicionando-a de forma certa, fora do alcance dos raios de sol tropical. Observo pensativamente a minha bela goiabeira que em Junho tende a tornar-se um pouco selvagem, e por mais que me doa, corto este ou aquele ramo mais desordenado que lhe sugam as forças e desviam nutrientes de que precisa para poder produzir o seu doce fruto.
Prendo cuidadosamente os novos tentáculos da coroa da rainha à estrutura que construí para a apoiar, para que em breve o seu tronco salpicado tenha força para subsistir à pior das tempestades de verão.
Travo impiedosamente guerra às pragas que ameaçam as folhas jovens e tenras e as primeiras flores indefesas.
Com a minha jardinagem tenho vindo a sentir a segurança e a felicidade de me saber uma pequena árvore no jardim do Senhor. Se eu dou atenção às minhas plantas, que atenção não dará Deus, no seu amor infinito?
Ele derrama sobre mim o espírito da própria vida quando estou sequiosa, e protege-me dos males que me envolvem. Quase que consigo sentir o quão cuidadosamente ele me conduz e apoia, como me abriga da dureza dos elementos. Hoje sinto o corte das suas tesouras celestes sem qualquer ressentimento, porque se Ele pensa que essa parte de mim deve morrer, então é isso que tem de acontecer.
Não consigo sequer imaginar a gloriosa flor que um dia me tornarei, ao seu cuidado.
Grazie Christie, M.D. é investigadora sénior no The Catholic Association, e moderadora do programa de rádio “Conversations With Consequences”, da EWTN. Vive com o seu marido e cinco filhos em Miami, na Flórida, onde exerce radiologia.
(Publicado em The Catholic Thing no Domingo, 16 de Junho de 2024)
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